Lockdown traz custos e também benefícios


A medida permanecerá nas caixas de ferramentas dos governos; crescente corpo de pesquisas guiará seu uso

Por The Economist

No meu modo de ver, digo que o custo de uma vida humana não tem preço, ponto final, disse Andrew Cuomo, governador do Estado de Nova York. Enquanto tentavam desacelerar a disseminação da covid-19 em 2020, os políticos tomaram medidas sem precedentes em termos de escala e escopo.

As terríveis advertências sobre as mortes que aconteceriam se nada fosse feito e as imagens de hospitais italianos lotados eram inéditas e aterrorizantes. Antes da crise, a noção de interromper as atividades cotidianas das pessoas parecia tão econômica e politicamente onerosa que resultava implausível. Mas, assim que a China e a Itália impuseram lockdowns, as medidas se tornaram inevitáveis nos outros lugares.

Boa parte do debate público sobre a covid-19 ecoou a recusa de Cuomo de pensar sobre o desconfortável cálculo entre salvar vidas e poupar a economia. Para simplificar um pouco demais, os dois lados do debate sobre os lockdowns têm posições diametralmente opostas e igualmente inconvincentes. Ambos rejeitam a ideia de um trade-off entre vidas e meios de vida.

continua após a publicidade

Aqueles que apoiam os lockdowns dizem que estes tiveram poucos efeitos econômicos malignos, porque as pessoas já estavam com tanto medo que evitavam os espaços públicos sem precisar ser alertadas. Eles, portanto, afirmam que a política salvou vidas, mas não a culpam por ter destruído a economia. Aqueles que odeiam os lockdowns alegam o contrário: que destruíram os meios de subsistência, mas pouco fizeram para impedir a propagação do vírus.

A realidade está em algum lugar entre esses dois extremos. Os lockdowns prejudicam a economia e salvam vidas e os governos tiveram de encontrar um equilíbrio entre os dois. Agora que os políticos estão calculando se e quando suspender as restrições existentes ou impor novas, as respostas a essas perguntas ainda são cruciais para as políticas de hoje. Juntamente com as vacinas, os lockdowns continuam sendo uma forma importante de lidar com novas variantes e surtos locais. No final de junho, Sydney ficou confinada por duas semanas; Indonésia, África do Sul e partes da Rússia seguiram o exemplo.

Itália foi um dos primeiros países a decretar lockdown para diminuir o contágio de covid-19 Foto: Flavio Lo Scalzo/Reuters- 31/3/2020
continua após a publicidade

Pessoas que não veem trade-off nenhum podem começar apontando para um estudo sobre o surto de gripe espanhola nos Estados Unidos em 1918-20, de Sergio Correia, Stephan Luck e Emil Verner, o qual sugeriu que as cidades que decretaram distanciamento social mais cedo podem ter acabado com melhores resultados econômicos, talvez porque os negócios puderam ser retomados assim que a pandemia ficou sob controle. Mas outros economistas criticaram a metodologia do artigo. Cidades com economias que estavam indo melhor antes da pandemia, dizem eles, implementaram restrições mais cedo. Então, não é surpreendente que elas também tenham se saído melhor depois. 

Muito por nada. Mas as correlações não dizem muito. O sucesso de tais países até agora pode ter mais a ver com boa sorte do que com uma política acertada.

O que estava disponível para ilhas como Austrália, Islândia e Nova Zelândia não era possível para a maioria dos países, que têm fronteiras terrestres (quando o vírus começava a se espalhar, a erradicação era quase impossível).

continua após a publicidade

O Japão e a Coreia do Sul tiveram um número muito baixo de mortes por covid-19. Mas se o fizeram ou não, isso é questionável: nenhum dos países impôs lockdowns severos. Talvez sua experiência com a epidemia de SARS no início dos anos 2000 os tenha ajudado a escapar relativamente ilesos.

Quando você olha para casos mais comparáveis – países que estão próximos, digamos, ou regiões diferentes de um mesmo país – a noção de que não há trade-off entre vidas e meios de vida se faz menos crível. Uma pesquisa do banco Goldman Sachs mostra uma relação notavelmente consistente entre a severidade dos lockdowns e o impacto na produção: a passagem entre o pico de lockdown na França (estrito) e o pico na Itália (extremamente estrito) está associada a um declínio de cerca de 3% no PIB.

