Economista e ex-diretor de Política Monetária do Banco Central, Luís Eduardo Assis escreve quinzenalmente

Opinião|A conta da viúva e o conflito entre benefícios específicos em detrimento do interesse do conjunto


É longa a lista dos fatores que explicam nossa renitente estagnação, mas a sanha que anima interesses organizados na obtenção de vantagens do erário deve constar de qualquer explicação

Por Luís Eduardo Assis

Entra ano, sai ano, e o tempo passa apenas para registrar que estamos ficando para trás. A Índia é a nova bola da vez. Nos últimos dez anos, o PIB indiano cresceu 74%, contra 30,8% da média mundial. O Brasil avançou míseros 5,2% nesse período, menos que o crescimento da população. Nas contas do Banco Mundial, nossa renda per capita, ajustada pelo poder de compra, era de US$ 17.827,60 em 2022, menor que a de Botsuana (US$ 18.329,80) e quase 33% menor que a da Argentina (US$ 26.530).

É longa a lista dos fatores que explicam nossa renitente estagnação e não cabe aqui tentar enumerá-los. Mas a sanha que anima interesses organizados na obtenção de vantagens do erário deve constar de qualquer explicação para o nosso atraso. Trata-se de um clássico conflito entre benefícios específicos em detrimento do interesse difuso do conjunto dos contribuintes. Todos têm uma tese pretensamente meritória.

Relatório de junho de 2023 preparado pelo Ministério do Planejamento oferece um mapa completo dos favores da União. Os números são estarrecedores. Foram gastos R$ 581,5 bilhões em 2022 em subsídios, o equivalente a 5,9% do PIB. Esse volume é quase cinco vezes a soma da arrecadação do IPI e do imposto de importação e mais do que se gastou com juros da dívida pública (R$ 503,2 bilhões) nesse ano. O déficit nominal do governo central em 2022 foi de R$ 448,3 bilhões, ou seja, R$ 133,2 bilhões menor que o total de subsídios concedidos pela União. O principal subsídio (R$ 104 bilhões) foi o proporcionado pelo Simples Nacional, onde proliferam abusos. O setor agrícola vem logo a seguir, com subsídios calculados em R$ 50,9 bilhões, o que contrasta com sua pujança econômica (serão mesmo necessários?).

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O setor agrícola tem subsídios calculados em R$ 50,9 bilhões. Foto: General Mills

O enredo dos subsídios é conhecido. Cava-se um benefício através de lubrificada articulação política com o artifício, muitas vezes, de que se trata de um favor temporário. Na ocasião de seu vencimento, argumenta-se que o fim do apanágio acarretará fechamento de empresas e desemprego em massa. Esse é o caso do “imbróglio” da desoneração da folha de pagamento.

Estudos acadêmicos mostram que não houve elevação do emprego nos setores apaniguados e mesmo a conceituação de que são os setores que mais empregam não é consensual. Romper esse círculo exige não só firmeza de propósitos, mas uma ampla base de apoio político no Congresso. O governo atual parece não ter nem uma coisa nem outra. Enquanto formos incapazes de forjar um projeto nacional que distinga claramente interesses privados daquilo que beneficia a coletividade estaremos fadados a um crescimento medíocre.

Entra ano, sai ano, e o tempo passa apenas para registrar que estamos ficando para trás. A Índia é a nova bola da vez. Nos últimos dez anos, o PIB indiano cresceu 74%, contra 30,8% da média mundial. O Brasil avançou míseros 5,2% nesse período, menos que o crescimento da população. Nas contas do Banco Mundial, nossa renda per capita, ajustada pelo poder de compra, era de US$ 17.827,60 em 2022, menor que a de Botsuana (US$ 18.329,80) e quase 33% menor que a da Argentina (US$ 26.530).

É longa a lista dos fatores que explicam nossa renitente estagnação e não cabe aqui tentar enumerá-los. Mas a sanha que anima interesses organizados na obtenção de vantagens do erário deve constar de qualquer explicação para o nosso atraso. Trata-se de um clássico conflito entre benefícios específicos em detrimento do interesse difuso do conjunto dos contribuintes. Todos têm uma tese pretensamente meritória.

