O embate entre o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, pode dificultar, em alguma medida, o andamento de pautas econômicas que estão no Congresso e que são de interesse do governo, de acordo com analistas ouvidos pelo Estadão.
O que os especialistas ponderam, no entanto, é que a relação tumultuada entre Legislativo e Executivo é antiga e que não existe um espaço muito grande para que Lira atue contra o governo, dado que as medidas enviadas pela equipe econômica para aumentar a arrecadação já foram bem desidratadas e que o tempo de atuação do Congresso é curto com a proximidade da eleição municipal.
Além disso, em 2024, a principal agenda da equipe econômica é a regulamentação da reforma tributária sobre consumo - e ela encontra um ponto de convergência com o desejo de Lira. A avaliação é de que a reforma deve caminhar porque o presidente da Câmara dos Deputados tem interesse em conclui-la para deixar um legado da sua gestão.
“Algum recado tende a ser dado pelo Lira”, diz Christopher Garman, diretor-executivo para as Américas da consultoria de risco político Eurasia. “Mas o impacto na agenda do governo é limitado. E o que nós temos no topo da agenda é a reforma tributária. E ela é apartidária. O presidente Lira quer o legado da aprovação.”
O relacionamento conflituoso entre Executivo e Legislativo ganhou um novo round na quinta-feira, 11, quando o presidente da Câmara dos Deputados chamou Padilha de “desafeto pessoal” e “incompetente”, após uma polêmica sobre a prisão do deputado federal Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), que foi mantida pelo plenário da Casa. Na sexta-feira, 12, Lula saiu em defesa de Padilha e disse que o ministro seguirá no cargo.
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“Só de teimosia, o Padilha vai ficar muito tempo nesse ministério, porque não tem ninguém melhor preparado para lidar com a diversidade dentro do Congresso Nacional que o companheiro Padilha”, disse Lula, durante a inauguração da nova sede da Anfavea, a entidade que representa as montadoras.
As relações entre o Executivo e o Congresso vinham estremecidas desde que o presidente Lula decidiu vetar R$ 5,6 bilhões em emendas de comissão. O governo federal estuda recompor cerca de R$ 3 bilhões. O veto deve ser apreciado na próxima quinta, 18. “Pode haver alguma retaliação na questão das emendas”, afirma Garman, da Eurasaia. “Mas são derrotas laterais.”
Governo depende de boa relação
O governo, sobretudo a equipe econômica, sempre dependeu de uma boa relação com o Congresso para conseguir colocar a agenda das contas públicas de pé.
No ajuste proposto pela gestão Lula, a equipe econômica sempre se valeu do aumento da arrecadação para cumprir as metas fiscais propostas. Quando apresentou o arcabouço fiscal, o governo prometeu entregar um resultado primário zero já em 2024, alcançar um superávit de 0,5% do PIB no ano que vem e chegar a um resultado positivo de 1% do PIB em 2026.
“Na verdade, a agenda econômica em si já traz desafios, porque é estranha às preferências da maioria da centro direita. A maioria legislativa é uma maioria que tem dificuldade de elevar a carga tributária”, Rafael Cortez, sócio e cientista político da consultoria Tendências.
O problema é que o governo pode não cumprir as metas propostas. Parte do mercado não acredita que o governo vá alcançar a meta de resultado zero neste ano, e a própria equipe econômica já dá sinais de que pode alterar a metas de superávit primário de 2025 e 2026.
Neste ano, o governo tem encontrado uma série de dificuldades para colocas as medidas arrecadatórias de pé. Foi obrigado a revogar a reoneração para 17 setores da economia. Uma outra derrota se deu com a decisão do presidente do Senado e do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), de também derrubar a reoneração da folha de pagamento dos municípios – a alíquota de contribuição previdenciária das prefeituras subiria de 8% para 20%.
Há um impasse também em relação ao projeto de lei que prevê o fim gradual do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse). De acordo com o Estadão/Broadcast, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, insiste em manter o teto de faturamento para acesso ao benefício em R$ 78 milhões, o que deixa de fora as empresas tributadas com base no lucro real, mas os deputados querem rever esse critério.
“Pode não haver mais tanta boa vontade é em medidas arrecadatórias. A discussão do Perse, por exemplo, pode atrasar por conta disso. Não é uma briga que muda a trajetória das dificuldades do governo agora, mas certamente não deixa de ser um ruído que atrasa discussões importantes”, afirma Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.