Os países da zona do euro com mais mortes em excesso, conforme medido pela The Economist, estão observando um impacto menor na produção: na Finlândia, que teve um dos menores aumentos nas mortes em excesso dentro do clube, o PIB por pessoa cairá 1%, de acordo com o FMI; mas na Lituânia, membro com pior desempenho em termos de excesso de mortes, o PIB por pessoa subirá mais de 2%.

continua após a publicidade

E se todos esses custos econômicos forem resultado não das restrições governamentais, mas das escolhas pessoais? Este é o argumento daqueles que rejeitam a ideia de trade-off. Se eles estiverem corretos, a noção de que a simples suspensão das restrições possa impulsionar a economia se torna uma fantasia. As pessoas sairão de casa apenas quando os casos estiverem baixos; se as infecções começarem a aumentar, as pessoas voltarão a se fechar.

Vários artigos reforçaram esse argumento. O mais influente, dos economistas Austan Goolsbee e Chad Syverson, analisa a mobilidade ao longo das fronteiras administrativas dos Estados Unidos, em um período em que um governador impôs restrições, mas o outro não. O artigo revela que as pessoas em ambos os lados da fronteira se comportaram de maneira semelhante, sugerindo que é quase inteiramente a escolha pessoal, ao invés das ordens do governo, o que explica a decisão de limitar o contato social. A pesquisa do FMI chega a conclusões semelhantes.

No entanto, há razões para se pensar que essas descobertas exageram o poder do comportamento voluntário. A Suécia, que há muito resistia à imposição de lockdowns, acabou cedendo quando os casos explodiram – uma admissão de que os lockdowns de fato fazem a diferença. Pesquisas mais recentes de Laurence Boone, da OCDE, e Colombe Ladreit, da Bocconi University, usam medidas ligeiramente diferentes do FMI e revelam que as ordens do governo ajudam muito a explicar a mudança comportamental.

continua após a publicidade

Juntando tudo isso, parece claro que as ações dos governos realmente fizeram com que as pessoas ficassem em casa, com consequências onerosas para a economia. Mas os benefícios compensaram os custos? A pesquisa econômica sobre essa questão tenta resolver três incertezas: sobre as estimativas dos custos dos lockdowns; sobre seus benefícios; e, ao pesar os custos e benefícios, sobre como colocar um preço na vida – fazer o que Cuomo se recusou a fazer. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

© 2018 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

No meu modo de ver, digo que o custo de uma vida humana não tem preço, ponto final, disse Andrew Cuomo, governador do Estado de Nova York. Enquanto tentavam desacelerar a disseminação da covid-19 em 2020, os políticos tomaram medidas sem precedentes em termos de escala e escopo.

As terríveis advertências sobre as mortes que aconteceriam se nada fosse feito e as imagens de hospitais italianos lotados eram inéditas e aterrorizantes. Antes da crise, a noção de interromper as atividades cotidianas das pessoas parecia tão econômica e politicamente onerosa que resultava implausível. Mas, assim que a China e a Itália impuseram lockdowns, as medidas se tornaram inevitáveis nos outros lugares.

Boa parte do debate público sobre a covid-19 ecoou a recusa de Cuomo de pensar sobre o desconfortável cálculo entre salvar vidas e poupar a economia. Para simplificar um pouco demais, os dois lados do debate sobre os lockdowns têm posições diametralmente opostas e igualmente inconvincentes. Ambos rejeitam a ideia de um trade-off entre vidas e meios de vida.

Aqueles que apoiam os lockdowns dizem que estes tiveram poucos efeitos econômicos malignos, porque as pessoas já estavam com tanto medo que evitavam os espaços públicos sem precisar ser alertadas. Eles, portanto, afirmam que a política salvou vidas, mas não a culpam por ter destruído a economia. Aqueles que odeiam os lockdowns alegam o contrário: que destruíram os meios de subsistência, mas pouco fizeram para impedir a propagação do vírus.

A realidade está em algum lugar entre esses dois extremos. Os lockdowns prejudicam a economia e salvam vidas e os governos tiveram de encontrar um equilíbrio entre os dois. Agora que os políticos estão calculando se e quando suspender as restrições existentes ou impor novas, as respostas a essas perguntas ainda são cruciais para as políticas de hoje. Juntamente com as vacinas, os lockdowns continuam sendo uma forma importante de lidar com novas variantes e surtos locais. No final de junho, Sydney ficou confinada por duas semanas; Indonésia, África do Sul e partes da Rússia seguiram o exemplo.

