BRASÍLIA - Diante da expectativa de que o primeiro relatório da regulamentação da reforma tributária seja votado na Câmara antes do recesso parlamentar, que começa dia 18, o Congresso deve se transformar nos próximos dias num campo de batalha sobre impostos. Ao apresentar o texto, os deputados do grupo de trabalho já deixaram claro que há pontos controversos em aberto e que o martelo será batido pelas lideranças partidárias – o que deve acirrar os lobbies dos setores que não foram atendidos no primeiro parecer.
Os projetos de regulamentação da reforma tributária são a última etapa no Congresso para efetivamente torná-la uma realidade, embora a proposta preveja uma longa transição. Demanda do setor produtivo, a discussão sobre alterações nos impostos começou há mais de 30 anos. Neste momento, o debate trata apenas da tributação sobre o consumo. O Executivo prometeu enviar uma proposta para mudar a cobrança de impostos sobre a renda.
O ponto mais delicado que pode sofrer mudanças – e que se transformou em disputa política – é a composição da cesta básica com imposto zero. O relatório, divulgado na quinta-feira, 4, deixou as carnes de fora da lista, apesar da pressão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pela isenção das proteínas animais consumidas pelos mais pobres, como frango.
Se, de um lado, Lula diz que vai “ficar feliz se puder comprar carne sem imposto”, do outro, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirma que isentar as carnes pode deixar o “preço pesado”, em referência ao impacto na alíquota padrão do novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA).
Nos cálculos da equipe econômica e do Banco Mundial, a inclusão das carnes na cesta básica com imposto zero aumentaria em 0,57 ponto a alíquota de referência do IVA – que iria a 27,1%, como mostrou o Estadão. Pela proposta da Fazenda, as carnes figuram na chamada alíquota reduzida, com desconto de 60% sobre a padrão.
“Há ainda pontos de divergências no texto. Esses pontos serão discutidos nas bancadas”, afirmou o deputado Luiz Gastão (PSD-CE), que integra o grupo de trabalho responsável pelo relatório. “Qualquer situação diferenciada para algum setor vai impactar a alíquota de referência, de 26,5%. Mas acreditamos que conseguimos reduzir essa alíquota pelas melhorias que fizemos no texto.”
Após a divulgação do parecer, a Associação Brasileira dos Supermercados (Abras), que vinha trabalhando pela inclusão das carnes, disse estar “otimista com a possibilidade de alteração do relatório até a próxima semana”.
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“O acesso a carnes pela população mais pobre foi objeto de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que manifestou ontem (quarta-feira) seu desejo de inclusão das proteínas na cesta básica”, diz a nota da Abras. No Congresso, a bancada do agro também irá intensificar a pressão pela inclusão das carnes e de outros alimentos na lista isenta.
Os deputados também vão deliberar sobre um eventual aumento do cashback – sistema de devolução de parte dos impostos para os mais pobres –, como defendido pelo PT. Lira também afirmou que o aumento do cashback pode ser mais efetivo do que incluir as carnes na cesta básica.
‘Imposto do pecado’
As discussões nos corredores do Congresso também serão dominadas pelos setores e empresas que desejam escapar do Imposto Seletivo, também chamado de “imposto do pecado” – que vai incidir sobre os itens considerados nocivos à saúde e ao ambiente.
O relatório apresentado pelo grupo de trabalho incluiu jogos de azar – como loterias e as apostas esportivas, as chamadas de “bets” – no Seletivo, além de carros 100% elétricos, como antecipou o Estadão.
Os caminhões, por sua vez, ficaram de fora, segundo os deputados. “O carro elétrico tem pneu, tem bateria, tem um monte de coisa. O caminhão é por causa da atividade econômica. O Brasil, infelizmente ou felizmente, é 85% rodoviário. Eu não quero e não posso aumentar o custo de frete”, declarou o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), do grupo de trabalho.
A indústria de bebidas alcoólicas também se articula para amenizar os efeitos do “imposto do pecado”. O setor cervejeiro pede a manutenção da carga tributária e pleiteia isenção aos fabricantes enquadrados no Simples Nacional – o que beneficiaria os pequenos produtores.
“Vamos trabalhar para sensibilizar os líderes da importância desses pontos”, afirma Márcio Maciel, presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja (Sindicerv). Já o setor de destilados, por sua vez, tentar reverter a taxação de acordo com o teor alcoólico – que foi mantida no parecer dos deputados.
Já o setor de destilados, por sua vez, tentar reverter a taxação de acordo com o teor alcoólico – que foi mantida no parecer dos deputados.
Outro ponto que deve ser decidido no plenário é a taxação de armas pelo Seletivo. A inclusão é defendida por entidades da sociedade civil e pela base do governo Lula, mas enfrenta forte resistência da chamada “bancada da bala” e de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro.
“Nós perdemos na votação da PEC no plenário (para inclusão de armas). Por isso, achamos que é um debate que cabe ao colégio de líderes ou às lideranças partidárias”, afirmou o deputado Reginaldo Lopes.