Há pouco mais de dois anos, a Lei Complementar 179/21, que regulamenta a autonomia do Banco Central (BC), foi aprovada com fanfarras. Parecia algo simples na época, a ponto de se prescindir de um grande debate nacional. Tratava-se de encapsular a excelência técnica da autoridade monetária de influências conspurcadas das conveniências políticas, atribuindo-lhe a função essencial de “assegurar a estabilidade de preços”, nada menos que isso. O combate à inflação passou a estar, supostamente, infenso à mesquinharia ditada pelo calendário eleitoral. Soa bonito, mas seu real desenvolvimento começa a ser testado apenas agora.
LEIA TAMBÉM
O presidente Lula da Silva tem ideias claras sobre as taxas de juros. Seu argumento preferido é que uma autarquia federal, o Banco Central, não pode ter objetivos que se contraponham ao compromisso de um governo eleito de retomar o crescimento e o emprego. Certa ou errada (ela é errada), essa ideia merece ser debatida. Argumentar que cabe ao Banco Central o papel de adulto na sala que impede políticas populistas é migalhice. Não se trata de contrapor avaliações técnicas, que se pretendem exatas e científicas, a interesses políticos de curto prazo. É muito mais complicado que isso, até porque entre os próprios economistas não há consenso sobre a eficácia de combater a inflação apenas através da manipulação da taxa Selic. Não há cálculo técnico incontestável que assegure que os juros no Brasil estão no lugar certo.
A coisa vai pegar mesmo a partir de 2025, quando o presidente Lula tiver a maioria de votos no Copom. É mais que provável que os novos diretores tenham uma visão menos ortodoxa a respeito do sistema de metas de inflação hoje adotado (que, a propósito, não está previsto na lei que regula autonomia). Não é preciso acreditar na ozonioterapia para questionar o que o Banco Central tem feito. Estudo de Z. Zhang e S. Wang (Do actions speak louder than words?, 2022), economistas do FMI, avaliou o desempenho de 68 países na década de 2010 e concluiu que aqueles que tiveram maior sucesso no sistema de metas de inflação não apresentaram melhor performance em termos de crescimento econômico e nem mesmo em relação ao comportamento dos preços.
Não deve ser surpresa se a nova diretoria, alinhada com as teses do presidente eleito, questionar o regime de metas e buscar alternativas para reduzir os juros, provocando cólicas no mercado financeiro. O sistema que temos hoje está longe de estar consolidado. Testaremos na prática, com grandes emoções, as implicações que não foram discutidas a fundo quando da aprovação da lei que regulamentou a autonomia do BC.