‘Vai sair quem tiver que sair e entrar quem precisa entrar’, diz secretária do Cadastro Único


Letícia Bartholo, secretária responsável pelo CadÚnico, utilizado pelo Bolsa Família, revela que plano de ação inclui revisão de cadastros com indícios de irregularidades, busca ativa por pessoas que se enquadram no programa social e retomada de capacitação de cadastradores

Por Adriana Fernandes e Anna Carolina Papp
Atualização:
Foto: WILTON JUNIOR
Entrevista comLetícia BartholoSecretária de Avaliação, Gestão da Informação e Cadastro Único do Ministério do Desenvolvimento Social

BRASÍLIA – A secretária de Avaliação, Gestão da Informação e Cadastro Único do Ministério do Desenvolvimento Social, Letícia Bartholo, avalia que houve uma “completa fragilização” e um “desleixo” com o desenho da política social no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, minando a eficiência do Auxílio Brasil, hoje rebatizado de Bolsa Família no governo Lula.

“Foi implantado um programa de combate à pobreza sem diagnóstico de qual impacto sobre a pobreza ele traria”, afirmou a secretária. “Isso foi feito sem nenhuma comunicação os municípios e Estados e sem orientação à população.”

Entre as ações de reestruturação do Cadastro Único da secretaria está uma busca ativa pelas pessoas que têm direito ao benefício, mas hoje estão fora do programa social, e uma revisão cadastral dos 5 milhões de beneficiários que moram sozinhos – que “explodiram” de outubro de 2021 para cá. “Não é aceitável que a gente tenha um orçamento de R$ 170 bilhões e pessoas passando fome. Obviamente, tem dinheiro indo duas vezes, três vezes na mesma casa”, afirmou.

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Além disso, o Ministério irá verificar os 2,5 milhões de beneficiários identificados pela Controladoria-Geral da União com indícios de irregularidades de renda em relação aos critérios do programa. O plano de ação também inclui a retomada dos treinamentos de capacitação de cadastradores, reforço da central de atendimento telefônico, a fim de desafogar as filas dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), e uma campanha, até abril, esclarecendo a população sobre as regras. A seguir, os principais trechos da entrevista.

A secretária de Avaliação, Gestão da Informação e Cadastro Único do Ministério do Desenvolvimento Social, Letícia Bartholo. Foto: Wilton Júnior/Estadão Foto: WILTON JUNIOR
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O que é o Cadastro Único?

O Cadastro Único, muito mais do que uma base de dados, é um grande processo de articulação federativa. Ele é o nosso mapa, que nos diz quem são, como vivem e do que precisam as famílias mais vulneráveis do Brasil. Mais de 30 programas, como a tarifa social de energia elétrica, utilizam o Cadastro Único. Tem Estados que usam a base do cadastro para os seus programas de transferência de renda. Acho que boa parte dos estragos que aconteceram no Cadastro Único deriva também de uma percepção equivocada de que o cadastro é uma mera base de dados. Para o cadastro ser uma base de dados correta, é preciso um grande esforço de diálogo, conversa e orientação com os municípios.

Quais os impactos da pandemia sobre o cadastro?

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No biênio 2020-2021, o período crítico da pandemia, as atividades de cadastramento ficaram praticamente paralisadas. Então, você já gera aí um estoque de pessoas com dados desatualizados. Ao longo do segundo semestre de 2021, as atividades de atualização são retomadas; mas, ao mesmo tempo, o cadastro é atingido pelo piso de R$ 400. O piso de R$ 400 é anunciado assim: é R$ 400 para todo mundo. Em nenhum momento o governo anterior esclareceu a população de que era R$ 400 para cada família. Pela lei, sempre foi R$ 400 por família. Então, quando o Auxílio Brasil nasce, ele é implantado, em outubro de 2021, com desenho mais similar ao do Bolsa Família. Não obstante, só dura um mês: no mês seguinte, vira o piso para R$ 400. Um piso que pagava o mesmo valor para uma pessoa que mora só e para uma mãe solo com dois filhos. Isso foi feito sem nenhuma comunicação os municípios e Estados e sem orientação à população de que era por família, e não por pessoa.

E quais os efeitos disso?

Em 2021, a gente vê uma diminuição expressiva da média de pessoas por família e um grande crescimento de cadastros unipessoais. Dentro dos beneficiários da transferência de renda que estão no Cadastro Único, o número de famílias atendidas subiu entre dezembro de 2020 e dezembro de 2022 de 14 milhões para 22 milhões de famílias. Não obstante, a média de pessoas nas famílias passou de 3,4 para 2,56. Isso não encontra amparo na dinâmica demográfica brasileira. Houve um crescimento dos cadastros unipessoais – de pessoas que dizem morar sozinhas – de 224% comparado ao que existia em dezembro de 2019. A explosão se dá a partir de outubro de 2021. O que houve foi um processo de muita confusão, e muitas pessoas podem ter sido induzidas ao erro. Claro: há comportamento estratégico? Também há. Mas há também grande indução ao erro.

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Que tipo de consequência pode ter quem se cadastrou assim?

As pessoas não sabem, por exemplo, que ao se cadastrar assim, individualmente, elas conseguiram um benefício só para si; mas, possivelmente, elas perderam outras oportunidades que se abrem, como o Minha Casa Minha Vida, que vai ser lançado. Porque a gente não consegue mais olhar se a condição do domicílio daquela pessoa precisa de melhorias, porque a gente não sabe se é um domicílio solo ou se são dois. Então, vamos disponibilizar relatórios com indicativos de pessoas que potencialmente moram na mesma família a partir do endereçamento.

Como será essa reestruturação do Cadastro Único?

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Primeiro, essa pactuação de atualização cadastral com os Estados e municípios do plano de ação, que foi feita durante a semana passada. Segunda-feira agora assinamos o acordo com a Defensoria Pública da União. Nós estamos trabalhando uma linha de qualificação dos dados do Cadastro Único, numa linha de ter uma campanha de atividade pública esclarecendo a população sobre regras, critérios de acesso, orientando a população. Estamos colocando no aplicativo do Cadastro Único a funcionalidade que, se a pessoa unipessoal, que disse morar sozinha, entendeu a partir da campanha de utilidade pública que ela errou, ela pode já ali pedir para sair e depois agendar o cadastramento na família em que mora. Nós vamos ter um aporte extraordinário de recursos para prefeituras e Estados. Nós vamos retomar os processos de capacitação já agora em março.

Como vai funcionar essa qualificação dos dados?

Ela tem dois braços, basicamente. Um braço importantíssimo requer a atuação dos municípios. Porque, a partir das informações que nós vamos passar a eles de quem potencialmente vive no mesmo endereço, eles precisarão buscar essas famílias e averiguar se de fato, aquela informação está correta ou não e recompor a base de dados. Esse processo com os municípios começa em março, mas ele vai ao longo do ano, porque ele envolve 5 milhões de pessoas beneficiárias. Então, as pessoas serão chamadas, serão avisadas da necessidade da revisão dos seus cadastros.

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Quem são esses 5 milhões?

São os cadastros unipessoais de beneficiários da transferência de renda. São o alvo prioritário dessa ação conduzida com os municípios. Vamos verificar todos os unipessoais beneficiários do programa de transferência de renda neste ano. Essa revisão tem um cronograma: começa em março e termina em dezembro. As pessoas serão chamadas. Então, acho que é importante deixar claro que ninguém precisa correr na fila dos CRAS (Centros de Referência de Assistência Social). As pessoas vão ser chamadas conforme o cronograma. Esses 5 milhões unipessoais serão chamados, serão revisados e aí vai sair quem tiver que sair e vai entrar quem precisa entrar.

Essa avaliação é presencial?

Todos serão chamados presencialmente. No caso de idosos e de pessoas com algum grau de deficiência, é adequado que se vá até a casa do beneficiário. O município pode organizar a ação dessa maneira.

E se os beneficiários não comparecerem?

