RIO – Os juros elevados, que encarecem o crédito e desmotivam investimentos, derrubaram o desempenho dos setores industriais mais tecnológicos no segundo trimestre deste ano. Apenas a indústria de média-baixa tecnologia, que inclui ramos da extrativa, registrou aumento de produção no País no período, segundo levantamento do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) obtido com exclusividade pelo Estadão/Broadcast.
“Aqueles setores que dependem muito de financiamento continuam muito restringidos, e eles estão super-representados na indústria de alta e média-alta tecnologia”, explicou Rafael Cagnin, economista responsável pelo estudo do Iedi.
O levantamento do Iedi separa os ramos industriais em quatro faixas de intensidade tecnológica, seguindo uma metodologia difundida pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE): alta, média-alta, média e média-baixa tecnologia.
A produção da indústria de alta tecnologia recuou 1,7% no segundo trimestre de 2023 ante o segundo trimestre de 2022, com destaque para as perdas no complexo eletrônico, especialmente a menor fabricação de equipamentos de rádio, TV e comunicação.
Já a média-alta tecnologia registrou um tombo de 7,6% no segundo trimestre deste ano em relação ao mesmo período do ano anterior, segunda queda consecutiva, impactada pelos bens de capital mecânicos e elétricos e produtos químicos, apontou o Iedi.
“O quadro de juros é bastante elevado, os juros básicos, mas também os juros finais. Nesse período de relativo endividamento, também as garantias e contrapartidas finais (para concessão de crédito) tendem a ser mais rígidas. Em 2023, ainda teve o problema da crise das Americanas, que aumentou o spread dos mercados de capital e piorou as condições de financiamento das empresas”, enumerou Rafael Cagnin, economista responsável pelo estudo do Iedi.
Esses segmentos industriais mais tecnológicos são importantes não apenas pela geração de valor de seus produtos, mas também por replicar seus ganhos na economia, movimentando o restante da cadeia produtiva, e por ofertar empregos de maior qualidade no mercado de trabalho, mais qualificados, e, consequentemente, mais bem remunerados e formais, explicou Cagnin.
“Têm efeitos multiplicadores maiores. O exemplo mais indiscutível é a indústria automobilística, de média-alta tecnologia, que esparrama muito o crescimento, porque congrega uma diversidade muito grande de serviços e de componentes e insumos industriais, que vai da siderurgia, borracha, plástico, tecido, eventualmente couro, cada vez mais eletrônicos embarcados. Há um universo relativamente grande de atividades que são fornecedores da cadeia. Então quando ela cresce, ela tem capacidade maior de espalhar crescimento”, exemplificou Cagnin.
“É verdade que têm ramos com quantidade importante de componentes importados, mas, de modo geral, essas faixas têm mais encadeamento. Elas têm mais vínculos com outras atividades não só industriais, mas também de serviços. O segundo fator é que são atividades que tendem a ter um dinamismo de inovação e de investimentos em pesquisa e desenvolvimento também superior”, acrescentou.
A produção dos setores de média intensidade tecnológica caiu 1,8% no segundo trimestre de 2023, completando sete trimestres seguidos de perdas. A última vez que houve expansão foi há dois anos, no terceiro trimestre de 2021, quando subiu 6,6%.
O que salvou a indústria de um desempenho ainda pior no segundo trimestre foram os avanços de produtos alimentícios, bebidas e fumo (2,9%) e derivados de petróleo (4,9%), na faixa de média-baixa tecnologia, que cresceu 1,4% no segundo trimestre de 2023 ante o segundo trimestre de 2022.
Segundo Cagnin, a melhora do mercado de trabalho e a desaceleração da inflação permitiram um dinamismo maior na produção de bens essenciais, como os produtos alimentícios. Quanto aos demais segmentos mais tecnológicos, o resultado negativo ainda reflete as dificuldades de acesso ao crédito e postergação de investimentos, mas as perspectivas para 2024 são melhores.
A produção industrial pode se beneficiar a partir do ano que vem pelo ciclo de afrouxamento monetário já iniciado pelo Banco Central e por programas de governo em prol do fortalecimento da demanda doméstica, previu o economista. No entanto, as incertezas sobre o patamar da taxa terminal de juros básicos e a situação fiscal no País ainda preocupam.
“O problema é que demora muito para (o corte na taxa básica de juros) chegar às taxas finais, tem aí pelo menos um semestre. Então essa nova fase descendente do ciclo monetário vai ter impacto favorável para o ano que vem”, disse Cagnin. “Temos que ter política fiscal e monetária coerentes, de forma a efetivar níveis inferiores de taxas de juros, do ponto de vista real, em linha com a norma internacional, senão você tira incentivo a investimentos”, concluiu.