“Faça de conta que Nova York é uma cidade.” Essa frase da escritora e humorista Fran Lebowitz, que é a personificação do mau humor nova-iorquino, fala sobre uma Nova York menos autêntica aos olhos da autora, por conta das pessoas que circulam distraídas, obstruindo a passagem nas calçadas e olhando para seus celulares o tempo todo. Se elas fingissem que Nova York é uma cidade, se comportariam de forma diferente. Talvez lembrariam de não ignorar o coletivo.
Circular em São Paulo é pensar a todo minuto: “vamos fingir que São Paulo é uma cidade”. Não apenas pelas pessoas distraídas na porta do metrô ou nas ruas, focadas em seus celulares, mas sim porque São Paulo não foi construída com a essência de uma cidade. Se fingirmos que São Paulo é uma cidade, como ela seria? O que queremos de São Paulo?
Mesmo que alguém queira apenas trabalhar e nada mais, São Paulo ainda é disfuncional. A população da capital paulista gasta, em média, 2h30 diariamente para se deslocar pela cidade, segundo dados da Rede Nossa São Paulo e do Instituto Cidades Sustentáveis. São horas de sono perdido, de capital humano não acumulado, de tempo não usufruído com filhos, netos e amigos. Não é apenas uma amolação. É um estilo de vida que marca que, para quem vive aqui, não sobra tempo para nada
A cidade também é diferente para pobres e ricos. Um morador do Alto de Pinheiros, na Zona Oeste, vive cerca de 22 anos a mais do que um morador de Cidade Tiradentes, no extremo da Zona Leste, segundo o estudo Mapa da Desigualdade 2021, também divulgado pela Rede Nossa São Paulo. Em outra pesquisa, de 2022, a entidade constatou que quase 50% dos paulistanos preferiria viver em outro lugar.
Em ano de eleição municipal, vamos ver projetos de campanha com muitas páginas, alguns textos técnicos, muito bate-boca e discussões em nível pessoal entre os candidatos, e algumas poucas políticas públicas sendo levantadas ao vento. Mas, o que será que Ricardo Nunes (MDB), Guilherme Boulos (PSOL), Tabata Amaral (PSB), Kim Kataguiri (União), Marina Helena (Novo), Altino Prazeres (PSTU) e outros possíveis nomes que possam surgir realmente querem para São Paulo? Quando eles pensam em cidade, o que vem à mente deles? Eles têm um projeto de governo de gaveta, se o tem, ou uma visão de cidade?
Façamos de conta que São Paulo é uma cidade. Queremos poder trabalhar, circular, aproveitar espaços públicos e privados, respirar. Alguém tem um projeto para essa São Paulo?