Se eles não forem, terão benefícios bloqueados e, depois, cancelados. Em abril, a nossa ouvidoria já está funcionando de novo, atendendo as ligações. Até abril também a gente já tem a campanha na rua de utilidade pública; a gente já tem o aplicativo de quem quer sair do cadastro porque percebeu que errou. Então, a gente vai montar um cenário em que as pessoas possam ser atendidas conforme esse cronograma.

Qual a vantagem de quem sair do voluntariamente do cadastro?

Se ela não sair, ela vai perder o benefício do mesmo jeito. A gente está dando a ela uma oportunidade de entender que errou, sair e ficar na família; ao mesmo tempo em que se desenham outros programas de atendimento da família. Como essa ação envolve muita necessidade de estruturação dos municípios, que a rede está solapada de recursos, toda a rede centralizada, a gente está aportando R$ 199,5 milhões adicionais para essa tarefa. Serão transferidos para melhorar a capacidade do que a gente chama de Programa de fortalecimento do Atendimento do Cadastro Único no Suas (Sistema Único de Assistência Social (Suas). É o Procad-Suas.

Quais outras ações da reestruturação do cadastro?

Outra coisa muito importante é a integração do Cadastro Único com o Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS). A gente já tem no governo federal informações sobre rendimentos do emprego formal e rendimentos de benefícios previdenciários, por exemplo. Eu não preciso fazer com que o cidadão vá no CRAS me dar uma informação que eu já tenho aqui no nível federal. Eu estou fazendo cidadão se desgastar duas vezes e eu estou tomando tempo dos CRAS. Então, o que a gente vai fazer primeiro agora, e que a gente já começou, é: todo mês a gente vai integrar as informações do CNIS no Cadastro Único. E, a partir de 2024, a gente vai trabalhar para essa integração ser sistêmica, online. Junto a isso, vamos retomar ações de busca ativa. O Cadastro Único possui protocolos específicos para cadastramento de grupos tradicionais específicos de população: como se cadastra pessoas em situação de rua; sobre como se cadastra indígenas, quilombolas, ribeirinhos. Nós fazíamos ações com os Estados e com os municípios específicas para esses grupos. Isso também acabou. Então, nós vamos retomar essas ações em parceria com os Estados e municípios.

Quais os critérios hoje para participar do Bolsa Família?

O critério de entrada hoje no Auxílio Brasil é renda familiar per capita de até R$ 210. O critério de saída hoje do Auxílio Brasil, porque o Novo Bolsa Família será lançado ainda, é de R$ 525 per capita. A pessoa pode ter emprego e participar do programa, desde que ela esteja dentro da faixa. Vamos lá: uma família está no programa e conseguiu um emprego de um salário mínimo. Se a renda dela ficar neste intervalo, é direito dela. O critério de participação no programa é renda.

E os 2,5 milhões de beneficiários com indícios de irregularidades, citados pelo ministro Wellington Dias?

5 milhões é cadastro de gente que diz que mora sozinha – e uma parcela expressiva dessas pessoas mora com a família. Nós vamos identificar quem é que mora sozinho mesmo e quem não mora. A CGU indicou 2,5 milhões de famílias beneficiárias com indícios de irregularidades. A isso que ministro estava se referindo; possivelmente, aos casos mais críticos, que são casos que têm a ver com renda, e não com composição familiar. O nosso universo de tratamento (os 5 milhões) é mais amplo. E por que a gente tem 5,5 milhões de cadastros unipessoais e só tem 5 milhões na ação? Porque os outros 500 mil já identificamos que estão com problemas de renda. Então, eles já são tratados aqui num processo à parte, que já é a averiguação de renda, que nós vamos fazer conforme as informações do CNIS. Quem está com o indicativo de renda acima, a gente vai conseguir tratar aqui em nível federal, a gente já vai saber. Composição familiar é que a gente precisa desse apoio dos municípios.

Qual é o perfil dos beneficiários unipessoais?

51% têm entre 22 e 50 anos. A maior parte é de homens. O crescimento de (famílias) unipessoais se deu em todo o Brasil, mas a proporção de crescimento foi maior em cinco Estados: Acre, Rio de Janeiro, Amazonas, Distrito Federal e Amapá.

O que você diria para os beneficiários unipessoais que estão assustados?

Acho que uma grande função da campanha de utilidade pública vai ser esclarecer, para que as pessoas não se assustem, porque a gente está averiguando. Se a gente criminalizasse essas pessoas, a gente não iria averiguar; a gente ia fazer um corte e dizer que elas estão mentindo. Só que a gente não pode dizer que elas estão mentindo – e é por isso que a ação vai ao longo do ano, para aquelas pessoas possam dizer que não estão mentindo, que moram sozinhas mesmo. E tem direito ao benefício quem mora sozinho mesmo. Então, a campanha tem uma grande função: dizer o que é certo e o que é errado. E que, se você está fazendo o certo, você não vai ser prejudicado.

Há alguma projeção de quantos dos 5 milhões de unipessoais estão em situação irregular?

A estimativa, com base na proporção que tínhamos antes, é de pelo menos 35%: 1,7 milhão de cadastros dentro desse universo de 5 milhões possivelmente estão com indicativo errado de composição familiar. As pessoas tendem a desumanizar um pouco a população pobre e essa desumanização passa por dois processos: tem gente que acha que pobre é bandido e preguiçoso; e tem um outro lado que acha que pobre é freira. As pessoas pobres são pessoas, que lutam para sobreviver. Por isso que o ministro Wellington tem tido muito cuidado de falar: “só vai ficar na transferência de renda quem está na regra”; mas, junto disso, ele diz: “nós vamos buscar quem precisa estar dentro e não está”.

Vocês têm alguma projeção de quantos podem entrar pela busca ativa?

Busca ativa é complicado de trabalhar com projeção, ainda mais porque os dados do Censo ainda não saíram. Os grandes protagonistas da ação de cadastramento são os municípios. Vamos retomar a orientação, a conversa cotidiana com os municípios, que são corresponsáveis, e ir atrás das pessoas. Agora, para que eles realizem a contento, eles precisam de orçamento, orientação e diálogo. Senão, na escuridão, os CRAS ficam sem diálogo.

Houve um pacto político para reforçar os recursos do Bolsa Família, que hoje equivalem a 1,5% do PIB, como nunca antes. É um teste para o programa?

Acho que a gente não imaginava que a gente ia dar o salto orçamentário tão expressivo com um desenho tão iníquo. Infelizmente, o desenho não acompanhou a equidade requerida para cuidar de um orçamento tão grande.

Há desperdício hoje no Bolsa Família?

Sim. Há impacto direto na transferência de renda conduzida aqui pela União e pelos Estados que usam o cadastro. Ainda não dá para falar o quanto dá para economizar (com a revisão), mas sim, há desperdício. Não é aceitável que a gente tenha um orçamento de R$ 170 bilhões e pessoas passando fome. Obviamente, tem dinheiro indo duas vezes, três vezes na mesma casa.

Você considera eleitoreiras as mudanças pelas quais o programa passou?

Eu não tenho como ter outra avaliação sobre isso que não seja eleitoreira. Eu acho que é uma questão eleitoreira e é uma questão de desleixo com o desenho da política social. Isso que eles fizeram é desleixo.

O que a gente pode esperar do desenho do novo Bolsa Família?

Outra secretaria está cuidando do desenho do Bolsa Família, que deve ser apresentado em breve. Mas, daqui até dezembro, a gente retomando articulação, orientação, eu acho que a gente consegue dar um grande salto. Do ponto de vista de cadastro, a correção geral, mais ampla, para além do Bolsa, vai atingir cerca de 18 milhões de cadastros só neste ano – a nossa revisão mais ampla, que envolve esse cruzamento com o CNIS e a ação dos unipessoais. Não é pente-fino; pente-fino é coisa de piolho. Pente-fino dá a impressão de que a gente está só tirando, mas eu tenho todo um braço aqui de colocar as pessoas que precisam entrar. O redesenho do Bolsa envolve uma série de aspectos operacionais, de reorganização da folha de pagamento. Então, tem uma série de peças de operação que influenciam no cronograma. Mas isso está sendo organizado pela Secretaria Nacional de Renda e Cidadania.

