Economista e ex-diretor de Política Monetária do Banco Central, Luís Eduardo Assis escreve quinzenalmente

Opinião|Ideias fora do lugar: Lula se engana ao colocar mercado financeiro como agente político


O debate sobre como aumentar a potência da política monetária fica interditado quando o próprio governo resolve politizar o tema

Por Luís Eduardo Assis

“Aquele sujeito é extremamente pretensioso. Ele acha que é meu inimigo.” A frase piosa, atribuída ao ex-ministro Delfim Netto, foi pomposamente ignorada pelo presidente Lula. Ao manifestar de forma extravagante suas divergências em relação à política de juros, o presidente acabou alçando o mercado financeiro à condição de agente político. Grande engano. Os agentes de mercado são treinados para comprar e vender. Não são motivados pelo amor ao debate pela boa razão de que os preços definem rapidamente quem tem razão. Quem ganhou dinheiro estava certo. Quem perdeu e não quebrou pode jogar de novo. E a vida segue. Não, o mercado não tem um projeto para o Brasil – nem para a salvação do mundo. Não é para isso que ele serve; ele não é um partido político. Sim, o mercado é um antro de especulação financeira. É da sua natureza, como no caso do escorpião da parábola. Prover liquidez e aceitar riscos não é errado e especular tentando adivinhar o futuro, longe de ser um desvio, é algo intrínseco a todos os mercados financeiros. O presidente Lula poderia ter dito que “foi ele que começou”. De fato, o titular do Banco Central errou feio ao escolher um lado e, na prática, declarar seu voto em 2022. Também não deveria ter se deixado cortejar pela oposição ligada ao ex-presidente Jair Bolsonaro (nada que um pente-fino no código de ética da autoridade monetária não possa corrigir). Mas atribuir a responsabilidade a quem começou a desavença é um argumento infantil, usado por crianças que são repreendidas pela mãe. E a coisa aqui é séria.

Lula alçou o mercado financeiro à condição de agente político Foto: Wilton Júnior / Estadão

Há muito o que discutir sobre o fato de que a taxa Selic é hoje o único instrumento para combater a inflação. Em um país em que a maior parte da inflação é determinada pelos preços dos produtos comercializáveis (que dependem, basicamente, do câmbio e do preço das commodities), o resultado é uma baixa eficácia dos juros, ainda mais no contexto de uma política fiscal insustentavelmente expansionista. O debate sobre como aumentar a potência da política monetária, ou seja, como combater a inflação sem a necessidade de juros tão altos, fica interditado quando o próprio governo resolve politizar o tema. Trata-se de fórmula eficaz de empobrecer e esvaziar uma discussão importante e urgente. Serenados os ânimos, ainda há tempo para uma conversa de adultos. Apenas um exemplo: a discussão sobre a adoção de um mandato duplo para o Banco Central – pelo qual a autoridade monetária ficaria responsável não só pelo controle da inflação, mas também pelo nível de atividade, como nos Estados Unidos – pode ser um bom começo para uma abordagem menos tempestuosa.

“Aquele sujeito é extremamente pretensioso. Ele acha que é meu inimigo.” A frase piosa, atribuída ao ex-ministro Delfim Netto, foi pomposamente ignorada pelo presidente Lula. Ao manifestar de forma extravagante suas divergências em relação à política de juros, o presidente acabou alçando o mercado financeiro à condição de agente político. Grande engano. Os agentes de mercado são treinados para comprar e vender. Não são motivados pelo amor ao debate pela boa razão de que os preços definem rapidamente quem tem razão. Quem ganhou dinheiro estava certo. Quem perdeu e não quebrou pode jogar de novo. E a vida segue. Não, o mercado não tem um projeto para o Brasil – nem para a salvação do mundo. Não é para isso que ele serve; ele não é um partido político. Sim, o mercado é um antro de especulação financeira. É da sua natureza, como no caso do escorpião da parábola. Prover liquidez e aceitar riscos não é errado e especular tentando adivinhar o futuro, longe de ser um desvio, é algo intrínseco a todos os mercados financeiros. O presidente Lula poderia ter dito que “foi ele que começou”. De fato, o titular do Banco Central errou feio ao escolher um lado e, na prática, declarar seu voto em 2022. Também não deveria ter se deixado cortejar pela oposição ligada ao ex-presidente Jair Bolsonaro (nada que um pente-fino no código de ética da autoridade monetária não possa corrigir). Mas atribuir a responsabilidade a quem começou a desavença é um argumento infantil, usado por crianças que são repreendidas pela mãe. E a coisa aqui é séria.

