“Numa decisão de caráter simbólico e inédita na história do País, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva indicará um negro para o Supremo Tribunal Federal.” Este é o primeiro parágrafo de matéria da Folha de S.Paulo em 2 de maio de 2003 sobre a indicação de Joaquim Barbosa ao Supremo.
Agora, em 2023, a história foi diferente. Quando Lula anunciou sua última indicação ao Supremo no Twitter, disse que indicava Zanin “não apenas” por ter sido seu advogado. A indicação de um ministro ao Supremo passa por critérios técnicos e também por critérios de representatividade. Os critérios da indicação de Zanin se distanciam desses dois parâmetros e se aproximam da pessoalidade.
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Em uma democracia com divisão de Poderes, cada um deles não serve apenas como peso e contrapeso um dos outros, mas também como a materialização da representação da sociedade em espaços de poder. Representatividade é fundamental para o bom exercício democrático. Buscar entre as pessoas com “notável saber jurídico e reputação ilibada” aqueles com bagagens e vivências distintas é fundamental em uma democracia saudável.
Depois da repercussão dos votos conservadores de Zanin, o presidente Lula disse que votos de decisões do Supremo deveriam ser fechados. Contraria-se aqui outro pilar da democracia, o de que o povo é um dos principais grupos a realizar accountability. Devemos também monitorar o governo e, para que isto aconteça, informação é fundamental.
Enquanto isso, no Supremo, Rosa Weber decidiu pautar a discussão sobre legalidade do aborto para gestações com até 12 semanas na véspera de sua aposentadoria. Como votaria o Supremo hoje? Como votará o futuro Supremo, aquele que contará com mais uma indicação de Lula? Quem o presidente pretende indicar? Uma mulher? Uma mulher negra?
A indicação de Zanin e sua reação aos votos do novo ministro mostraram que o Lula de 2003 que indicou Joaquim Barbosa não é o mesmo de hoje. Não imagino que Lula tenha sido eleito por ser considerado um representante da esquerda progressista. Mas o presidente tinha e tem a caneta em mãos para escrever como quiser as páginas em branco do seu terceiro governo.
Fica o sentimento de que o Brasil parece ter dificuldade em colher os benefícios da flutuação de poder entre partidos que deveriam representar conservadores e progressistas.
Resta outra dúvida também. Cadê os progressistas?