O que pode ser feito na tentativa de evitar um novo crescimento de famílias unipessoais fora das regras?

Orientação à população. Eu acredito muito que as pessoas gostam de fazer a coisa certa. Eu acredito muito nas pessoas.

E como vai ser essa campanha?

Essa campanha vai ser de utilidade pública, esclarecendo o que pode e o que não pode. Espero que comece no máximo em abril.

BRASÍLIA – A secretária de Avaliação, Gestão da Informação e Cadastro Único do Ministério do Desenvolvimento Social, Letícia Bartholo, avalia que houve uma “completa fragilização” e um “desleixo” com o desenho da política social no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, minando a eficiência do Auxílio Brasil, hoje rebatizado de Bolsa Família no governo Lula.

“Foi implantado um programa de combate à pobreza sem diagnóstico de qual impacto sobre a pobreza ele traria”, afirmou a secretária. “Isso foi feito sem nenhuma comunicação os municípios e Estados e sem orientação à população.”

Entre as ações de reestruturação do Cadastro Único da secretaria está uma busca ativa pelas pessoas que têm direito ao benefício, mas hoje estão fora do programa social, e uma revisão cadastral dos 5 milhões de beneficiários que moram sozinhos – que “explodiram” de outubro de 2021 para cá. “Não é aceitável que a gente tenha um orçamento de R$ 170 bilhões e pessoas passando fome. Obviamente, tem dinheiro indo duas vezes, três vezes na mesma casa”, afirmou.

Além disso, o Ministério irá verificar os 2,5 milhões de beneficiários identificados pela Controladoria-Geral da União com indícios de irregularidades de renda em relação aos critérios do programa. O plano de ação também inclui a retomada dos treinamentos de capacitação de cadastradores, reforço da central de atendimento telefônico, a fim de desafogar as filas dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), e uma campanha, até abril, esclarecendo a população sobre as regras. A seguir, os principais trechos da entrevista.

A secretária de Avaliação, Gestão da Informação e Cadastro Único do Ministério do Desenvolvimento Social, Letícia Bartholo. Foto: Wilton Júnior/Estadão Foto: WILTON JUNIOR

O que é o Cadastro Único?

O Cadastro Único, muito mais do que uma base de dados, é um grande processo de articulação federativa. Ele é o nosso mapa, que nos diz quem são, como vivem e do que precisam as famílias mais vulneráveis do Brasil. Mais de 30 programas, como a tarifa social de energia elétrica, utilizam o Cadastro Único. Tem Estados que usam a base do cadastro para os seus programas de transferência de renda. Acho que boa parte dos estragos que aconteceram no Cadastro Único deriva também de uma percepção equivocada de que o cadastro é uma mera base de dados. Para o cadastro ser uma base de dados correta, é preciso um grande esforço de diálogo, conversa e orientação com os municípios.

Quais os impactos da pandemia sobre o cadastro?

No biênio 2020-2021, o período crítico da pandemia, as atividades de cadastramento ficaram praticamente paralisadas. Então, você já gera aí um estoque de pessoas com dados desatualizados. Ao longo do segundo semestre de 2021, as atividades de atualização são retomadas; mas, ao mesmo tempo, o cadastro é atingido pelo piso de R$ 400. O piso de R$ 400 é anunciado assim: é R$ 400 para todo mundo. Em nenhum momento o governo anterior esclareceu a população de que era R$ 400 para cada família. Pela lei, sempre foi R$ 400 por família. Então, quando o Auxílio Brasil nasce, ele é implantado, em outubro de 2021, com desenho mais similar ao do Bolsa Família. Não obstante, só dura um mês: no mês seguinte, vira o piso para R$ 400. Um piso que pagava o mesmo valor para uma pessoa que mora só e para uma mãe solo com dois filhos. Isso foi feito sem nenhuma comunicação os municípios e Estados e sem orientação à população de que era por família, e não por pessoa.

E quais os efeitos disso?

Em 2021, a gente vê uma diminuição expressiva da média de pessoas por família e um grande crescimento de cadastros unipessoais. Dentro dos beneficiários da transferência de renda que estão no Cadastro Único, o número de famílias atendidas subiu entre dezembro de 2020 e dezembro de 2022 de 14 milhões para 22 milhões de famílias. Não obstante, a média de pessoas nas famílias passou de 3,4 para 2,56. Isso não encontra amparo na dinâmica demográfica brasileira. Houve um crescimento dos cadastros unipessoais – de pessoas que dizem morar sozinhas – de 224% comparado ao que existia em dezembro de 2019. A explosão se dá a partir de outubro de 2021. O que houve foi um processo de muita confusão, e muitas pessoas podem ter sido induzidas ao erro. Claro: há comportamento estratégico? Também há. Mas há também grande indução ao erro.

Que tipo de consequência pode ter quem se cadastrou assim?

As pessoas não sabem, por exemplo, que ao se cadastrar assim, individualmente, elas conseguiram um benefício só para si; mas, possivelmente, elas perderam outras oportunidades que se abrem, como o Minha Casa Minha Vida, que vai ser lançado. Porque a gente não consegue mais olhar se a condição do domicílio daquela pessoa precisa de melhorias, porque a gente não sabe se é um domicílio solo ou se são dois. Então, vamos disponibilizar relatórios com indicativos de pessoas que potencialmente moram na mesma família a partir do endereçamento.

Como será essa reestruturação do Cadastro Único?

Primeiro, essa pactuação de atualização cadastral com os Estados e municípios do plano de ação, que foi feita durante a semana passada. Segunda-feira agora assinamos o acordo com a Defensoria Pública da União. Nós estamos trabalhando uma linha de qualificação dos dados do Cadastro Único, numa linha de ter uma campanha de atividade pública esclarecendo a população sobre regras, critérios de acesso, orientando a população. Estamos colocando no aplicativo do Cadastro Único a funcionalidade que, se a pessoa unipessoal, que disse morar sozinha, entendeu a partir da campanha de utilidade pública que ela errou, ela pode já ali pedir para sair e depois agendar o cadastramento na família em que mora. Nós vamos ter um aporte extraordinário de recursos para prefeituras e Estados. Nós vamos retomar os processos de capacitação já agora em março.

Como vai funcionar essa qualificação dos dados?

Ela tem dois braços, basicamente. Um braço importantíssimo requer a atuação dos municípios. Porque, a partir das informações que nós vamos passar a eles de quem potencialmente vive no mesmo endereço, eles precisarão buscar essas famílias e averiguar se de fato, aquela informação está correta ou não e recompor a base de dados. Esse processo com os municípios começa em março, mas ele vai ao longo do ano, porque ele envolve 5 milhões de pessoas beneficiárias. Então, as pessoas serão chamadas, serão avisadas da necessidade da revisão dos seus cadastros.

Quem são esses 5 milhões?

São os cadastros unipessoais de beneficiários da transferência de renda. São o alvo prioritário dessa ação conduzida com os municípios. Vamos verificar todos os unipessoais beneficiários do programa de transferência de renda neste ano. Essa revisão tem um cronograma: começa em março e termina em dezembro. As pessoas serão chamadas. Então, acho que é importante deixar claro que ninguém precisa correr na fila dos CRAS (Centros de Referência de Assistência Social). As pessoas vão ser chamadas conforme o cronograma. Esses 5 milhões unipessoais serão chamados, serão revisados e aí vai sair quem tiver que sair e vai entrar quem precisa entrar.

Essa avaliação é presencial?

Todos serão chamados presencialmente. No caso de idosos e de pessoas com algum grau de deficiência, é adequado que se vá até a casa do beneficiário. O município pode organizar a ação dessa maneira.

E se os beneficiários não comparecerem?

Se eles não forem, terão benefícios bloqueados e, depois, cancelados. Em abril, a nossa ouvidoria já está funcionando de novo, atendendo as ligações. Até abril também a gente já tem a campanha na rua de utilidade pública; a gente já tem o aplicativo de quem quer sair do cadastro porque percebeu que errou. Então, a gente vai montar um cenário em que as pessoas possam ser atendidas conforme esse cronograma.

