Os leilões rodoviários realizados pelo governo entre 2007 e 2015 foram protagonizados pelas construtoras, que viviam seu melhor momento. No período, um único certame chegou a contar com 17 participantes, sendo a maioria do setor de construção. Diante de múltiplos desafios, com destaque para os impactos da operação Lava Jato, o interesse privado foi reduzido de forma abrupta. Uma década depois, embora exista expectativa de melhora na competitividade, a menor procura pode ter se tornado característica mais perene em razão de mudanças nos modelos contratuais e no amadurecimento do setor.
Enquanto os 16 leilões realizados entre 2007 e 2014 reuniram uma média de quase oito participantes, as 13 concorrências por outorgas rodoviárias entre 2015 e 2024 atraíram, na média, 2,5 ofertas. Essa média tem aumentado, com percepções de que há apetite crescente pelos ativos. O último leilão, realizado há duas semanas, foi o mais concorrido em seis anos, com quatro propostas.
A retomada gradual não tem sido protagonizada por construtoras. A tendência, vista nos últimos leilões e que tende a se consolidar, é de uma mudança de perfil dos operadores, principalmente com maior atuação de players do setor financeiro. O “vácuo” deixado por grandes nomes do setor de construção abriu espaço para gestoras, como a 4UM, que ganhou recentemente a concessão da BR-381 após uma disputa com o Opportunity.
Perda de protagonismo
As obras públicas brasileiras impulsionaram a demanda por empresas de construção, como no período da ditadura militar, por exemplo. Contudo, as companhias tinham a estratégia de diversificação dos negócios, com operações em setores variados, como alimentos, energia e indústria petroquímica. Com o “boom” das concessões nos anos 2000, elas viram espaço para explorar um novo ramo, atuando também como concessionárias.
Na avaliação do advogado Luis Felipe Valerim, sócio do Valerim Advogados e Professor da FGV Direito SP, essa transição das grandes construtoras para os projetos de concessões se deu também por um “fator necessidade”, o que colabora para explicar a fuga nos anos seguintes. “Foi o que o poder público passou a ofertar. O dinheiro público disponível para contratar obras foi se tornando escasso”, explica.
Antes mesmo da derrocada relacionada aos escândalos de corrupção revelados pela Lava Jato, havia sinais de que as construtoras enfrentariam problemas para seguir gerindo os ativos. Enquanto num contrato de obra pública essas empresas recebiam o retorno financeiro integral após a conclusão dos trabalhos - em um, dois ou cinco anos -, nas concessões é necessária expertise para receber, em até 30 anos, a partir do pagamento de tarifas de pedágio.
“O negócio foi se mostrando inviável. Passada a etapa de maior investimento, as construtoras perdiam o interesse. Então elas estavam ali como principais players do negócio, mas não tinham interesse em manter a operação como concessionárias. As concessões começaram a ficar ruins”, afirma o advogado Fernando Marcondes, especialista em infraestrutura do MAMG. Esses primeiros sinais, relembra, foram dados a partir de pedidos de revisão de contratos e de saída das concessões.
Escândalos de corrupção
Deflagrada em março de 2014, a Operação Lava Jato tinha como foco propinas relacionadas à Petrobras, em um esquema que ficou conhecido como “Petrolão”. Ao longo de 80 fases da investigação, as maiores construtoras do País entraram na mira. Odebrecht, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão e Camargo Corrêa tiveram executivos indiciados e grandes multas a serem pagas, além do desgaste de imagem, o que diminuiu a capacidade de investimentos, inclusive em rodovias.
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“Grandes grupos de infraestrutura nacionais competiam entre si. Eles conheciam o Brasil, entendiam nossos riscos e tinham porte financeiro para os projetos. Em um momento crítico, entre 2015 e 2016, as empresas quebraram e ainda não tínhamos atraído estrangeiros. Houve um gap e passamos um bom tempo sem licitantes”, observa Valerim.
A Odebrecht, agora Novonor, foi uma das construtoras a participar do “boom” de concessões na época das “vacas gordas”. Em 2013, arrematou a BR-163, uma das principais rodovias de transporte de soja em Mato Grosso. A operação foi devolvida para o poder público em 2022, com a venda pelo valor simbólico de R$ 1 para o governo estadual.
A Galvão Engenharia ganhou a disputa pela BR-153, entre Goiás e Tocantins. Quatro anos depois, em 2017, o governo federal declarou a caducidade do contrato após a companhia não conseguir executar os investimentos previstos. Em 2021, o trecho foi novamente leiloado e arrematado pela EcoRodovias e GLP.
A construtora Triunfo entrou em recuperação judicial em 2019, citando a Operação Lava Jato como um dos motivos. A Concebra, do grupo Triunfo, solicitou, no ano seguinte, a devolução da BR-060/153/262, que vai de Brasília (DF) até Betim (MG). A empresa atribuiu o pedido à frustração de um financiamento esperado e também da receita, que foi derrubada pela recessão de 2014 a 2016, “causada por diversos fatores políticos e econômicos”.
Mudanças nos processos
As mudanças nos processos de concessões, em aperfeiçoamentos já esperados entre os lotes, também influenciam o cenário atual. Especialmente após a Lava Jato, os editais foram migrando para uma lógica mais de atestação financeira do que de engenharia. Paralelo a isso, uma melhora no ambiente regulatório atraiu grupos que antes não exploravam o setor.
A advogada Ana Luísa Diniz Silva, especialista em infraestrutura do Rolim Goulart Cardoso, observa que, embora as construtoras não estejam figuradas como protagonistas, seguem participando dos certames. Ela cita a presença de construtoras em consórcios como os que disputaram, neste ano, o trecho da BR-040 entre Belo Horizonte e Juiz de Fora, em Minas Gerais.
“O afastamento das construtoras pode estar mais relacionado à entrada de novos players e ao aumento no número de projetos. Antes, concessões rodoviárias não eram tão frequentes, então as construtoras viam essas oportunidades como algo a não ser perdido. Com mais leilões, as oportunidades são mais distribuídas”, considera a especialista.
Para Luis Felipe Valerim, ainda que as mudanças no perfil dos concorrentes se consolide - com o protagonismo de gestoras de investimentos -, há uma sobrevida para as construtoras. “No fim do dia, uma construtora vai ser contratada para executar a obra. Não precisa ser ela a concessionária”, considera.