Relatório de junho de 2023 preparado pelo Ministério do Planejamento oferece um mapa completo dos favores da União. Os números são estarrecedores. Foram gastos R$ 581,5 bilhões em 2022 em subsídios, o equivalente a 5,9% do PIB. Esse volume é quase cinco vezes a soma da arrecadação do IPI e do imposto de importação e mais do que se gastou com juros da dívida pública (R$ 503,2 bilhões) nesse ano. O déficit nominal do governo central em 2022 foi de R$ 448,3 bilhões, ou seja, R$ 133,2 bilhões menor que o total de subsídios concedidos pela União. O principal subsídio (R$ 104 bilhões) foi o proporcionado pelo Simples Nacional, onde proliferam abusos. O setor agrícola vem logo a seguir, com subsídios calculados em R$ 50,9 bilhões, o que contrasta com sua pujança econômica (serão mesmo necessários?).

O setor agrícola tem subsídios calculados em R$ 50,9 bilhões. Foto: General Mills

O enredo dos subsídios é conhecido. Cava-se um benefício através de lubrificada articulação política com o artifício, muitas vezes, de que se trata de um favor temporário. Na ocasião de seu vencimento, argumenta-se que o fim do apanágio acarretará fechamento de empresas e desemprego em massa. Esse é o caso do “imbróglio” da desoneração da folha de pagamento.

Estudos acadêmicos mostram que não houve elevação do emprego nos setores apaniguados e mesmo a conceituação de que são os setores que mais empregam não é consensual. Romper esse círculo exige não só firmeza de propósitos, mas uma ampla base de apoio político no Congresso. O governo atual parece não ter nem uma coisa nem outra. Enquanto formos incapazes de forjar um projeto nacional que distinga claramente interesses privados daquilo que beneficia a coletividade estaremos fadados a um crescimento medíocre.

Entra ano, sai ano, e o tempo passa apenas para registrar que estamos ficando para trás. A Índia é a nova bola da vez. Nos últimos dez anos, o PIB indiano cresceu 74%, contra 30,8% da média mundial. O Brasil avançou míseros 5,2% nesse período, menos que o crescimento da população. Nas contas do Banco Mundial, nossa renda per capita, ajustada pelo poder de compra, era de US$ 17.827,60 em 2022, menor que a de Botsuana (US$ 18.329,80) e quase 33% menor que a da Argentina (US$ 26.530).

É longa a lista dos fatores que explicam nossa renitente estagnação e não cabe aqui tentar enumerá-los. Mas a sanha que anima interesses organizados na obtenção de vantagens do erário deve constar de qualquer explicação para o nosso atraso. Trata-se de um clássico conflito entre benefícios específicos em detrimento do interesse difuso do conjunto dos contribuintes. Todos têm uma tese pretensamente meritória.

Relatório de junho de 2023 preparado pelo Ministério do Planejamento oferece um mapa completo dos favores da União. Os números são estarrecedores. Foram gastos R$ 581,5 bilhões em 2022 em subsídios, o equivalente a 5,9% do PIB. Esse volume é quase cinco vezes a soma da arrecadação do IPI e do imposto de importação e mais do que se gastou com juros da dívida pública (R$ 503,2 bilhões) nesse ano. O déficit nominal do governo central em 2022 foi de R$ 448,3 bilhões, ou seja, R$ 133,2 bilhões menor que o total de subsídios concedidos pela União. O principal subsídio (R$ 104 bilhões) foi o proporcionado pelo Simples Nacional, onde proliferam abusos. O setor agrícola vem logo a seguir, com subsídios calculados em R$ 50,9 bilhões, o que contrasta com sua pujança econômica (serão mesmo necessários?).

O setor agrícola tem subsídios calculados em R$ 50,9 bilhões. Foto: General Mills

O enredo dos subsídios é conhecido. Cava-se um benefício através de lubrificada articulação política com o artifício, muitas vezes, de que se trata de um favor temporário. Na ocasião de seu vencimento, argumenta-se que o fim do apanágio acarretará fechamento de empresas e desemprego em massa. Esse é o caso do “imbróglio” da desoneração da folha de pagamento.

Estudos acadêmicos mostram que não houve elevação do emprego nos setores apaniguados e mesmo a conceituação de que são os setores que mais empregam não é consensual. Romper esse círculo exige não só firmeza de propósitos, mas uma ampla base de apoio político no Congresso. O governo atual parece não ter nem uma coisa nem outra. Enquanto formos incapazes de forjar um projeto nacional que distinga claramente interesses privados daquilo que beneficia a coletividade estaremos fadados a um crescimento medíocre.

Opinião por Luís Eduardo Assis

Economista. Autor de 'O Poder das Ideias Erradas' (Ed.Almedina). Foi diretor de Política Monetária do Banco Central e professor de Economia da PUC-SP e FGV-SP

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