Qual a vantagem de quem sair do voluntariamente do cadastro?

Se ela não sair, ela vai perder o benefício do mesmo jeito. A gente está dando a ela uma oportunidade de entender que errou, sair e ficar na família; ao mesmo tempo em que se desenham outros programas de atendimento da família. Como essa ação envolve muita necessidade de estruturação dos municípios, que a rede está solapada de recursos, toda a rede centralizada, a gente está aportando R$ 199,5 milhões adicionais para essa tarefa. Serão transferidos para melhorar a capacidade do que a gente chama de Programa de fortalecimento do Atendimento do Cadastro Único no Suas (Sistema Único de Assistência Social (Suas). É o Procad-Suas.

Quais outras ações da reestruturação do cadastro?

Outra coisa muito importante é a integração do Cadastro Único com o Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS). A gente já tem no governo federal informações sobre rendimentos do emprego formal e rendimentos de benefícios previdenciários, por exemplo. Eu não preciso fazer com que o cidadão vá no CRAS me dar uma informação que eu já tenho aqui no nível federal. Eu estou fazendo cidadão se desgastar duas vezes e eu estou tomando tempo dos CRAS. Então, o que a gente vai fazer primeiro agora, e que a gente já começou, é: todo mês a gente vai integrar as informações do CNIS no Cadastro Único. E, a partir de 2024, a gente vai trabalhar para essa integração ser sistêmica, online. Junto a isso, vamos retomar ações de busca ativa. O Cadastro Único possui protocolos específicos para cadastramento de grupos tradicionais específicos de população: como se cadastra pessoas em situação de rua; sobre como se cadastra indígenas, quilombolas, ribeirinhos. Nós fazíamos ações com os Estados e com os municípios específicas para esses grupos. Isso também acabou. Então, nós vamos retomar essas ações em parceria com os Estados e municípios.

Quais os critérios hoje para participar do Bolsa Família?

O critério de entrada hoje no Auxílio Brasil é renda familiar per capita de até R$ 210. O critério de saída hoje do Auxílio Brasil, porque o Novo Bolsa Família será lançado ainda, é de R$ 525 per capita. A pessoa pode ter emprego e participar do programa, desde que ela esteja dentro da faixa. Vamos lá: uma família está no programa e conseguiu um emprego de um salário mínimo. Se a renda dela ficar neste intervalo, é direito dela. O critério de participação no programa é renda.

E os 2,5 milhões de beneficiários com indícios de irregularidades, citados pelo ministro Wellington Dias?

5 milhões é cadastro de gente que diz que mora sozinha – e uma parcela expressiva dessas pessoas mora com a família. Nós vamos identificar quem é que mora sozinho mesmo e quem não mora. A CGU indicou 2,5 milhões de famílias beneficiárias com indícios de irregularidades. A isso que ministro estava se referindo; possivelmente, aos casos mais críticos, que são casos que têm a ver com renda, e não com composição familiar. O nosso universo de tratamento (os 5 milhões) é mais amplo. E por que a gente tem 5,5 milhões de cadastros unipessoais e só tem 5 milhões na ação? Porque os outros 500 mil já identificamos que estão com problemas de renda. Então, eles já são tratados aqui num processo à parte, que já é a averiguação de renda, que nós vamos fazer conforme as informações do CNIS. Quem está com o indicativo de renda acima, a gente vai conseguir tratar aqui em nível federal, a gente já vai saber. Composição familiar é que a gente precisa desse apoio dos municípios.

Qual é o perfil dos beneficiários unipessoais?

51% têm entre 22 e 50 anos. A maior parte é de homens. O crescimento de (famílias) unipessoais se deu em todo o Brasil, mas a proporção de crescimento foi maior em cinco Estados: Acre, Rio de Janeiro, Amazonas, Distrito Federal e Amapá.

O que você diria para os beneficiários unipessoais que estão assustados?

Acho que uma grande função da campanha de utilidade pública vai ser esclarecer, para que as pessoas não se assustem, porque a gente está averiguando. Se a gente criminalizasse essas pessoas, a gente não iria averiguar; a gente ia fazer um corte e dizer que elas estão mentindo. Só que a gente não pode dizer que elas estão mentindo – e é por isso que a ação vai ao longo do ano, para aquelas pessoas possam dizer que não estão mentindo, que moram sozinhas mesmo. E tem direito ao benefício quem mora sozinho mesmo. Então, a campanha tem uma grande função: dizer o que é certo e o que é errado. E que, se você está fazendo o certo, você não vai ser prejudicado.

Há alguma projeção de quantos dos 5 milhões de unipessoais estão em situação irregular?

A estimativa, com base na proporção que tínhamos antes, é de pelo menos 35%: 1,7 milhão de cadastros dentro desse universo de 5 milhões possivelmente estão com indicativo errado de composição familiar. As pessoas tendem a desumanizar um pouco a população pobre e essa desumanização passa por dois processos: tem gente que acha que pobre é bandido e preguiçoso; e tem um outro lado que acha que pobre é freira. As pessoas pobres são pessoas, que lutam para sobreviver. Por isso que o ministro Wellington tem tido muito cuidado de falar: “só vai ficar na transferência de renda quem está na regra”; mas, junto disso, ele diz: “nós vamos buscar quem precisa estar dentro e não está”.

Vocês têm alguma projeção de quantos podem entrar pela busca ativa?

Busca ativa é complicado de trabalhar com projeção, ainda mais porque os dados do Censo ainda não saíram. Os grandes protagonistas da ação de cadastramento são os municípios. Vamos retomar a orientação, a conversa cotidiana com os municípios, que são corresponsáveis, e ir atrás das pessoas. Agora, para que eles realizem a contento, eles precisam de orçamento, orientação e diálogo. Senão, na escuridão, os CRAS ficam sem diálogo.

Houve um pacto político para reforçar os recursos do Bolsa Família, que hoje equivalem a 1,5% do PIB, como nunca antes. É um teste para o programa?

Acho que a gente não imaginava que a gente ia dar o salto orçamentário tão expressivo com um desenho tão iníquo. Infelizmente, o desenho não acompanhou a equidade requerida para cuidar de um orçamento tão grande.

Há desperdício hoje no Bolsa Família?

Sim. Há impacto direto na transferência de renda conduzida aqui pela União e pelos Estados que usam o cadastro. Ainda não dá para falar o quanto dá para economizar (com a revisão), mas sim, há desperdício. Não é aceitável que a gente tenha um orçamento de R$ 170 bilhões e pessoas passando fome. Obviamente, tem dinheiro indo duas vezes, três vezes na mesma casa.

Você considera eleitoreiras as mudanças pelas quais o programa passou?

Eu não tenho como ter outra avaliação sobre isso que não seja eleitoreira. Eu acho que é uma questão eleitoreira e é uma questão de desleixo com o desenho da política social. Isso que eles fizeram é desleixo.

O que a gente pode esperar do desenho do novo Bolsa Família?

Outra secretaria está cuidando do desenho do Bolsa Família, que deve ser apresentado em breve. Mas, daqui até dezembro, a gente retomando articulação, orientação, eu acho que a gente consegue dar um grande salto. Do ponto de vista de cadastro, a correção geral, mais ampla, para além do Bolsa, vai atingir cerca de 18 milhões de cadastros só neste ano – a nossa revisão mais ampla, que envolve esse cruzamento com o CNIS e a ação dos unipessoais. Não é pente-fino; pente-fino é coisa de piolho. Pente-fino dá a impressão de que a gente está só tirando, mas eu tenho todo um braço aqui de colocar as pessoas que precisam entrar. O redesenho do Bolsa envolve uma série de aspectos operacionais, de reorganização da folha de pagamento. Então, tem uma série de peças de operação que influenciam no cronograma. Mas isso está sendo organizado pela Secretaria Nacional de Renda e Cidadania.

O que pode ser feito na tentativa de evitar um novo crescimento de famílias unipessoais fora das regras?

Orientação à população. Eu acredito muito que as pessoas gostam de fazer a coisa certa. Eu acredito muito nas pessoas.

E como vai ser essa campanha?

