Economista e ex-diretor de Política Monetária do Banco Central, Luís Eduardo Assis escreve quinzenalmente

Opinião|Alguma coisa está fora da ordem na política econômica


Enquanto a política fiscal e monetária não forem harmonizadas estaremos apenas promovendo a desigualdade e estagnação

Por Luís Eduardo Assis

A história bobinha do copo meio cheio, meio vazio nos lembra que uma notícia pode ser boa ou má ao mesmo tempo. Tomemos o mercado de trabalho, por exemplo. Temos aqui boas notícias para o governo. O rendimento médio cresceu 4,4% acima da inflação nos 12 meses até junho, último dado disponível. A massa de rendimentos, também em termos reais, cresceu ainda mais, 6,4%.

Isso porque a taxa de desocupação de junho caiu e é a mais baixa dos últimos dez anos. Tanto em junho passado como em junho de 2014, tínhamos 6,9% de desemprego, lembrando que esse indicador bateu em 14,2% em junho de 2021, na saída da pandemia. Isso acontece a despeito dos juros extremamente elevados, 7,15% no acumulado de 12 meses terminados em junho de 2024. Aqui há uma diferença relevante: a mesma taxa de desemprego há dez anos foi alcançada com juros reais bem mais baixos, 3,1% em 12 meses. É mais do que provável que esta disparidade tenha relação com o quadro fiscal. Em junho de 2014, o governo central ainda registrava um superávit primário da ordem de R$ 60 bilhões, no acumulado de 12 meses, ao passo que agora o déficit supera R$ 260 bilhões, nessa mesma métrica. Também a postura do próprio Banco Central era diversa há dez anos. Em junho de 2014, a expectativa da pesquisa Focus para a inflação de 2015 era de 6,1%, bem acima da meta de 4,5%. Em junho passado, a expectativa para 2025 era de um IPCA de 3,9% para uma meta de 3%. O Bacen hoje é menos transigente.

Banco Central e governo não tem se entendido na política econômica Foto: DIDA SAMPAIO / ESTADÃO
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Mas o fato é que há hoje – e não é a primeira vez – flagrante dissonância entre uma política fiscal expansionista, sustentada pela ilusão de que gastos públicos deflagram crescimento sustentável, e uma política monetária restritiva, praticada por uma autoridade monetária que não enfrenta nenhum problema quando erra os juros para cima (conforto que não existiria se o Banco Central tivesse um mandato duplo, como nos Estados Unidos). Assim, se o aumento do emprego é boa notícia para o presidente Lula, que poderá dizer que “nunca na história deste país” quase 102 milhões de pessoas têm trabalho, esse mesmo dado contribui para que o Banco Central ameace elevar ainda mais a taxa Selic. Essas políticas, que caminham em direções antagônicas, não se neutralizam. Não se trata apenas de uma perda de tempo e de energia. O sumo dessa contradição se materializa em juros na estratosfera, o que amarra o crescimento econômico e concentra ainda mais a renda dos brasileiros. Enquanto a política fiscal e a política monetária não forem harmonizadas estaremos apenas promovendo a desigualdade e a estagnação.

A história bobinha do copo meio cheio, meio vazio nos lembra que uma notícia pode ser boa ou má ao mesmo tempo. Tomemos o mercado de trabalho, por exemplo. Temos aqui boas notícias para o governo. O rendimento médio cresceu 4,4% acima da inflação nos 12 meses até junho, último dado disponível. A massa de rendimentos, também em termos reais, cresceu ainda mais, 6,4%.

Isso porque a taxa de desocupação de junho caiu e é a mais baixa dos últimos dez anos. Tanto em junho passado como em junho de 2014, tínhamos 6,9% de desemprego, lembrando que esse indicador bateu em 14,2% em junho de 2021, na saída da pandemia. Isso acontece a despeito dos juros extremamente elevados, 7,15% no acumulado de 12 meses terminados em junho de 2024. Aqui há uma diferença relevante: a mesma taxa de desemprego há dez anos foi alcançada com juros reais bem mais baixos, 3,1% em 12 meses. É mais do que provável que esta disparidade tenha relação com o quadro fiscal. Em junho de 2014, o governo central ainda registrava um superávit primário da ordem de R$ 60 bilhões, no acumulado de 12 meses, ao passo que agora o déficit supera R$ 260 bilhões, nessa mesma métrica. Também a postura do próprio Banco Central era diversa há dez anos. Em junho de 2014, a expectativa da pesquisa Focus para a inflação de 2015 era de 6,1%, bem acima da meta de 4,5%. Em junho passado, a expectativa para 2025 era de um IPCA de 3,9% para uma meta de 3%. O Bacen hoje é menos transigente.

