Economista e ex-diretor de Política Monetária do Banco Central, Luís Eduardo Assis escreve quinzenalmente

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Parte dos efeitos dos juros altos pode ser combatida com o Bolsa Família. É preciso foco para fazer bom uso da dinheirama

Por Luís Eduardo Assis

O pragmatismo foi a marca da primeira gestão do presidente Lula da Silva. Em 2002, a inflação havia atingido 12,5%, no rastro de uma desvalorização cambial de 52%, o que empurrou a taxa Selic para 25%. O presidente noviço foi prudente, elegeu prioridades, preferiu não bater cabeça com o mercado.

Em 2003, os juros subiram um pouco mais, a economia quase não cresceu (1,1%), mas o dólar recuou 18%, a inflação caiu (pouco, para 9,3%) e o ajuste criou as condições para um crescimento de quase 36% nos sete anos seguintes. Para comparar: nos últimos sete anos o Brasil cresceu apenas 5,5%. Houve, claro, condições internacionais favoráveis, mas o pragmatismo foi a trilha sonora da política econômica.

O quadro econômico no final de 2022, malgrado todas as mazelas, não chega a ser catastrófico

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Tudo parece ter mudado agora. Falar na herança maldita é quase obrigatório na posse de todos os presidentes, mas o fato é que o quadro econômico no final de 2022, malgrado todas as mazelas, não chega a ser catastrófico. Nos últimos dois anos, a economia cresceu 8% e a taxa de desemprego caiu para o menor nível desde 2015. Claro que o crescimento é fragílimo, com investimentos públicos em infraestrutura praticamente exterminados, e a taxa de desemprego seria muito maior se as pessoas não tivessem deixado de procurar trabalho. Mas poderia ser muito pior.

O busílis que entrava hoje o crescimento, no entanto, é a inflação. Os exercícios de prestidigitação do governo Jair Bolsonaro levaram o IPCA para 5,9% em 2022, mas a inflação dos preços livres fechou em 8,42%, quase igual à média dos núcleos, 8,45%. A previsão para 2023 é de 6%, o dobro da meta estabelecida para o ano que vem. Combater a inflação neste primeiro ano de governo deveria ser a prioridade. Nas atuais condições em que a política anti-inflacionária depende apenas da taxa Selic (um despropósito que já foi tratado neste espaço), estimular o crédito e promover uma política fiscal expansionista apenas prolongará o martírio provocado pelos juros altos.

Parte relevante dos efeitos colaterais dos juros exorbitantes poderá ser combatida com a transferência de renda que vem no rastro do novo Bolsa Família, uma novidade estonteante que merece maior atenção. Pela estimativa da Instituição Fiscal Independente, serão R$ 180 bilhões a serem gastos em 2023, mais que o dobro dos R$ 88,1 bilhões do ano passado e quase o triplo (como proporção do PIB) do que se gastou em 2003.

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É preciso foco para fazer bom uso dessa dinheirama, o que impõe, em primeiro lugar, a sanitização do Cadastro Único. Tentar fazer tudo ao mesmo tempo gera apenas uma desafinada polifonia. Mais que discutir, é preciso fazer escolhas. Os pobres têm pressa, os miseráveis têm urgência.

O pragmatismo foi a marca da primeira gestão do presidente Lula da Silva. Em 2002, a inflação havia atingido 12,5%, no rastro de uma desvalorização cambial de 52%, o que empurrou a taxa Selic para 25%. O presidente noviço foi prudente, elegeu prioridades, preferiu não bater cabeça com o mercado.

Em 2003, os juros subiram um pouco mais, a economia quase não cresceu (1,1%), mas o dólar recuou 18%, a inflação caiu (pouco, para 9,3%) e o ajuste criou as condições para um crescimento de quase 36% nos sete anos seguintes. Para comparar: nos últimos sete anos o Brasil cresceu apenas 5,5%. Houve, claro, condições internacionais favoráveis, mas o pragmatismo foi a trilha sonora da política econômica.

O quadro econômico no final de 2022, malgrado todas as mazelas, não chega a ser catastrófico

Tudo parece ter mudado agora. Falar na herança maldita é quase obrigatório na posse de todos os presidentes, mas o fato é que o quadro econômico no final de 2022, malgrado todas as mazelas, não chega a ser catastrófico. Nos últimos dois anos, a economia cresceu 8% e a taxa de desemprego caiu para o menor nível desde 2015. Claro que o crescimento é fragílimo, com investimentos públicos em infraestrutura praticamente exterminados, e a taxa de desemprego seria muito maior se as pessoas não tivessem deixado de procurar trabalho. Mas poderia ser muito pior.