Essa campanha vai ser de utilidade pública, esclarecendo o que pode e o que não pode. Espero que comece no máximo em abril.

BRASÍLIA – A secretária de Avaliação, Gestão da Informação e Cadastro Único do Ministério do Desenvolvimento Social, Letícia Bartholo, avalia que houve uma “completa fragilização” e um “desleixo” com o desenho da política social no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, minando a eficiência do Auxílio Brasil, hoje rebatizado de Bolsa Família no governo Lula.

“Foi implantado um programa de combate à pobreza sem diagnóstico de qual impacto sobre a pobreza ele traria”, afirmou a secretária. “Isso foi feito sem nenhuma comunicação os municípios e Estados e sem orientação à população.”

Entre as ações de reestruturação do Cadastro Único da secretaria está uma busca ativa pelas pessoas que têm direito ao benefício, mas hoje estão fora do programa social, e uma revisão cadastral dos 5 milhões de beneficiários que moram sozinhos – que “explodiram” de outubro de 2021 para cá. “Não é aceitável que a gente tenha um orçamento de R$ 170 bilhões e pessoas passando fome. Obviamente, tem dinheiro indo duas vezes, três vezes na mesma casa”, afirmou.

Além disso, o Ministério irá verificar os 2,5 milhões de beneficiários identificados pela Controladoria-Geral da União com indícios de irregularidades de renda em relação aos critérios do programa. O plano de ação também inclui a retomada dos treinamentos de capacitação de cadastradores, reforço da central de atendimento telefônico, a fim de desafogar as filas dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), e uma campanha, até abril, esclarecendo a população sobre as regras. A seguir, os principais trechos da entrevista.

A secretária de Avaliação, Gestão da Informação e Cadastro Único do Ministério do Desenvolvimento Social, Letícia Bartholo. Foto: Wilton Júnior/Estadão Foto: WILTON JUNIOR

O que é o Cadastro Único?

O Cadastro Único, muito mais do que uma base de dados, é um grande processo de articulação federativa. Ele é o nosso mapa, que nos diz quem são, como vivem e do que precisam as famílias mais vulneráveis do Brasil. Mais de 30 programas, como a tarifa social de energia elétrica, utilizam o Cadastro Único. Tem Estados que usam a base do cadastro para os seus programas de transferência de renda. Acho que boa parte dos estragos que aconteceram no Cadastro Único deriva também de uma percepção equivocada de que o cadastro é uma mera base de dados. Para o cadastro ser uma base de dados correta, é preciso um grande esforço de diálogo, conversa e orientação com os municípios.

Quais os impactos da pandemia sobre o cadastro?

No biênio 2020-2021, o período crítico da pandemia, as atividades de cadastramento ficaram praticamente paralisadas. Então, você já gera aí um estoque de pessoas com dados desatualizados. Ao longo do segundo semestre de 2021, as atividades de atualização são retomadas; mas, ao mesmo tempo, o cadastro é atingido pelo piso de R$ 400. O piso de R$ 400 é anunciado assim: é R$ 400 para todo mundo. Em nenhum momento o governo anterior esclareceu a população de que era R$ 400 para cada família. Pela lei, sempre foi R$ 400 por família. Então, quando o Auxílio Brasil nasce, ele é implantado, em outubro de 2021, com desenho mais similar ao do Bolsa Família. Não obstante, só dura um mês: no mês seguinte, vira o piso para R$ 400. Um piso que pagava o mesmo valor para uma pessoa que mora só e para uma mãe solo com dois filhos. Isso foi feito sem nenhuma comunicação os municípios e Estados e sem orientação à população de que era por família, e não por pessoa.

E quais os efeitos disso?

Em 2021, a gente vê uma diminuição expressiva da média de pessoas por família e um grande crescimento de cadastros unipessoais. Dentro dos beneficiários da transferência de renda que estão no Cadastro Único, o número de famílias atendidas subiu entre dezembro de 2020 e dezembro de 2022 de 14 milhões para 22 milhões de famílias. Não obstante, a média de pessoas nas famílias passou de 3,4 para 2,56. Isso não encontra amparo na dinâmica demográfica brasileira. Houve um crescimento dos cadastros unipessoais – de pessoas que dizem morar sozinhas – de 224% comparado ao que existia em dezembro de 2019. A explosão se dá a partir de outubro de 2021. O que houve foi um processo de muita confusão, e muitas pessoas podem ter sido induzidas ao erro. Claro: há comportamento estratégico? Também há. Mas há também grande indução ao erro.

Que tipo de consequência pode ter quem se cadastrou assim?

As pessoas não sabem, por exemplo, que ao se cadastrar assim, individualmente, elas conseguiram um benefício só para si; mas, possivelmente, elas perderam outras oportunidades que se abrem, como o Minha Casa Minha Vida, que vai ser lançado. Porque a gente não consegue mais olhar se a condição do domicílio daquela pessoa precisa de melhorias, porque a gente não sabe se é um domicílio solo ou se são dois. Então, vamos disponibilizar relatórios com indicativos de pessoas que potencialmente moram na mesma família a partir do endereçamento.

Como será essa reestruturação do Cadastro Único?

Primeiro, essa pactuação de atualização cadastral com os Estados e municípios do plano de ação, que foi feita durante a semana passada. Segunda-feira agora assinamos o acordo com a Defensoria Pública da União. Nós estamos trabalhando uma linha de qualificação dos dados do Cadastro Único, numa linha de ter uma campanha de atividade pública esclarecendo a população sobre regras, critérios de acesso, orientando a população. Estamos colocando no aplicativo do Cadastro Único a funcionalidade que, se a pessoa unipessoal, que disse morar sozinha, entendeu a partir da campanha de utilidade pública que ela errou, ela pode já ali pedir para sair e depois agendar o cadastramento na família em que mora. Nós vamos ter um aporte extraordinário de recursos para prefeituras e Estados. Nós vamos retomar os processos de capacitação já agora em março.

Como vai funcionar essa qualificação dos dados?

Ela tem dois braços, basicamente. Um braço importantíssimo requer a atuação dos municípios. Porque, a partir das informações que nós vamos passar a eles de quem potencialmente vive no mesmo endereço, eles precisarão buscar essas famílias e averiguar se de fato, aquela informação está correta ou não e recompor a base de dados. Esse processo com os municípios começa em março, mas ele vai ao longo do ano, porque ele envolve 5 milhões de pessoas beneficiárias. Então, as pessoas serão chamadas, serão avisadas da necessidade da revisão dos seus cadastros.

Quem são esses 5 milhões?

São os cadastros unipessoais de beneficiários da transferência de renda. São o alvo prioritário dessa ação conduzida com os municípios. Vamos verificar todos os unipessoais beneficiários do programa de transferência de renda neste ano. Essa revisão tem um cronograma: começa em março e termina em dezembro. As pessoas serão chamadas. Então, acho que é importante deixar claro que ninguém precisa correr na fila dos CRAS (Centros de Referência de Assistência Social). As pessoas vão ser chamadas conforme o cronograma. Esses 5 milhões unipessoais serão chamados, serão revisados e aí vai sair quem tiver que sair e vai entrar quem precisa entrar.

Essa avaliação é presencial?

Todos serão chamados presencialmente. No caso de idosos e de pessoas com algum grau de deficiência, é adequado que se vá até a casa do beneficiário. O município pode organizar a ação dessa maneira.

E se os beneficiários não comparecerem?

Se eles não forem, terão benefícios bloqueados e, depois, cancelados. Em abril, a nossa ouvidoria já está funcionando de novo, atendendo as ligações. Até abril também a gente já tem a campanha na rua de utilidade pública; a gente já tem o aplicativo de quem quer sair do cadastro porque percebeu que errou. Então, a gente vai montar um cenário em que as pessoas possam ser atendidas conforme esse cronograma.

Qual a vantagem de quem sair do voluntariamente do cadastro?

