Não há maior liberdade que a liberdade de existir. A liberdade da existência antecede qualquer liberdade individual, seja a de expressão, a econômica ou a social. Escrevo isso e penso que se trata (ou deveria tratar-se) de uma obviedade.
Mas temos casos de extermínios em massa recentes que foram promovidos por Estados-nações, supostamente legitimados de alguma forma. Parece, então, que o óbvio precisa não apenas ser dito, mas também institucionalizado para evitarmos esse tipo de catástrofe. Viver em uma sociedade em que políticos ou influenciadores considerem que o nazismo é algo que possa ser tolerado escancara não apenas uma péssima educação a respeito do tema, mas também nossa veia violenta e intolerante com o outro.
A desculpa para essa expressão de ódio é camuflada como liberdade de expressão ou como forma de promoção de diversidade intelectual. Chega a ser ingênuo, de alguma forma, que a liberdade de expressão seja usada como base para o acolhimento e o reconhecimento de grupos que defendem o extermínio em massa de pessoas. Mas, curiosamente, ao defenderem a representatividade de quem prega o extermínio, esses indivíduos escancaram quem somos como sociedade. Saber quem somos é passo fundamental para diálogos e ações que visem a melhorar nosso tecido social. Além disso, ao falarem o que pensam, essas pessoas abrem a possibilidade de que possam pagar pelo que falaram – se for o caso. A liberdade que defendem, que não poderia ser usada em um ambiente que desrespeite indivíduos, escancara a contradição desse argumento. Não é possível ser liberal apenas nos dias pares do mês. A liberdade é algo por inteiro e passa fundamentalmente pelo direito à vida.
Aceitar a criação de um partido nazista não se relaciona com suposta falta de diversidade na arena política. Na verdade, a normalização de um grupo de extermínio como partido marca a decadência máxima do nosso ambiente político. Aceitar o nazismo é aceitar que as pessoas, ou até o Estado, possuem o direito de exterminar judeus, negros e pessoas LGBTs.
Poucas décadas nos separam de extermínios em massa. O famoso caso Dreyfus mostra que a normalização da barbárie não acontece da noite para o dia. Ela é precedida da minimização, da distorção e da negação do horror que é o desrespeito aos direitos humanos – a base moderna da nossa liberdade de existir como escrevi na coluna especial Como estava a dizer na minha última aula. Estamos em ano eleitoral. Prestemos atenção ao discurso dos candidatos em relação a instituições e aos direitos individuais. É o fundamental.
*PROFESSORA DO INSPER, PH.D. EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DE NOVA YORK EM STONY BROOK