A Lee, marca da calça que foi sonho de consumo dos jovens dos anos 60 e 70 e, na época, virou sinônimo de jeans, quer explorar o potencial adormecido na memória dos brasileiros. A partir do próximo ano, a Lee chega ao varejo com lojas próprias. Hoje os itens de vestuário da marca são vendidos em lojas multimarcas ou por meio do comércio online.
O projeto, que prevê a abertura de seis lojas nos próximos três anos, faz parte de um contrato fechado entre o Grupo Garra Jeans, de Minas Gerais, e a americana Kontoor Brands, que detém os direitos da marca no mundo. Desde 2019, a empresa mineira tem o licenciamento exclusivo da Lee no Brasil.
A primeira unidade está prevista para 2025 e será aberta na capital paulista. “Mas o nosso objetivo é fazer o dobro ou o triplo disso”, disse ao Estadão Renato Abras, presidente do Grupo Garra.
Antes de começar a produzir no Brasil a calça Lee em 2019, o Grupo já era do setor de confecções. Desde 1999 fabrica, por meio de empresas terceirizadas, calça jeans com a sua marca Young Style e vende para lojas multimarcas.
De família de comerciantes do setor de vestuário, Abras conta que cresceu dentro de uma loja de roupas. Seu pai era atacadista de jeans no polo de moda Barro Preto, em Belo Horizonte (MG). “Vi toda a evolução do jeans brasileiro, desde o primeiro jeans com lycra feito no Brasil até ter a vontade de começar a produzir.”
Pela experiência acumulada no setor e grande malha de distribuidores espalhados pelo País – atualmente são 2.500 revendas multimarcas –, o empresário contou que foi procurado pela Kontoor em 2018 que lhe ofereceu o licenciamento da Lee. “Nós não tivemos de pagar nada por isso (o licenciamento)”, explicou a diretora-executiva do Grupo Garra, Bruna Gunella.
Pelo contrato de cinco anos, que acaba de ser renovado por mais cinco, a Kontoor recebe um porcentual sobre as vendas. Devido a questões contratuais, Abras não revela a comissão.
“O foco deles (Kontoor) é o royalty, deixando para a gente investir no negócio”, disse Bruna. De 2019 a 2023 foram aplicados R$ 10 milhões. A previsão para os próximos três anos é investir mais R$ 10 milhões.
Avanço
De toda forma, os royalties recebidos pela dona da marca Lee têm crescido. Em 2019, foram comercializadas no País 130 mil peças da marca. Entre 2019 e 2023, houve um salto de 237% no número de unidades vendidas, que somou no ano passado 435 mil peças. Para este ano, a projeção é chegar a 550 mil, com a abertura de mais 500 pontos de venda, disse o empresário que vê potencial de mercado para triplicar esse volume anual.
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Produzindo e vendendo peças com as marcas Young Style e Lee, o Grupo faturou R$ 120 milhões no ano passado. A perspectiva é que a receita atinja R$ 220 milhões nos próximos três anos, puxada especialmente pela Lee. Segundo Abras, a marca americana tem capacidade para crescer a um ritmo que é o dobro da Young Style.
As duas marcas não concorrem. O perfil de quem compra Lee é das classes A e B+, enquanto a Young Style está voltada para as classes B-, C e D. “São níveis diferentes e as marcas se complementam em termos de posicionamento.”
Memória presente?
A decisão do Grupo Garra de assumir o licenciamento da Lee se deu pela relevância histórica da marca. “Quando essa oportunidade caiu na nossa mão, vimos a importância de uma marca de 135 anos, responsável pela primeira calça de zíper do mundo, pela primeira jardineira”, lembrou Abras.
Para aceitar a proposta, não foi preciso estudo aprofundado sobre recall da marca. Levantamento feito com lojistas e revendedores logo mostrou que a Lee ainda estava presente na cabeça do brasileiro e era um desejo de consumo, especialmente agora no qual o vintage é valorizado, observou o empresário.
Já o sócio da TroianoBrading, Jaime Troiano, um dos maiores especialista em marcas, acredita que a marca Lee possa estar esvaziada de significado atualmente. Na sua avaliação, a percepção de valor da marca caiu muito ao longo do tempo e perdeu a mitologia em torno dela de ser uma expressão de contracultura, que havia nos anos 1960. “Será que é uma brasa que se soprar pega fogo outra vez?”, questionou o especialista.
Troiano ponderou que existe um apego nostálgico da marca. Mas, na sua avaliação, para os consumidores com menos de 35 anos, a Lee não significa nada, além de ser um jeans acessível.
Para reduzir os riscos do projeto, que na sua opinião são elevados, Troiano recomenda um planejamento muito cuidadoso de mercado, a fim de saber exatamente onde se está pisando. Isto é, quem são as grandes marcas concorrentes de jeans e o que novo dessa alma antiga da Lee poderá ser preenchida novamente de sentido.
Neste caso, destacou que os investimentos devem ir além da abertura de lojas físicas. “Para recuperar esse momento glorioso que essa marca teve é necessário um investimento pesado em comunicação.”
Enfraquecimento
Até 2018, a marca Lee vinha perdendo força no mercado doméstico. Segundo o Estadão apurou, na época a VF Corporation era diretamente responsável pela produção distribuição e venda das confecções no Brasil, Chile, Paraguai, Argentina, Peru e México. Boa parte das peças vendidas era importada da Argentina e do Chile. Chegavam ao mercado brasileiro com preços mais elevados em relação à concorrência. Por isso, perdia espaço junto aos consumidores.
Em 2016, a VF Corporation chegou a fazer um acordo de licenciamento com uma pequena confecção nacional, mas o negócio não foi para frente e o contrato foi cancelado ao final de 2017, apurou a reportagem.
Na época, a VF estudava cisão dos negócios no mundo. Em agosto de 2018 foi anunciada a divisão de negócios Kontoor Brands, que ficou responsável mundialmente pelas marcas Lee, Wrangler e Rock&Republic. A VF, por sua vez, ficou com as marcas Vans, The North Face, Timberland e Dickies.
Procurada a Kontoor Brands informou que, desde 2019, a empresa é um desmembramento da VF e que “quase não há informações de estágios anteriores”. No passado, a VF chegou a licenciar a marca para outra empresa que não atendia aos padrões, diz a empresa, em nota.