Se ela não sair, ela vai perder o benefício do mesmo jeito. A gente está dando a ela uma oportunidade de entender que errou, sair e ficar na família; ao mesmo tempo em que se desenham outros programas de atendimento da família. Como essa ação envolve muita necessidade de estruturação dos municípios, que a rede está solapada de recursos, toda a rede centralizada, a gente está aportando R$ 199,5 milhões adicionais para essa tarefa. Serão transferidos para melhorar a capacidade do que a gente chama de Programa de fortalecimento do Atendimento do Cadastro Único no Suas (Sistema Único de Assistência Social (Suas). É o Procad-Suas.

Quais outras ações da reestruturação do cadastro?

Outra coisa muito importante é a integração do Cadastro Único com o Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS). A gente já tem no governo federal informações sobre rendimentos do emprego formal e rendimentos de benefícios previdenciários, por exemplo. Eu não preciso fazer com que o cidadão vá no CRAS me dar uma informação que eu já tenho aqui no nível federal. Eu estou fazendo cidadão se desgastar duas vezes e eu estou tomando tempo dos CRAS. Então, o que a gente vai fazer primeiro agora, e que a gente já começou, é: todo mês a gente vai integrar as informações do CNIS no Cadastro Único. E, a partir de 2024, a gente vai trabalhar para essa integração ser sistêmica, online. Junto a isso, vamos retomar ações de busca ativa. O Cadastro Único possui protocolos específicos para cadastramento de grupos tradicionais específicos de população: como se cadastra pessoas em situação de rua; sobre como se cadastra indígenas, quilombolas, ribeirinhos. Nós fazíamos ações com os Estados e com os municípios específicas para esses grupos. Isso também acabou. Então, nós vamos retomar essas ações em parceria com os Estados e municípios.

Quais os critérios hoje para participar do Bolsa Família?

O critério de entrada hoje no Auxílio Brasil é renda familiar per capita de até R$ 210. O critério de saída hoje do Auxílio Brasil, porque o Novo Bolsa Família será lançado ainda, é de R$ 525 per capita. A pessoa pode ter emprego e participar do programa, desde que ela esteja dentro da faixa. Vamos lá: uma família está no programa e conseguiu um emprego de um salário mínimo. Se a renda dela ficar neste intervalo, é direito dela. O critério de participação no programa é renda.

E os 2,5 milhões de beneficiários com indícios de irregularidades, citados pelo ministro Wellington Dias?

5 milhões é cadastro de gente que diz que mora sozinha – e uma parcela expressiva dessas pessoas mora com a família. Nós vamos identificar quem é que mora sozinho mesmo e quem não mora. A CGU indicou 2,5 milhões de famílias beneficiárias com indícios de irregularidades. A isso que ministro estava se referindo; possivelmente, aos casos mais críticos, que são casos que têm a ver com renda, e não com composição familiar. O nosso universo de tratamento (os 5 milhões) é mais amplo. E por que a gente tem 5,5 milhões de cadastros unipessoais e só tem 5 milhões na ação? Porque os outros 500 mil já identificamos que estão com problemas de renda. Então, eles já são tratados aqui num processo à parte, que já é a averiguação de renda, que nós vamos fazer conforme as informações do CNIS. Quem está com o indicativo de renda acima, a gente vai conseguir tratar aqui em nível federal, a gente já vai saber. Composição familiar é que a gente precisa desse apoio dos municípios.

Qual é o perfil dos beneficiários unipessoais?

51% têm entre 22 e 50 anos. A maior parte é de homens. O crescimento de (famílias) unipessoais se deu em todo o Brasil, mas a proporção de crescimento foi maior em cinco Estados: Acre, Rio de Janeiro, Amazonas, Distrito Federal e Amapá.

O que você diria para os beneficiários unipessoais que estão assustados?

Acho que uma grande função da campanha de utilidade pública vai ser esclarecer, para que as pessoas não se assustem, porque a gente está averiguando. Se a gente criminalizasse essas pessoas, a gente não iria averiguar; a gente ia fazer um corte e dizer que elas estão mentindo. Só que a gente não pode dizer que elas estão mentindo – e é por isso que a ação vai ao longo do ano, para aquelas pessoas possam dizer que não estão mentindo, que moram sozinhas mesmo. E tem direito ao benefício quem mora sozinho mesmo. Então, a campanha tem uma grande função: dizer o que é certo e o que é errado. E que, se você está fazendo o certo, você não vai ser prejudicado.

Há alguma projeção de quantos dos 5 milhões de unipessoais estão em situação irregular?

A estimativa, com base na proporção que tínhamos antes, é de pelo menos 35%: 1,7 milhão de cadastros dentro desse universo de 5 milhões possivelmente estão com indicativo errado de composição familiar. As pessoas tendem a desumanizar um pouco a população pobre e essa desumanização passa por dois processos: tem gente que acha que pobre é bandido e preguiçoso; e tem um outro lado que acha que pobre é freira. As pessoas pobres são pessoas, que lutam para sobreviver. Por isso que o ministro Wellington tem tido muito cuidado de falar: “só vai ficar na transferência de renda quem está na regra”; mas, junto disso, ele diz: “nós vamos buscar quem precisa estar dentro e não está”.

Vocês têm alguma projeção de quantos podem entrar pela busca ativa?

Busca ativa é complicado de trabalhar com projeção, ainda mais porque os dados do Censo ainda não saíram. Os grandes protagonistas da ação de cadastramento são os municípios. Vamos retomar a orientação, a conversa cotidiana com os municípios, que são corresponsáveis, e ir atrás das pessoas. Agora, para que eles realizem a contento, eles precisam de orçamento, orientação e diálogo. Senão, na escuridão, os CRAS ficam sem diálogo.

Houve um pacto político para reforçar os recursos do Bolsa Família, que hoje equivalem a 1,5% do PIB, como nunca antes. É um teste para o programa?

Acho que a gente não imaginava que a gente ia dar o salto orçamentário tão expressivo com um desenho tão iníquo. Infelizmente, o desenho não acompanhou a equidade requerida para cuidar de um orçamento tão grande.

Há desperdício hoje no Bolsa Família?

Sim. Há impacto direto na transferência de renda conduzida aqui pela União e pelos Estados que usam o cadastro. Ainda não dá para falar o quanto dá para economizar (com a revisão), mas sim, há desperdício. Não é aceitável que a gente tenha um orçamento de R$ 170 bilhões e pessoas passando fome. Obviamente, tem dinheiro indo duas vezes, três vezes na mesma casa.

Você considera eleitoreiras as mudanças pelas quais o programa passou?

Eu não tenho como ter outra avaliação sobre isso que não seja eleitoreira. Eu acho que é uma questão eleitoreira e é uma questão de desleixo com o desenho da política social. Isso que eles fizeram é desleixo.

O que a gente pode esperar do desenho do novo Bolsa Família?

Outra secretaria está cuidando do desenho do Bolsa Família, que deve ser apresentado em breve. Mas, daqui até dezembro, a gente retomando articulação, orientação, eu acho que a gente consegue dar um grande salto. Do ponto de vista de cadastro, a correção geral, mais ampla, para além do Bolsa, vai atingir cerca de 18 milhões de cadastros só neste ano – a nossa revisão mais ampla, que envolve esse cruzamento com o CNIS e a ação dos unipessoais. Não é pente-fino; pente-fino é coisa de piolho. Pente-fino dá a impressão de que a gente está só tirando, mas eu tenho todo um braço aqui de colocar as pessoas que precisam entrar. O redesenho do Bolsa envolve uma série de aspectos operacionais, de reorganização da folha de pagamento. Então, tem uma série de peças de operação que influenciam no cronograma. Mas isso está sendo organizado pela Secretaria Nacional de Renda e Cidadania.

O que pode ser feito na tentativa de evitar um novo crescimento de famílias unipessoais fora das regras?

Orientação à população. Eu acredito muito que as pessoas gostam de fazer a coisa certa. Eu acredito muito nas pessoas.

E como vai ser essa campanha?

Essa campanha vai ser de utilidade pública, esclarecendo o que pode e o que não pode. Espero que comece no máximo em abril.