Itália foi um dos primeiros países a decretar lockdown para diminuir o contágio de covid-19 Foto: Flavio Lo Scalzo/Reuters- 31/3/2020

Pessoas que não veem trade-off nenhum podem começar apontando para um estudo sobre o surto de gripe espanhola nos Estados Unidos em 1918-20, de Sergio Correia, Stephan Luck e Emil Verner, o qual sugeriu que as cidades que decretaram distanciamento social mais cedo podem ter acabado com melhores resultados econômicos, talvez porque os negócios puderam ser retomados assim que a pandemia ficou sob controle. Mas outros economistas criticaram a metodologia do artigo. Cidades com economias que estavam indo melhor antes da pandemia, dizem eles, implementaram restrições mais cedo. Então, não é surpreendente que elas também tenham se saído melhor depois. 

Muito por nada. Mas as correlações não dizem muito. O sucesso de tais países até agora pode ter mais a ver com boa sorte do que com uma política acertada.

O que estava disponível para ilhas como Austrália, Islândia e Nova Zelândia não era possível para a maioria dos países, que têm fronteiras terrestres (quando o vírus começava a se espalhar, a erradicação era quase impossível).

O Japão e a Coreia do Sul tiveram um número muito baixo de mortes por covid-19. Mas se o fizeram ou não, isso é questionável: nenhum dos países impôs lockdowns severos. Talvez sua experiência com a epidemia de SARS no início dos anos 2000 os tenha ajudado a escapar relativamente ilesos.

Quando você olha para casos mais comparáveis – países que estão próximos, digamos, ou regiões diferentes de um mesmo país – a noção de que não há trade-off entre vidas e meios de vida se faz menos crível. Uma pesquisa do banco Goldman Sachs mostra uma relação notavelmente consistente entre a severidade dos lockdowns e o impacto na produção: a passagem entre o pico de lockdown na França (estrito) e o pico na Itália (extremamente estrito) está associada a um declínio de cerca de 3% no PIB.

Os países da zona do euro com mais mortes em excesso, conforme medido pela The Economist, estão observando um impacto menor na produção: na Finlândia, que teve um dos menores aumentos nas mortes em excesso dentro do clube, o PIB por pessoa cairá 1%, de acordo com o FMI; mas na Lituânia, membro com pior desempenho em termos de excesso de mortes, o PIB por pessoa subirá mais de 2%.

E se todos esses custos econômicos forem resultado não das restrições governamentais, mas das escolhas pessoais? Este é o argumento daqueles que rejeitam a ideia de trade-off. Se eles estiverem corretos, a noção de que a simples suspensão das restrições possa impulsionar a economia se torna uma fantasia. As pessoas sairão de casa apenas quando os casos estiverem baixos; se as infecções começarem a aumentar, as pessoas voltarão a se fechar.

Vários artigos reforçaram esse argumento. O mais influente, dos economistas Austan Goolsbee e Chad Syverson, analisa a mobilidade ao longo das fronteiras administrativas dos Estados Unidos, em um período em que um governador impôs restrições, mas o outro não. O artigo revela que as pessoas em ambos os lados da fronteira se comportaram de maneira semelhante, sugerindo que é quase inteiramente a escolha pessoal, ao invés das ordens do governo, o que explica a decisão de limitar o contato social. A pesquisa do FMI chega a conclusões semelhantes.

No entanto, há razões para se pensar que essas descobertas exageram o poder do comportamento voluntário. A Suécia, que há muito resistia à imposição de lockdowns, acabou cedendo quando os casos explodiram – uma admissão de que os lockdowns de fato fazem a diferença. Pesquisas mais recentes de Laurence Boone, da OCDE, e Colombe Ladreit, da Bocconi University, usam medidas ligeiramente diferentes do FMI e revelam que as ordens do governo ajudam muito a explicar a mudança comportamental.