Lula alçou o mercado financeiro à condição de agente político Foto: Wilton Júnior / Estadão

Há muito o que discutir sobre o fato de que a taxa Selic é hoje o único instrumento para combater a inflação. Em um país em que a maior parte da inflação é determinada pelos preços dos produtos comercializáveis (que dependem, basicamente, do câmbio e do preço das commodities), o resultado é uma baixa eficácia dos juros, ainda mais no contexto de uma política fiscal insustentavelmente expansionista. O debate sobre como aumentar a potência da política monetária, ou seja, como combater a inflação sem a necessidade de juros tão altos, fica interditado quando o próprio governo resolve politizar o tema. Trata-se de fórmula eficaz de empobrecer e esvaziar uma discussão importante e urgente. Serenados os ânimos, ainda há tempo para uma conversa de adultos. Apenas um exemplo: a discussão sobre a adoção de um mandato duplo para o Banco Central – pelo qual a autoridade monetária ficaria responsável não só pelo controle da inflação, mas também pelo nível de atividade, como nos Estados Unidos – pode ser um bom começo para uma abordagem menos tempestuosa.

“Aquele sujeito é extremamente pretensioso. Ele acha que é meu inimigo.” A frase piosa, atribuída ao ex-ministro Delfim Netto, foi pomposamente ignorada pelo presidente Lula. Ao manifestar de forma extravagante suas divergências em relação à política de juros, o presidente acabou alçando o mercado financeiro à condição de agente político. Grande engano. Os agentes de mercado são treinados para comprar e vender. Não são motivados pelo amor ao debate pela boa razão de que os preços definem rapidamente quem tem razão. Quem ganhou dinheiro estava certo. Quem perdeu e não quebrou pode jogar de novo. E a vida segue. Não, o mercado não tem um projeto para o Brasil – nem para a salvação do mundo. Não é para isso que ele serve; ele não é um partido político. Sim, o mercado é um antro de especulação financeira. É da sua natureza, como no caso do escorpião da parábola. Prover liquidez e aceitar riscos não é errado e especular tentando adivinhar o futuro, longe de ser um desvio, é algo intrínseco a todos os mercados financeiros. O presidente Lula poderia ter dito que “foi ele que começou”. De fato, o titular do Banco Central errou feio ao escolher um lado e, na prática, declarar seu voto em 2022. Também não deveria ter se deixado cortejar pela oposição ligada ao ex-presidente Jair Bolsonaro (nada que um pente-fino no código de ética da autoridade monetária não possa corrigir). Mas atribuir a responsabilidade a quem começou a desavença é um argumento infantil, usado por crianças que são repreendidas pela mãe. E a coisa aqui é séria.

Lula alçou o mercado financeiro à condição de agente político Foto: Wilton Júnior / Estadão

Há muito o que discutir sobre o fato de que a taxa Selic é hoje o único instrumento para combater a inflação. Em um país em que a maior parte da inflação é determinada pelos preços dos produtos comercializáveis (que dependem, basicamente, do câmbio e do preço das commodities), o resultado é uma baixa eficácia dos juros, ainda mais no contexto de uma política fiscal insustentavelmente expansionista. O debate sobre como aumentar a potência da política monetária, ou seja, como combater a inflação sem a necessidade de juros tão altos, fica interditado quando o próprio governo resolve politizar o tema. Trata-se de fórmula eficaz de empobrecer e esvaziar uma discussão importante e urgente. Serenados os ânimos, ainda há tempo para uma conversa de adultos. Apenas um exemplo: a discussão sobre a adoção de um mandato duplo para o Banco Central – pelo qual a autoridade monetária ficaria responsável não só pelo controle da inflação, mas também pelo nível de atividade, como nos Estados Unidos – pode ser um bom começo para uma abordagem menos tempestuosa.

Opinião por Luís Eduardo Assis

Economista. Autor de 'O Poder das Ideias Erradas' (Ed.Almedina). Foi diretor de Política Monetária do Banco Central e professor de Economia da PUC-SP e FGV-SP

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.