BRASÍLIA – A secretária de Avaliação, Gestão da Informação e Cadastro Único do Ministério do Desenvolvimento Social, Letícia Bartholo, avalia que houve uma “completa fragilização” e um “desleixo” com o desenho da política social no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, minando a eficiência do Auxílio Brasil, hoje rebatizado de Bolsa Família no governo Lula.

“Foi implantado um programa de combate à pobreza sem diagnóstico de qual impacto sobre a pobreza ele traria”, afirmou a secretária. “Isso foi feito sem nenhuma comunicação os municípios e Estados e sem orientação à população.”

Entre as ações de reestruturação do Cadastro Único da secretaria está uma busca ativa pelas pessoas que têm direito ao benefício, mas hoje estão fora do programa social, e uma revisão cadastral dos 5 milhões de beneficiários que moram sozinhos – que “explodiram” de outubro de 2021 para cá. “Não é aceitável que a gente tenha um orçamento de R$ 170 bilhões e pessoas passando fome. Obviamente, tem dinheiro indo duas vezes, três vezes na mesma casa”, afirmou.

Além disso, o Ministério irá verificar os 2,5 milhões de beneficiários identificados pela Controladoria-Geral da União com indícios de irregularidades de renda em relação aos critérios do programa. O plano de ação também inclui a retomada dos treinamentos de capacitação de cadastradores, reforço da central de atendimento telefônico, a fim de desafogar as filas dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), e uma campanha, até abril, esclarecendo a população sobre as regras. A seguir, os principais trechos da entrevista.

A secretária de Avaliação, Gestão da Informação e Cadastro Único do Ministério do Desenvolvimento Social, Letícia Bartholo. Foto: Wilton Júnior/Estadão Foto: WILTON JUNIOR

O que é o Cadastro Único?

O Cadastro Único, muito mais do que uma base de dados, é um grande processo de articulação federativa. Ele é o nosso mapa, que nos diz quem são, como vivem e do que precisam as famílias mais vulneráveis do Brasil. Mais de 30 programas, como a tarifa social de energia elétrica, utilizam o Cadastro Único. Tem Estados que usam a base do cadastro para os seus programas de transferência de renda. Acho que boa parte dos estragos que aconteceram no Cadastro Único deriva também de uma percepção equivocada de que o cadastro é uma mera base de dados. Para o cadastro ser uma base de dados correta, é preciso um grande esforço de diálogo, conversa e orientação com os municípios.

Quais os impactos da pandemia sobre o cadastro?

No biênio 2020-2021, o período crítico da pandemia, as atividades de cadastramento ficaram praticamente paralisadas. Então, você já gera aí um estoque de pessoas com dados desatualizados. Ao longo do segundo semestre de 2021, as atividades de atualização são retomadas; mas, ao mesmo tempo, o cadastro é atingido pelo piso de R$ 400. O piso de R$ 400 é anunciado assim: é R$ 400 para todo mundo. Em nenhum momento o governo anterior esclareceu a população de que era R$ 400 para cada família. Pela lei, sempre foi R$ 400 por família. Então, quando o Auxílio Brasil nasce, ele é implantado, em outubro de 2021, com desenho mais similar ao do Bolsa Família. Não obstante, só dura um mês: no mês seguinte, vira o piso para R$ 400. Um piso que pagava o mesmo valor para uma pessoa que mora só e para uma mãe solo com dois filhos. Isso foi feito sem nenhuma comunicação os municípios e Estados e sem orientação à população de que era por família, e não por pessoa.

E quais os efeitos disso?

Em 2021, a gente vê uma diminuição expressiva da média de pessoas por família e um grande crescimento de cadastros unipessoais. Dentro dos beneficiários da transferência de renda que estão no Cadastro Único, o número de famílias atendidas subiu entre dezembro de 2020 e dezembro de 2022 de 14 milhões para 22 milhões de famílias. Não obstante, a média de pessoas nas famílias passou de 3,4 para 2,56. Isso não encontra amparo na dinâmica demográfica brasileira. Houve um crescimento dos cadastros unipessoais – de pessoas que dizem morar sozinhas – de 224% comparado ao que existia em dezembro de 2019. A explosão se dá a partir de outubro de 2021. O que houve foi um processo de muita confusão, e muitas pessoas podem ter sido induzidas ao erro. Claro: há comportamento estratégico? Também há. Mas há também grande indução ao erro.

Que tipo de consequência pode ter quem se cadastrou assim?

As pessoas não sabem, por exemplo, que ao se cadastrar assim, individualmente, elas conseguiram um benefício só para si; mas, possivelmente, elas perderam outras oportunidades que se abrem, como o Minha Casa Minha Vida, que vai ser lançado. Porque a gente não consegue mais olhar se a condição do domicílio daquela pessoa precisa de melhorias, porque a gente não sabe se é um domicílio solo ou se são dois. Então, vamos disponibilizar relatórios com indicativos de pessoas que potencialmente moram na mesma família a partir do endereçamento.

Como será essa reestruturação do Cadastro Único?

Primeiro, essa pactuação de atualização cadastral com os Estados e municípios do plano de ação, que foi feita durante a semana passada. Segunda-feira agora assinamos o acordo com a Defensoria Pública da União. Nós estamos trabalhando uma linha de qualificação dos dados do Cadastro Único, numa linha de ter uma campanha de atividade pública esclarecendo a população sobre regras, critérios de acesso, orientando a população. Estamos colocando no aplicativo do Cadastro Único a funcionalidade que, se a pessoa unipessoal, que disse morar sozinha, entendeu a partir da campanha de utilidade pública que ela errou, ela pode já ali pedir para sair e depois agendar o cadastramento na família em que mora. Nós vamos ter um aporte extraordinário de recursos para prefeituras e Estados. Nós vamos retomar os processos de capacitação já agora em março.

Como vai funcionar essa qualificação dos dados?

Ela tem dois braços, basicamente. Um braço importantíssimo requer a atuação dos municípios. Porque, a partir das informações que nós vamos passar a eles de quem potencialmente vive no mesmo endereço, eles precisarão buscar essas famílias e averiguar se de fato, aquela informação está correta ou não e recompor a base de dados. Esse processo com os municípios começa em março, mas ele vai ao longo do ano, porque ele envolve 5 milhões de pessoas beneficiárias. Então, as pessoas serão chamadas, serão avisadas da necessidade da revisão dos seus cadastros.

Quem são esses 5 milhões?

São os cadastros unipessoais de beneficiários da transferência de renda. São o alvo prioritário dessa ação conduzida com os municípios. Vamos verificar todos os unipessoais beneficiários do programa de transferência de renda neste ano. Essa revisão tem um cronograma: começa em março e termina em dezembro. As pessoas serão chamadas. Então, acho que é importante deixar claro que ninguém precisa correr na fila dos CRAS (Centros de Referência de Assistência Social). As pessoas vão ser chamadas conforme o cronograma. Esses 5 milhões unipessoais serão chamados, serão revisados e aí vai sair quem tiver que sair e vai entrar quem precisa entrar.

Essa avaliação é presencial?

Todos serão chamados presencialmente. No caso de idosos e de pessoas com algum grau de deficiência, é adequado que se vá até a casa do beneficiário. O município pode organizar a ação dessa maneira.

E se os beneficiários não comparecerem?

Se eles não forem, terão benefícios bloqueados e, depois, cancelados. Em abril, a nossa ouvidoria já está funcionando de novo, atendendo as ligações. Até abril também a gente já tem a campanha na rua de utilidade pública; a gente já tem o aplicativo de quem quer sair do cadastro porque percebeu que errou. Então, a gente vai montar um cenário em que as pessoas possam ser atendidas conforme esse cronograma.

Qual a vantagem de quem sair do voluntariamente do cadastro?

Se ela não sair, ela vai perder o benefício do mesmo jeito. A gente está dando a ela uma oportunidade de entender que errou, sair e ficar na família; ao mesmo tempo em que se desenham outros programas de atendimento da família. Como essa ação envolve muita necessidade de estruturação dos municípios, que a rede está solapada de recursos, toda a rede centralizada, a gente está aportando R$ 199,5 milhões adicionais para essa tarefa. Serão transferidos para melhorar a capacidade do que a gente chama de Programa de fortalecimento do Atendimento do Cadastro Único no Suas (Sistema Único de Assistência Social (Suas). É o Procad-Suas.

