BRASÍLIA - Mesmo que o Banco Central (BC) tenha encerrado o ciclo de alta da taxa Selic em 13,75%, o freio provocado pela política monetária na economia deve ficar mais forte nos próximos meses graças à perspectiva de aumento do juro real, quando descontada a inflação à frente, além das defasagens típicas. Mantida a estratégia anunciada pelo BC em junho, de manutenção da Selic por um período prolongado, o grau de aperto monetário pode saltar da ordem de 4% atualmente para perto de 6% antes de o juro começar a cair, o que seria o maior nível em 20 anos.
Assim, embora o vigor da atividade econômica esteja surpreendendo, economistas consultados pelo Estadão/Broadcast dizem acreditar que a política monetária deve fazer seu trabalho, ainda que no horizonte alongado de 2024. O risco, porém, está na mesa, já que as estimativas de inflação continuam subindo e também há discussões sobre o aumento do juro neutro.
No comunicado do Copom desta semana, o BC afirmou que é “apropriado que o ciclo de aperto monetário continue avançando significativamente em território ainda mais contracionista” considerando o desvio das expectativas de inflação em relação às metas - 5,33% para 2023 no Boletim Focus, contra 4,75% do teto da meta, por exemplo. Mas completou que vai avaliar a necessidade de uma alta adicional da Selic, de 0,25 ponto porcentual, em setembro, após dar ênfase à projeção de 3,5% para o primeiro trimestre de 2024, livre das distorções causadas pelas desonerações em itens como combustíveis e energia.
Embora o BC interfira na Selic, os efeitos da política monetária dependem do juro real, que é encontrado ao descontar a inflação atual ou esperada do patamar da taxa nominal. Quanto maior a distância do juro real para o neutro (aquele que não aperta nem incentiva a economia), mais forte será o freio sobre atividade e inflação, algo que é sentido ao longo do tempo, com impacto máximo de cinco a seis trimestres à frente, segundo o BC.
Atualmente, o juro real está em torno de 8,5%, conforme os cálculos do site MoneYou e da Infinity Asset Management, e o juro neutro estimado pelo BC, em 4%. Nos cálculos do economista Mauricio Oreng, superintendente de Pesquisa Macroeconômica do Santander Brasil, o grau de aperto monetário deve alcançar cerca de 6% em meados do ano que vem, antes de a Selic começar a cair, em junho.
A conta leva em consideração a projeção de 14% do Santander para a Selic no fim do ciclo, em setembro, e a curva de juros de cinco anos para cada cinco anos. Além disso, usa como premissa que as expectativas para o IPCA do Boletim Focus vão convergir para o cenário de inflação do Santander.
“Se a Selic for a 14% e ficar nesse nível até junho de 2023 - o que o BC quer para garantir a meta de 2024 -, o grau de contração monetária vai apertar bem, já que as expectativas de inflação vão diminuindo no horizonte relevante.” No Focus, as estimativas saem de 7,15% para 2022, terminam 2023 em 5,33% e 2024 em 3,30%.
O economista-chefe do Banco Original, Marco Caruso, destaca que, atualmente, o juro real esperado (8,5%) já está bastante restritivo, no maior valor desde dezembro de 2016 (8,6%). “Mesmo com o BC jogando parado, se, de fato vier a desinflação que todo mundo está esperando, o juro neutro vai ficando mais restritivo mesmo sem o aumento da Selic. O tempo joga a favor do BC”, reforça ele, que prevê 13,75% para Selic no fim do ciclo.
Para Caruso, esse efeito justifica o trecho do comunicado em que o BC afirma ser apropriado que o ciclo continue avançando em terreno contracionista, embora logo depois diga que ainda vai definir se fará um ajuste residual em setembro.
O economista-chefe da Terra Investimentos, João Maurício Rosal, destaca que o tamanho do aperto monetário brasileiro não é significativo apenas em comparação com o passado recente, mas também em relação aos juros internacionais. “Desde 2008 os juros no mundo todo mudaram de patamar, e isso é verdade independentemente do ciclo atual. Nos Estados Unidos, por exemplo, a taxa longa segue apenas ligeiramente acima do juro real zero. É preciso colocar esses dois aspectos em perspectiva”, avalia.
Já Fabio Kanczuk, head de Macroeconomia da ASA Investments e ex-diretor do BC, pondera que tanto as expectativas de inflação quanto o juro neutro vêm subindo, o que pode reduzir o poder da política monetária, se a Selic ficar parada.
Efeito
Apesar do surpreendente desempenho recente da economia, Caruso, do Original, avalia que já há alguns sinais incipientes do efeito do choque de juros sobre a atividade, como nas vendas do varejo ampliado, que, desde abril, vem perdendo mais força em 12 meses. Na inflação, o impacto ainda não é visível, conforme ele.
Caruso argumenta que os sucessivos choques globais, a elevada incerteza econômica e a política fiscal expansionista atrapalham a avaliação de se a política monetária está funcionando. “É um pé no freio [juros] e outro no acelerador [fiscal]. Se fizer isso no carro, ele pode derrapar. O risco que estamos correndo é de derrapar com a inflação.”
Rosal acrescenta que, apesar dos choques inflacionários sucessivos, o BC precisou levar a alta de juros além do que queria inicialmente devido à expansão do gasto do governo na segunda metade deste ano. “Pela enésima vez, o grande nó é a questão fiscal, dessa vez derivada do período eleitoral. Em qualquer cenário, isso vai ter que ser repensado. Será um quebra-cabeça para o próximo governo. Ninguém fala em maldades durante a campanha eleitoral, mas a realidade vai se impor em janeiro de 2023″, observa.
O economista ressalta que a possível reversão, ainda que parcial, desses impulsos fiscais e a provável recessão global podem dar mais força ao esforço contracionista do BC no primeiro semestre do próximo ano. “Pode haver, sim, uma desaceleração maior da economia que justificaria inclusive uma reversão mais rápida da Selic. A retomada da racionalidade fiscal pode gerar condições para que a política monetária se torne bastante restritiva e possa ser revisada mais cedo”, completa.