Banco Central e governo não tem se entendido na política econômica Foto: DIDA SAMPAIO / ESTADÃO

Mas o fato é que há hoje – e não é a primeira vez – flagrante dissonância entre uma política fiscal expansionista, sustentada pela ilusão de que gastos públicos deflagram crescimento sustentável, e uma política monetária restritiva, praticada por uma autoridade monetária que não enfrenta nenhum problema quando erra os juros para cima (conforto que não existiria se o Banco Central tivesse um mandato duplo, como nos Estados Unidos). Assim, se o aumento do emprego é boa notícia para o presidente Lula, que poderá dizer que “nunca na história deste país” quase 102 milhões de pessoas têm trabalho, esse mesmo dado contribui para que o Banco Central ameace elevar ainda mais a taxa Selic. Essas políticas, que caminham em direções antagônicas, não se neutralizam. Não se trata apenas de uma perda de tempo e de energia. O sumo dessa contradição se materializa em juros na estratosfera, o que amarra o crescimento econômico e concentra ainda mais a renda dos brasileiros. Enquanto a política fiscal e a política monetária não forem harmonizadas estaremos apenas promovendo a desigualdade e a estagnação.

A história bobinha do copo meio cheio, meio vazio nos lembra que uma notícia pode ser boa ou má ao mesmo tempo. Tomemos o mercado de trabalho, por exemplo. Temos aqui boas notícias para o governo. O rendimento médio cresceu 4,4% acima da inflação nos 12 meses até junho, último dado disponível. A massa de rendimentos, também em termos reais, cresceu ainda mais, 6,4%.

Isso porque a taxa de desocupação de junho caiu e é a mais baixa dos últimos dez anos. Tanto em junho passado como em junho de 2014, tínhamos 6,9% de desemprego, lembrando que esse indicador bateu em 14,2% em junho de 2021, na saída da pandemia. Isso acontece a despeito dos juros extremamente elevados, 7,15% no acumulado de 12 meses terminados em junho de 2024. Aqui há uma diferença relevante: a mesma taxa de desemprego há dez anos foi alcançada com juros reais bem mais baixos, 3,1% em 12 meses. É mais do que provável que esta disparidade tenha relação com o quadro fiscal. Em junho de 2014, o governo central ainda registrava um superávit primário da ordem de R$ 60 bilhões, no acumulado de 12 meses, ao passo que agora o déficit supera R$ 260 bilhões, nessa mesma métrica. Também a postura do próprio Banco Central era diversa há dez anos. Em junho de 2014, a expectativa da pesquisa Focus para a inflação de 2015 era de 6,1%, bem acima da meta de 4,5%. Em junho passado, a expectativa para 2025 era de um IPCA de 3,9% para uma meta de 3%. O Bacen hoje é menos transigente.

Banco Central e governo não tem se entendido na política econômica Foto: DIDA SAMPAIO / ESTADÃO

Mas o fato é que há hoje – e não é a primeira vez – flagrante dissonância entre uma política fiscal expansionista, sustentada pela ilusão de que gastos públicos deflagram crescimento sustentável, e uma política monetária restritiva, praticada por uma autoridade monetária que não enfrenta nenhum problema quando erra os juros para cima (conforto que não existiria se o Banco Central tivesse um mandato duplo, como nos Estados Unidos). Assim, se o aumento do emprego é boa notícia para o presidente Lula, que poderá dizer que “nunca na história deste país” quase 102 milhões de pessoas têm trabalho, esse mesmo dado contribui para que o Banco Central ameace elevar ainda mais a taxa Selic. Essas políticas, que caminham em direções antagônicas, não se neutralizam. Não se trata apenas de uma perda de tempo e de energia. O sumo dessa contradição se materializa em juros na estratosfera, o que amarra o crescimento econômico e concentra ainda mais a renda dos brasileiros. Enquanto a política fiscal e a política monetária não forem harmonizadas estaremos apenas promovendo a desigualdade e a estagnação.

Opinião por Luís Eduardo Assis

Economista. Autor de 'O Poder das Ideias Erradas' (Ed.Almedina). Foi diretor de Política Monetária do Banco Central e professor de Economia da PUC-SP e FGV-SP

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