Juntando tudo isso, parece claro que as ações dos governos realmente fizeram com que as pessoas ficassem em casa, com consequências onerosas para a economia. Mas os benefícios compensaram os custos? A pesquisa econômica sobre essa questão tenta resolver três incertezas: sobre as estimativas dos custos dos lockdowns; sobre seus benefícios; e, ao pesar os custos e benefícios, sobre como colocar um preço na vida – fazer o que Cuomo se recusou a fazer. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

© 2018 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

No meu modo de ver, digo que o custo de uma vida humana não tem preço, ponto final, disse Andrew Cuomo, governador do Estado de Nova York. Enquanto tentavam desacelerar a disseminação da covid-19 em 2020, os políticos tomaram medidas sem precedentes em termos de escala e escopo.

As terríveis advertências sobre as mortes que aconteceriam se nada fosse feito e as imagens de hospitais italianos lotados eram inéditas e aterrorizantes. Antes da crise, a noção de interromper as atividades cotidianas das pessoas parecia tão econômica e politicamente onerosa que resultava implausível. Mas, assim que a China e a Itália impuseram lockdowns, as medidas se tornaram inevitáveis nos outros lugares.

Boa parte do debate público sobre a covid-19 ecoou a recusa de Cuomo de pensar sobre o desconfortável cálculo entre salvar vidas e poupar a economia. Para simplificar um pouco demais, os dois lados do debate sobre os lockdowns têm posições diametralmente opostas e igualmente inconvincentes. Ambos rejeitam a ideia de um trade-off entre vidas e meios de vida.

Aqueles que apoiam os lockdowns dizem que estes tiveram poucos efeitos econômicos malignos, porque as pessoas já estavam com tanto medo que evitavam os espaços públicos sem precisar ser alertadas. Eles, portanto, afirmam que a política salvou vidas, mas não a culpam por ter destruído a economia. Aqueles que odeiam os lockdowns alegam o contrário: que destruíram os meios de subsistência, mas pouco fizeram para impedir a propagação do vírus.

A realidade está em algum lugar entre esses dois extremos. Os lockdowns prejudicam a economia e salvam vidas e os governos tiveram de encontrar um equilíbrio entre os dois. Agora que os políticos estão calculando se e quando suspender as restrições existentes ou impor novas, as respostas a essas perguntas ainda são cruciais para as políticas de hoje. Juntamente com as vacinas, os lockdowns continuam sendo uma forma importante de lidar com novas variantes e surtos locais. No final de junho, Sydney ficou confinada por duas semanas; Indonésia, África do Sul e partes da Rússia seguiram o exemplo.

Itália foi um dos primeiros países a decretar lockdown para diminuir o contágio de covid-19 Foto: Flavio Lo Scalzo/Reuters- 31/3/2020

Pessoas que não veem trade-off nenhum podem começar apontando para um estudo sobre o surto de gripe espanhola nos Estados Unidos em 1918-20, de Sergio Correia, Stephan Luck e Emil Verner, o qual sugeriu que as cidades que decretaram distanciamento social mais cedo podem ter acabado com melhores resultados econômicos, talvez porque os negócios puderam ser retomados assim que a pandemia ficou sob controle. Mas outros economistas criticaram a metodologia do artigo. Cidades com economias que estavam indo melhor antes da pandemia, dizem eles, implementaram restrições mais cedo. Então, não é surpreendente que elas também tenham se saído melhor depois. 

Muito por nada. Mas as correlações não dizem muito. O sucesso de tais países até agora pode ter mais a ver com boa sorte do que com uma política acertada.

O que estava disponível para ilhas como Austrália, Islândia e Nova Zelândia não era possível para a maioria dos países, que têm fronteiras terrestres (quando o vírus começava a se espalhar, a erradicação era quase impossível).

O Japão e a Coreia do Sul tiveram um número muito baixo de mortes por covid-19. Mas se o fizeram ou não, isso é questionável: nenhum dos países impôs lockdowns severos. Talvez sua experiência com a epidemia de SARS no início dos anos 2000 os tenha ajudado a escapar relativamente ilesos.

Quando você olha para casos mais comparáveis – países que estão próximos, digamos, ou regiões diferentes de um mesmo país – a noção de que não há trade-off entre vidas e meios de vida se faz menos crível. Uma pesquisa do banco Goldman Sachs mostra uma relação notavelmente consistente entre a severidade dos lockdowns e o impacto na produção: a passagem entre o pico de lockdown na França (estrito) e o pico na Itália (extremamente estrito) está associada a um declínio de cerca de 3% no PIB.

