Além do grave problema fiscal, o novo governo do PT terá outros entraves complexos para enfrentar em 2023. A economia que espera o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva tem uma produtividade que não cresce há cerca de dez anos, taxa de juros elevada e já está começando a desacelerar, após um 2022 marcado por artificialismos e impulsos fiscais adotados por um governo que tentava se reeleger. Diante desse cenário, economistas apontam que há muito para ser consertado – tudo em meio a um freio importante da economia internacional. A tendência, dizem os especialistas, é que esse panorama faça a lua de mel de Lula ser curta quando comparada à de outros governos.
Antes mesmo das eleições, os economistas já vinham projetando uma desaceleração brusca para 2023. Enquanto neste ano o Produto Interno Bruto (PIB) deve avançar ao redor de 2,75%, para o primeiro ano do terceiro mandato de Lula é esperado um crescimento entre 0,5% e 1%. Se ficar nesse patamar, será o pior resultado desde 2016, excetuando 2020, cuja atividade foi impactada pela pandemia.
“A desaceleração já está encomendada, e a responsabilidade vai cair nas costas do novo presidente. É meio que dado que a lua de mel vai ser curtíssima. Normalmente, ela dura de três a quatro trimestres passadas as eleições. Não vai durar isso com esse quadro de polarização e desaceleração”, diz o economista Braulio Borges, da LCA Consultores.
A economista Zeina Latif vai na mesma linha: “Não é que vamos para um quadro de colapso, mas terá uma arrumação na economia. A população em geral não sabe disso e pode dizer que (a desaceleração) é culpa do Lula. Será importante esse balanço ser feito (pelo novo governo) e cuidar da comunicação”.
Segundo Zeina, o quadro é mais difícil agora do que o enfrentado por Jair Bolsonaro em 2019, quando a situação fiscal estava encaminhada e a taxa básica de juros, a Selic, encontrava-se em patamar baixo. No início do governo Bolsonaro, ela era de 4,5%; hoje, está em 13,75%.
Na comparação com o primeiro governo de Lula, o cenário também é tido como mais delicado. Apesar de 2002 ter terminado com uma inflação de 12,5% e com uma Selic de 25%, a situação fiscal era mais controlada e o cenário internacional, mais favorável, com o superciclo das commodities - os preços altos de produtos importantes na pauta de exportações brasileira, como o minério de ferro - dando seus primeiros sinais.
“O desafio do novo governo não é só digerir a herança fiscal (do governo Bolsonaro), mas trazer o crescimento sustentado de volta quando o mundo está entrando em recessão. Tem uma herança maldita não só na área fiscal, mas na ambiental e na de resultados econômicos e sociais”, diz o economista José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados.
Mendonça de Barros destaca que foi feito um “embelezamento” nos indicadores econômicos no último ano. Isso porque a relação dívida/PIB caiu em parte devido ao aumento da inflação. Também devido ao choque positivo do preço das commodities, que ajudou o PIB brasileiro no início de 2022, e à postergação de gastos para 2023.
Ao mesmo tempo que terá de lidar com essa realidade, Lula enfrentará a atividade econômica sofrendo o auge dos efeitos do aperto monetário promovido pelo Banco Central para segurar a inflação. Segundo cálculos de Braulio Borges, o juro neutro (que não estimula nem desacelera a economia) no Brasil seria hoje de 4,5%. A taxa real de juro (descontada a inflação), no entanto, está em 8% ao ano. “É uma política monetária bastante contracionista e isso vai ficar mais evidente no começo de 2023, porque o mercado de trabalho reage com defasagem”, diz Borges.
Na área fiscal, os Estados devem adotar políticas contracionistas, reduzindo seus gastos após os terem elevado em 2022 devido à eleição e depois de virem as receitas cair por causa da redução do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre a gasolina promovida pelo presidente Bolsonaro.
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Em âmbito federal, Borges calcula que haverá expansão fiscal se os gastos do governo ultrapassarem os 19% do PIB deste ano. Para isso, a “licença para gastar” acima do teto que Lula está negociando teria de ser superior a R$ 150 bilhões – hoje fala-se entre R$ 160 bilhões e R$ 200 bilhões. Além disso, estímulos como a liberação do FGTS e o empréstimo consignado a beneficiários do Auxílio Brasil não devem voltar a ocorrer.
Por último, no cenário internacional, a expectativa é de deterioração. Os Estados Unidos sofrerão com o aumento da taxa de juros, a Europa com a falta de gás e a China com sua desaceleração estrutural. O Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta que o PIB mundial cresça 2,7%, mas alerta que “mais de um terço da economia global vai se contrair em 2023″ e que, “para muitas pessoas, 2023 parecerá uma recessão”.
Redução da probreza
Todos esses fatores atravancando a economia do País podem dificultar também a vida de Lula para cumprir sua promessa de redução da pobreza e da insegurança alimentar. Enquanto a primeira está praticamente no mesmo patamar de quando o presidente eleito deixou o poder, em 2010, a segunda vem subindo. Em 2021, faltou dinheiro para comprar alimentos, em algum momento do ano, para 36% dos brasileiros, o maior patamar da série histórica. Em 2010, esse índice era de 19%.
Em relação à pobreza, atualmente ela é de 14,04% – 0,06 ponto porcentual acima da de 2010. “O novo governo vai pegar essa situação momentaneamente menos ruim por causa das medidas tomadas por causa das eleições, como aumento do Auxílio Brasil. É uma saia justa, porque parte da população precisa realmente da rede de proteção, mas há um desajuste na proteção”, diz o diretor do FGV Social, Marcelo Neri.
Para o economista, é preciso reorganizar os benefícios sociais. O valor do Auxílio Brasil, por exemplo, deveria voltar a ser concedido considerando o número de membros das famílias. “Como está, criou-se um incentivo para as famílias se dividirem.”