O busílis que entrava hoje o crescimento, no entanto, é a inflação. Os exercícios de prestidigitação do governo Jair Bolsonaro levaram o IPCA para 5,9% em 2022, mas a inflação dos preços livres fechou em 8,42%, quase igual à média dos núcleos, 8,45%. A previsão para 2023 é de 6%, o dobro da meta estabelecida para o ano que vem. Combater a inflação neste primeiro ano de governo deveria ser a prioridade. Nas atuais condições em que a política anti-inflacionária depende apenas da taxa Selic (um despropósito que já foi tratado neste espaço), estimular o crédito e promover uma política fiscal expansionista apenas prolongará o martírio provocado pelos juros altos.

Parte relevante dos efeitos colaterais dos juros exorbitantes poderá ser combatida com a transferência de renda que vem no rastro do novo Bolsa Família, uma novidade estonteante que merece maior atenção. Pela estimativa da Instituição Fiscal Independente, serão R$ 180 bilhões a serem gastos em 2023, mais que o dobro dos R$ 88,1 bilhões do ano passado e quase o triplo (como proporção do PIB) do que se gastou em 2003.

É preciso foco para fazer bom uso dessa dinheirama, o que impõe, em primeiro lugar, a sanitização do Cadastro Único. Tentar fazer tudo ao mesmo tempo gera apenas uma desafinada polifonia. Mais que discutir, é preciso fazer escolhas. Os pobres têm pressa, os miseráveis têm urgência.

O pragmatismo foi a marca da primeira gestão do presidente Lula da Silva. Em 2002, a inflação havia atingido 12,5%, no rastro de uma desvalorização cambial de 52%, o que empurrou a taxa Selic para 25%. O presidente noviço foi prudente, elegeu prioridades, preferiu não bater cabeça com o mercado.

Em 2003, os juros subiram um pouco mais, a economia quase não cresceu (1,1%), mas o dólar recuou 18%, a inflação caiu (pouco, para 9,3%) e o ajuste criou as condições para um crescimento de quase 36% nos sete anos seguintes. Para comparar: nos últimos sete anos o Brasil cresceu apenas 5,5%. Houve, claro, condições internacionais favoráveis, mas o pragmatismo foi a trilha sonora da política econômica.

O quadro econômico no final de 2022, malgrado todas as mazelas, não chega a ser catastrófico

Tudo parece ter mudado agora. Falar na herança maldita é quase obrigatório na posse de todos os presidentes, mas o fato é que o quadro econômico no final de 2022, malgrado todas as mazelas, não chega a ser catastrófico. Nos últimos dois anos, a economia cresceu 8% e a taxa de desemprego caiu para o menor nível desde 2015. Claro que o crescimento é fragílimo, com investimentos públicos em infraestrutura praticamente exterminados, e a taxa de desemprego seria muito maior se as pessoas não tivessem deixado de procurar trabalho. Mas poderia ser muito pior.

O busílis que entrava hoje o crescimento, no entanto, é a inflação. Os exercícios de prestidigitação do governo Jair Bolsonaro levaram o IPCA para 5,9% em 2022, mas a inflação dos preços livres fechou em 8,42%, quase igual à média dos núcleos, 8,45%. A previsão para 2023 é de 6%, o dobro da meta estabelecida para o ano que vem. Combater a inflação neste primeiro ano de governo deveria ser a prioridade. Nas atuais condições em que a política anti-inflacionária depende apenas da taxa Selic (um despropósito que já foi tratado neste espaço), estimular o crédito e promover uma política fiscal expansionista apenas prolongará o martírio provocado pelos juros altos.

Parte relevante dos efeitos colaterais dos juros exorbitantes poderá ser combatida com a transferência de renda que vem no rastro do novo Bolsa Família, uma novidade estonteante que merece maior atenção. Pela estimativa da Instituição Fiscal Independente, serão R$ 180 bilhões a serem gastos em 2023, mais que o dobro dos R$ 88,1 bilhões do ano passado e quase o triplo (como proporção do PIB) do que se gastou em 2003.

É preciso foco para fazer bom uso dessa dinheirama, o que impõe, em primeiro lugar, a sanitização do Cadastro Único. Tentar fazer tudo ao mesmo tempo gera apenas uma desafinada polifonia. Mais que discutir, é preciso fazer escolhas. Os pobres têm pressa, os miseráveis têm urgência.

Opinião por Luís Eduardo Assis

Economista. Autor de 'O Poder das Ideias Erradas' (Ed.Almedina). Foi diretor de Política Monetária do Banco Central e professor de Economia da PUC-SP e FGV-SP

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