Os países da zona do euro com mais mortes em excesso, conforme medido pela The Economist, estão observando um impacto menor na produção: na Finlândia, que teve um dos menores aumentos nas mortes em excesso dentro do clube, o PIB por pessoa cairá 1%, de acordo com o FMI; mas na Lituânia, membro com pior desempenho em termos de excesso de mortes, o PIB por pessoa subirá mais de 2%.

E se todos esses custos econômicos forem resultado não das restrições governamentais, mas das escolhas pessoais? Este é o argumento daqueles que rejeitam a ideia de trade-off. Se eles estiverem corretos, a noção de que a simples suspensão das restrições possa impulsionar a economia se torna uma fantasia. As pessoas sairão de casa apenas quando os casos estiverem baixos; se as infecções começarem a aumentar, as pessoas voltarão a se fechar.

Vários artigos reforçaram esse argumento. O mais influente, dos economistas Austan Goolsbee e Chad Syverson, analisa a mobilidade ao longo das fronteiras administrativas dos Estados Unidos, em um período em que um governador impôs restrições, mas o outro não. O artigo revela que as pessoas em ambos os lados da fronteira se comportaram de maneira semelhante, sugerindo que é quase inteiramente a escolha pessoal, ao invés das ordens do governo, o que explica a decisão de limitar o contato social. A pesquisa do FMI chega a conclusões semelhantes.

No entanto, há razões para se pensar que essas descobertas exageram o poder do comportamento voluntário. A Suécia, que há muito resistia à imposição de lockdowns, acabou cedendo quando os casos explodiram – uma admissão de que os lockdowns de fato fazem a diferença. Pesquisas mais recentes de Laurence Boone, da OCDE, e Colombe Ladreit, da Bocconi University, usam medidas ligeiramente diferentes do FMI e revelam que as ordens do governo ajudam muito a explicar a mudança comportamental.

Juntando tudo isso, parece claro que as ações dos governos realmente fizeram com que as pessoas ficassem em casa, com consequências onerosas para a economia. Mas os benefícios compensaram os custos? A pesquisa econômica sobre essa questão tenta resolver três incertezas: sobre as estimativas dos custos dos lockdowns; sobre seus benefícios; e, ao pesar os custos e benefícios, sobre como colocar um preço na vida – fazer o que Cuomo se recusou a fazer. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

© 2018 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

No meu modo de ver, digo que o custo de uma vida humana não tem preço, ponto final, disse Andrew Cuomo, governador do Estado de Nova York. Enquanto tentavam desacelerar a disseminação da covid-19 em 2020, os políticos tomaram medidas sem precedentes em termos de escala e escopo.

As terríveis advertências sobre as mortes que aconteceriam se nada fosse feito e as imagens de hospitais italianos lotados eram inéditas e aterrorizantes. Antes da crise, a noção de interromper as atividades cotidianas das pessoas parecia tão econômica e politicamente onerosa que resultava implausível. Mas, assim que a China e a Itália impuseram lockdowns, as medidas se tornaram inevitáveis nos outros lugares.

Boa parte do debate público sobre a covid-19 ecoou a recusa de Cuomo de pensar sobre o desconfortável cálculo entre salvar vidas e poupar a economia. Para simplificar um pouco demais, os dois lados do debate sobre os lockdowns têm posições diametralmente opostas e igualmente inconvincentes. Ambos rejeitam a ideia de um trade-off entre vidas e meios de vida.

Aqueles que apoiam os lockdowns dizem que estes tiveram poucos efeitos econômicos malignos, porque as pessoas já estavam com tanto medo que evitavam os espaços públicos sem precisar ser alertadas. Eles, portanto, afirmam que a política salvou vidas, mas não a culpam por ter destruído a economia. Aqueles que odeiam os lockdowns alegam o contrário: que destruíram os meios de subsistência, mas pouco fizeram para impedir a propagação do vírus.

A realidade está em algum lugar entre esses dois extremos. Os lockdowns prejudicam a economia e salvam vidas e os governos tiveram de encontrar um equilíbrio entre os dois. Agora que os políticos estão calculando se e quando suspender as restrições existentes ou impor novas, as respostas a essas perguntas ainda são cruciais para as políticas de hoje. Juntamente com as vacinas, os lockdowns continuam sendo uma forma importante de lidar com novas variantes e surtos locais. No final de junho, Sydney ficou confinada por duas semanas; Indonésia, África do Sul e partes da Rússia seguiram o exemplo.

