Bastou uma tênue melhora das condições da economia brasileira para que os incontáveis arautos do apocalipse inflacionário voltassem a pedir cautela ao Banco Central na definição da taxa básica de juros. Bastou apontar uma ainda incerta recuperação no horizonte - melhor dizendo, bastou que, em alguns setores, o ritmo de queda aliviasse - para que o espectro da inflação acelerasse e, no mercado financeiro e entre os economistas-financistas, os batimentos do coração também acelerassem.
O efeito prático dessa verdadeira síndrome é ampliar o risco de uma redução da taxa de juros menor do que a recomendada. Primeiro, dificultando uma eventual recuperação mais abrangente da atividade econômica. E, depois, distorcendo o fluxo de capitais externos, pelo alargamento excessivo e desnecessário das margens de arbitragem de taxas.
O fato é que ficou para trás e entrou em fase de incerteza o que parecia definido não faz muito tempo. Quando o BC baixou a Selic em 1,5 ponto (para 11,25% ao ano), no dia 11 de março, o mercado em peso apostava em uma dose pelo menos do mesmo tamanho na reunião seguinte do Copom, prevista para amanhã e quarta-feira. Isso já era. E o primeiro sinal veio com um inversão na direção dos juros futuros.
Houve, nesses 40 dias, uma certa recuperação das bolsas de valores globais (com destaque para a brasileira), o governo anunciou mais medidas para estimular o consumo (como a redução do IPI na compra de eletrodomésticos) e alguns indicadores (como as vendas no varejo de março) passaram a mostrar que a atividade econômica tinha parado de piorar. Assim, a quase unanimidade que havia em torno de um novo corte da Selic de 1,5 ponto se transformou numa quase unanimidade de um corte nos juros básicos, na melhor das hipóteses, de 1 ponto percentual. Há até quem fale em 0,75 ponto.
É interessante notar que, nesse mesmo intervalo, as expectativas futuras de inflação (que o BC olha, pois a inflação corrente é resultado do passado) mantiveram-se comportadas. Os diversos índices de inflação usados para corrigir vários preços da economia brasileira - como o IGP-M, que corrige a maioria dos contratos de aluguel - estão cozinhando em fogo brando e, em alguns casos, em trajetória deflacionista. Ainda que os preços não permaneçam na tendência descendente acentuada dos períodos recentes, não é sensato esperar uma reviravolta nos índices de inflação.
Não é preciso escamotear um movimento de retomada com receio de colocar azeitona na empada dos viciados em juros básicos acima do peso. A economia pode ter começado a escalar de volta a montanha do crescimento, depois de uma queda rápida e profunda no precipício da recessão, sem que isso signifique um retorno da inflação. O próprio boletim Focus, síntese da opinião do mercado que influencia e é influenciada pelo Banco Central, mostrou nesta segunda-feira, depois de semanas de projeções em baixa, uma melhora da expectativa para o crescimento do PIB em 2009: de -0,49% para -0,39%.
Essa pequena virada nas estimativas de mercado para o crescimento do PIB é quase uma senha para a mudança do próprio mercado em relação à política monetária. E, como a relação do mercado com o BC é o de cachorro que morde o próprio rabo, o risco maior do momento, na política monetária, não é o de produzir fricção de demanda, com conseqüências indesejáveis nos índices de preço. O risco maior é o de uma decisão muito conservadora do Copom atrasar um eventual movimento mais consistente de recuperação e, como tem sido a norma, no Brasil, exigir um esforço econômico além do necessário na hora da volta por cima.
Para essa turma, que ganha dinheiro mesmo com a economia em crise, o crescimento é uma maldição.