A venda do e-commerce de tecnologia e games Kabum envolveu negociações com 20 empresas e cinco propostas efetivas de interessados. Todas as ofertas envolviam parte do pagamento em ações e o valor total chegou a atingir R$ 4 bilhões em uma proposta feita pela B2W, que mais tarde se fundiu com a Americanas, segundo fontes. O fechamento de um contrato de exclusividade com a varejista digital teria sido o que azedou o clima com a Havan, outra interessada. Ao fim, a empresa foi vendida para o Magazine Luiza em 2021, por R$ 3,5 bilhões.
Os fundadores do Kabum, os irmãos Leandro e Thiago Camargo Ramos, alegam que o banco Itaú BBA e o executivo da área de fusões e aquisições que os assessorava, Ubiratan Machado, favoreceram o Magazine Luiza. Eles foram à Justiça para pedir a produção antecipada de provas contra o banco e tentam uma possível anulação do contrato de compra e venda da companhia.
Os irmãos receberam cinco propostas pela Kabum entre o fim de 2020 e meados de 2021, de acordo com pessoas familiarizadas com as negociações. A primeira, feita pela Whirlpool (dona das marcas Brastemp e Consul), de setembro de 2020, foi de R$ 2,4 bilhões. Os controladores pediram R$ 3,8 bilhões, e as conversas não foram para frente.
Logo após, o Magalu entrou no circuito e ofereceu R$ 1,5 bilhão, valor elevado para R$ 2 bilhões no início de 2021. Essa proposta também foi recusada, sempre de acordo com fontes que deram entrevista em condição de anonimato.
Um mês depois, a Havan chegou ao páreo com uma oferta, inicialmente, R$ 2,750 bilhões. Segundo fontes, os irmãos foram a Brusque (SC), onde fica a sede da varejista, para negociar com Luciano Hang, e no fim de fevereiro de 2021, o negócio foi fechado informalmente por R$ 3,5 bilhões.
De volta da viagem, entretanto, os irmãos acabaram desistindo da negociação. Quando a Havan formalizou a proposta, os irmãos responderam com novos pedidos, o que teria criado certo mal-estar. Na sequência, houve a proposta de R$ 4 bilhões da B2W. Essa proposta levou ao fechamento de um acordo de exclusividade. Durante a validade do acordo, a B2W fez diligências na Kabum, e submeteu os resultados ao conselho, que barrou a compra.
No processo, os irmãos afirmam que os contatos haviam sido feitos de forma direta entre Hang e os dois, pois o Itaú BBA dificultava a entrada da Havan nas negociações. Eles relataram que o fundador da Havan ligou diretamente a Leandro para saber se eles não queriam mais vender a empresa, conforme teria ouvido do Itaú BBA.
Na conversa por WhatsApp transcrita na peça judicial, ao serem perguntados sobre a conduta, os assessores disseram que isso fazia parte da estratégia. Os irmãos ainda alegam que a Via (dona da Casas Bahia e do Ponto) havia recebido do Itaú BBA prazo até 12 de março para enviar uma proposta e, assim, quando os gestores da varejista souberam que no dia 5 foi fechado contrato de exclusividade com a B2W, houve outro mal-estar.
Depois da desistência da B2W, os irmãos pediram que o BBA buscasse outras propostas. Neste momento, o Magazine ofereceu R$ 3 bilhões, valor depois elevado para R$ 3,5 bilhões, pelo qual os irmãos aceitaram vender a empresa e fecharam o negócio.
Os advogados de Thiago e Leandro, porém, defendem nos autos que poderiam ter fechado um negócio melhor caso o Itaú BBA não tivesse priorizado o Magazine Luiza na venda. No processo - que pede produção antecipada de provas -, ainda consta que parte da negociação, ao tentarem pedir R$ 4 bilhões a Frederico Trajano terem recebido como resposta do empresário que o único competidor que havia oferecido esse valor havia sido a B2W, que já havia desistido. Para os irmãos, o fato de Trajano saber desse detalhe indica um fluxo de informações possivelmente indevido.
Na última rodada de negociações, a Via, dona de Casas Bahia e Ponto, também fez uma proposta, de modo verbal, mas contava com um prêmio sobre o preço dos papéis que desagradou os vendedores. A Havan não teria voltado mais à mesa, após ser trocada pela B2W.
Contra o Magazine Luiza
Além da ação que pede produção antecipada de provas contra o Itaú BBA, os irmãos fundadores do Kabum demandaram à Vara Cível do Foro Central da Capital do Estado de São Paulo um protesto interruptivo de prescrição em relação ao contrato de compra e venda com o Magazine Luiza. Na prática, é como se o pedido parasse o cronômetro do prazo de quatro após a venda para que os reclamantes possam eventualmente questionar pontos do contrato.
No caso de ser comprovado culpa do Magazine Luiza em algum prejuízo eventualmente causado aos irmãos, eles poderiam pedir desde uma indenização até o cancelamento da venda. No entanto, esses pedidos ainda não foram feitos, justamente porque Thiago e Leandro requereram primeiro a produção de provas, sem ajuizar ação de indenização contra o Itaú BBA, nem contra o Magazine Luiza.
Justamente por isso, as defesas do banco e da empresa têm jogado levemente paradas. O Itaú respondeu ao pedido de provas questionando a competência da Vara na qual o processo foi aberto, enquanto o Magazine Luiza, que não é alvo desse pedido, não tomou nenhuma atitude.
Procurados, os irmãos Camargo Ramos, o Itaú BBA e o Magazine Luiza não comentaram. Em nota divulgada na segunda-feira, 27, o Itaú BBA afirmou em nota que “esclarece que a operação em questão foi concluída após um processo competitivo transparente e que envolveu diversas companhias interessadas”.
“Os acionistas do Kabum estavam absolutamente cientes de que poderia haver flutuação de valores no mercado acionário, e conduziram e tomaram todas as decisões ao longo do processo, especialmente em relação aos valores e condições da transação. Diante disso, o banco lamenta a existência de uma ação judicial sem qualquer fundamento e que tem, aparentemente, o único objetivo de causar constrangimento. Por fim, ressalta que atua sempre no melhor interesse de seus clientes, pautado nos mais severos padrões de diligência, para oferecer assessoria financeira de qualidade elevada”, disse o banco.