Já se disse que a língua portuguesa perdeu uma grande oportunidade quando não convencionou que o plural da palavra capivara deveria ser “capivárias”. Pode ser. Mas, no caso de “gasto tributário”, o ganho foi notável. Se é tributo, não pode ser despesa, diriam os chatos. O feliz paradoxo, no entanto, sintetiza o esporte nacional de capturar o erário para obter abatimentos, subsídios, isenções, sinecuras e apanágios com o objetivo único e pouco louvável de pagar menos impostos. Gasto tributário é gasto e, como tal, difícil de cortar.
Não é pouca coisa, como registrou recente relatório do Tribunal de Contas da União (TCU). Em 2023, a renúncia fiscal do governo federal foi de R$ 518,9 bilhões ou 4,8% do PIB. Para ter uma ideia, isso equivale a mais de 84% de toda a carga de juros no ano passado, ou ainda 42% mais que todo o gasto com pessoal e encargos da União.
Nos últimos cinco anos, os gastos tributários aumentaram 73% para 32,5% de inflação média. Quatro dos maiores gastos tributários explicam metade dos benefícios de 2023: Simples Nacional, Agricultura, Rendimentos Isentos e não Tributáveis de Pessoas Físicas e Isenção de Entidades sem Fins Lucrativos.
É evidente que essas estimativas devem ser tomadas com um grão de sal, já que o pressuposto é que o mesmo volume de atividade existiria sem as isenções. Ainda assim, os números são exorbitantes, e os resultados, pífios.
A indústria automobilística cavou benefícios com o Inovar-Auto, seguido pelo Rota 2030 e, recentemente, pelo Mover. Nos últimos dez anos, porém, os números da Anfavea mostram uma queda de 37% na produção de veículos e uma redução de 36.410 postos de trabalho.
A discussão dos gastos tributários ganha importância quando se recorda que em 2023 tivemos o maior déficit primário da série histórica, excetuando 2020, quando os gastos explodiram por conta da pandemia. Até maio de 2024, o déficit em 12 meses aumentou R$ 32,5 milhões em termos reais.
Recentemente, o presidente Lula manifestou surpresa com o volume de gastos tributários. Se sincera, essa surpresa é descabida. O governo petista foi useiro e vezeiro na prática de conceder benesses sem contrapartidas. Apenas no ano passado, segundo Vital do Rêgo, relator das contas do governo Lula no TCU, houve 32 novos benefícios tributários, com custo estimado de R$ 231,6 bilhões entre 2023 e 2026. Esse é o resultado da combinação entre lobbies eficazes e um governo fraco, sem convicções na orientação de sua política econômica, que vê na lassidão fiscal uma oportunidade de comprar apoio, ainda que fugaz e incerto.