Itália foi um dos primeiros países a decretar lockdown para diminuir o contágio de covid-19 Foto: Flavio Lo Scalzo/Reuters- 31/3/2020

Pessoas que não veem trade-off nenhum podem começar apontando para um estudo sobre o surto de gripe espanhola nos Estados Unidos em 1918-20, de Sergio Correia, Stephan Luck e Emil Verner, o qual sugeriu que as cidades que decretaram distanciamento social mais cedo podem ter acabado com melhores resultados econômicos, talvez porque os negócios puderam ser retomados assim que a pandemia ficou sob controle. Mas outros economistas criticaram a metodologia do artigo. Cidades com economias que estavam indo melhor antes da pandemia, dizem eles, implementaram restrições mais cedo. Então, não é surpreendente que elas também tenham se saído melhor depois. 

Muito por nada. Mas as correlações não dizem muito. O sucesso de tais países até agora pode ter mais a ver com boa sorte do que com uma política acertada.

O que estava disponível para ilhas como Austrália, Islândia e Nova Zelândia não era possível para a maioria dos países, que têm fronteiras terrestres (quando o vírus começava a se espalhar, a erradicação era quase impossível).

O Japão e a Coreia do Sul tiveram um número muito baixo de mortes por covid-19. Mas se o fizeram ou não, isso é questionável: nenhum dos países impôs lockdowns severos. Talvez sua experiência com a epidemia de SARS no início dos anos 2000 os tenha ajudado a escapar relativamente ilesos.

Quando você olha para casos mais comparáveis – países que estão próximos, digamos, ou regiões diferentes de um mesmo país – a noção de que não há trade-off entre vidas e meios de vida se faz menos crível. Uma pesquisa do banco Goldman Sachs mostra uma relação notavelmente consistente entre a severidade dos lockdowns e o impacto na produção: a passagem entre o pico de lockdown na França (estrito) e o pico na Itália (extremamente estrito) está associada a um declínio de cerca de 3% no PIB.

Os países da zona do euro com mais mortes em excesso, conforme medido pela The Economist, estão observando um impacto menor na produção: na Finlândia, que teve um dos menores aumentos nas mortes em excesso dentro do clube, o PIB por pessoa cairá 1%, de acordo com o FMI; mas na Lituânia, membro com pior desempenho em termos de excesso de mortes, o PIB por pessoa subirá mais de 2%.

E se todos esses custos econômicos forem resultado não das restrições governamentais, mas das escolhas pessoais? Este é o argumento daqueles que rejeitam a ideia de trade-off. Se eles estiverem corretos, a noção de que a simples suspensão das restrições possa impulsionar a economia se torna uma fantasia. As pessoas sairão de casa apenas quando os casos estiverem baixos; se as infecções começarem a aumentar, as pessoas voltarão a se fechar.

Vários artigos reforçaram esse argumento. O mais influente, dos economistas Austan Goolsbee e Chad Syverson, analisa a mobilidade ao longo das fronteiras administrativas dos Estados Unidos, em um período em que um governador impôs restrições, mas o outro não. O artigo revela que as pessoas em ambos os lados da fronteira se comportaram de maneira semelhante, sugerindo que é quase inteiramente a escolha pessoal, ao invés das ordens do governo, o que explica a decisão de limitar o contato social. A pesquisa do FMI chega a conclusões semelhantes.

No entanto, há razões para se pensar que essas descobertas exageram o poder do comportamento voluntário. A Suécia, que há muito resistia à imposição de lockdowns, acabou cedendo quando os casos explodiram – uma admissão de que os lockdowns de fato fazem a diferença. Pesquisas mais recentes de Laurence Boone, da OCDE, e Colombe Ladreit, da Bocconi University, usam medidas ligeiramente diferentes do FMI e revelam que as ordens do governo ajudam muito a explicar a mudança comportamental.

Juntando tudo isso, parece claro que as ações dos governos realmente fizeram com que as pessoas ficassem em casa, com consequências onerosas para a economia. Mas os benefícios compensaram os custos? A pesquisa econômica sobre essa questão tenta resolver três incertezas: sobre as estimativas dos custos dos lockdowns; sobre seus benefícios; e, ao pesar os custos e benefícios, sobre como colocar um preço na vida – fazer o que Cuomo se recusou a fazer. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

© 2018 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.