Quais outras ações da reestruturação do cadastro?

Outra coisa muito importante é a integração do Cadastro Único com o Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS). A gente já tem no governo federal informações sobre rendimentos do emprego formal e rendimentos de benefícios previdenciários, por exemplo. Eu não preciso fazer com que o cidadão vá no CRAS me dar uma informação que eu já tenho aqui no nível federal. Eu estou fazendo cidadão se desgastar duas vezes e eu estou tomando tempo dos CRAS. Então, o que a gente vai fazer primeiro agora, e que a gente já começou, é: todo mês a gente vai integrar as informações do CNIS no Cadastro Único. E, a partir de 2024, a gente vai trabalhar para essa integração ser sistêmica, online. Junto a isso, vamos retomar ações de busca ativa. O Cadastro Único possui protocolos específicos para cadastramento de grupos tradicionais específicos de população: como se cadastra pessoas em situação de rua; sobre como se cadastra indígenas, quilombolas, ribeirinhos. Nós fazíamos ações com os Estados e com os municípios específicas para esses grupos. Isso também acabou. Então, nós vamos retomar essas ações em parceria com os Estados e municípios.

Quais os critérios hoje para participar do Bolsa Família?

O critério de entrada hoje no Auxílio Brasil é renda familiar per capita de até R$ 210. O critério de saída hoje do Auxílio Brasil, porque o Novo Bolsa Família será lançado ainda, é de R$ 525 per capita. A pessoa pode ter emprego e participar do programa, desde que ela esteja dentro da faixa. Vamos lá: uma família está no programa e conseguiu um emprego de um salário mínimo. Se a renda dela ficar neste intervalo, é direito dela. O critério de participação no programa é renda.

E os 2,5 milhões de beneficiários com indícios de irregularidades, citados pelo ministro Wellington Dias?

5 milhões é cadastro de gente que diz que mora sozinha – e uma parcela expressiva dessas pessoas mora com a família. Nós vamos identificar quem é que mora sozinho mesmo e quem não mora. A CGU indicou 2,5 milhões de famílias beneficiárias com indícios de irregularidades. A isso que ministro estava se referindo; possivelmente, aos casos mais críticos, que são casos que têm a ver com renda, e não com composição familiar. O nosso universo de tratamento (os 5 milhões) é mais amplo. E por que a gente tem 5,5 milhões de cadastros unipessoais e só tem 5 milhões na ação? Porque os outros 500 mil já identificamos que estão com problemas de renda. Então, eles já são tratados aqui num processo à parte, que já é a averiguação de renda, que nós vamos fazer conforme as informações do CNIS. Quem está com o indicativo de renda acima, a gente vai conseguir tratar aqui em nível federal, a gente já vai saber. Composição familiar é que a gente precisa desse apoio dos municípios.

Qual é o perfil dos beneficiários unipessoais?

51% têm entre 22 e 50 anos. A maior parte é de homens. O crescimento de (famílias) unipessoais se deu em todo o Brasil, mas a proporção de crescimento foi maior em cinco Estados: Acre, Rio de Janeiro, Amazonas, Distrito Federal e Amapá.

O que você diria para os beneficiários unipessoais que estão assustados?

Acho que uma grande função da campanha de utilidade pública vai ser esclarecer, para que as pessoas não se assustem, porque a gente está averiguando. Se a gente criminalizasse essas pessoas, a gente não iria averiguar; a gente ia fazer um corte e dizer que elas estão mentindo. Só que a gente não pode dizer que elas estão mentindo – e é por isso que a ação vai ao longo do ano, para aquelas pessoas possam dizer que não estão mentindo, que moram sozinhas mesmo. E tem direito ao benefício quem mora sozinho mesmo. Então, a campanha tem uma grande função: dizer o que é certo e o que é errado. E que, se você está fazendo o certo, você não vai ser prejudicado.

Há alguma projeção de quantos dos 5 milhões de unipessoais estão em situação irregular?

A estimativa, com base na proporção que tínhamos antes, é de pelo menos 35%: 1,7 milhão de cadastros dentro desse universo de 5 milhões possivelmente estão com indicativo errado de composição familiar. As pessoas tendem a desumanizar um pouco a população pobre e essa desumanização passa por dois processos: tem gente que acha que pobre é bandido e preguiçoso; e tem um outro lado que acha que pobre é freira. As pessoas pobres são pessoas, que lutam para sobreviver. Por isso que o ministro Wellington tem tido muito cuidado de falar: “só vai ficar na transferência de renda quem está na regra”; mas, junto disso, ele diz: “nós vamos buscar quem precisa estar dentro e não está”.

Vocês têm alguma projeção de quantos podem entrar pela busca ativa?

Busca ativa é complicado de trabalhar com projeção, ainda mais porque os dados do Censo ainda não saíram. Os grandes protagonistas da ação de cadastramento são os municípios. Vamos retomar a orientação, a conversa cotidiana com os municípios, que são corresponsáveis, e ir atrás das pessoas. Agora, para que eles realizem a contento, eles precisam de orçamento, orientação e diálogo. Senão, na escuridão, os CRAS ficam sem diálogo.

Houve um pacto político para reforçar os recursos do Bolsa Família, que hoje equivalem a 1,5% do PIB, como nunca antes. É um teste para o programa?

Acho que a gente não imaginava que a gente ia dar o salto orçamentário tão expressivo com um desenho tão iníquo. Infelizmente, o desenho não acompanhou a equidade requerida para cuidar de um orçamento tão grande.

Há desperdício hoje no Bolsa Família?

Sim. Há impacto direto na transferência de renda conduzida aqui pela União e pelos Estados que usam o cadastro. Ainda não dá para falar o quanto dá para economizar (com a revisão), mas sim, há desperdício. Não é aceitável que a gente tenha um orçamento de R$ 170 bilhões e pessoas passando fome. Obviamente, tem dinheiro indo duas vezes, três vezes na mesma casa.

Você considera eleitoreiras as mudanças pelas quais o programa passou?

Eu não tenho como ter outra avaliação sobre isso que não seja eleitoreira. Eu acho que é uma questão eleitoreira e é uma questão de desleixo com o desenho da política social. Isso que eles fizeram é desleixo.

O que a gente pode esperar do desenho do novo Bolsa Família?

Outra secretaria está cuidando do desenho do Bolsa Família, que deve ser apresentado em breve. Mas, daqui até dezembro, a gente retomando articulação, orientação, eu acho que a gente consegue dar um grande salto. Do ponto de vista de cadastro, a correção geral, mais ampla, para além do Bolsa, vai atingir cerca de 18 milhões de cadastros só neste ano – a nossa revisão mais ampla, que envolve esse cruzamento com o CNIS e a ação dos unipessoais. Não é pente-fino; pente-fino é coisa de piolho. Pente-fino dá a impressão de que a gente está só tirando, mas eu tenho todo um braço aqui de colocar as pessoas que precisam entrar. O redesenho do Bolsa envolve uma série de aspectos operacionais, de reorganização da folha de pagamento. Então, tem uma série de peças de operação que influenciam no cronograma. Mas isso está sendo organizado pela Secretaria Nacional de Renda e Cidadania.

O que pode ser feito na tentativa de evitar um novo crescimento de famílias unipessoais fora das regras?

Orientação à população. Eu acredito muito que as pessoas gostam de fazer a coisa certa. Eu acredito muito nas pessoas.

E como vai ser essa campanha?

Essa campanha vai ser de utilidade pública, esclarecendo o que pode e o que não pode. Espero que comece no máximo em abril.

Entrevista por Adriana Fernandes

Repórter especial de Economia em Brasília

Anna Carolina Papp

Editora de Economia do Estadão em Brasília. Paulista, graduada em jornalismo pela USP e com MBA em economia e mercado financeiro pela B3. Foi editora de Economia na GloboNews, no Rio, e repórter do Estadão em São Paulo. Vencedora dos prêmios CNH, Andef, C6 Bank e Estadão.

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