A declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) feita nesta sexta-feira, 27, de que o Brasil não atingirá o resultado primário zero no ano que vem significou uma sinalização bastante ruim para o futuro das contas públicas, segundo analistas ouvidos pelo Estadão.
A leitura é a de que a declaração de Lula incorpora alguns sinais preocupantes: é um indício de que o presidente caminha para dar mais força para a ala política, que já sinalizou ser favorável a uma mudança de meta de resultado primário (receitas menos despesas, sem contar os juros da dívida), abrindo espaço para que Congresso e integrantes do governo passem a defender aumentos de gastos, e enfraquece o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
“O Lula jogou algo para o mercado que já se esperava”, afirma Sergio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados. “É uma consolidação do que todo mundo está esperando, mas a fala do presidente abre brechas políticas. Dificulta muito e praticamente impossibilita qualquer chance de o Haddad conseguir chegar, de fato, em zero no ano que vem, porque a pressão em cima dele vai ser muito grande.”
Em café da manhã com jornalistas, Lula afirmou que um rombo de 0,5% ou 0,25% não é “nada” e reforçou que vai tomar a decisão “que seja melhor para o Brasil”. “Tudo que a gente puder fazer para cumprir a meta fiscal, a gente vai fazer. O que posso dizer é que ela não precisa ser zero. A gente não precisa disso. Eu não vou estabelecer uma meta fiscal que me obrigue a começar o ano fazendo um corte de bilhões nas obras que são prioritárias nesse País”, disse Lula.
Aprovado em agosto, o arcabouço fiscal estabelece que o governo precisa entregar resultado primário zero já no ano que vem e, gradativamente, alcançar um superávit (saldo positivo) de 1% do PIB em 2026, último ano do mandato. A meta de cada ano tem uma margem de tolerância de 0,25 ponto porcentual para mais ou para menos. Se o governo não alcançar o piso da meta, as despesas só poderão crescer 50% da variação de receita, em vez de 70%, como prevê o desenho original.
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Então, para ficar dentro do intervalo de tolerância da nova regra em 2024, uma vez que a meta é zerar o rombo, o governo precisaria entregar um déficit de, no máximo, 0,25% do PIB. Um resultado inferior implicaria um crescimento menor de despesas no ano seguinte.
Olho no esforço
No cenário dos economistas, já era dado como certo que o governo não iria cumprir a meta de resultado primário zero em 2024 - hoje, as projeções estão entre um déficit primário entre 0,5% e 1%. O que analistas acompanham é o esforço da equipe econômica para tentar reduzir esse rombo. Em público, Haddad sempre pregou o déficit zero.
“O mercado estava se debatendo quando isso iria acontecer. Ninguém achava que o governo iria entregar essa meta de zero, mas eu acho que a forma com a qual isso é feito faz diferença. Seria muito mais palatável para o mercado se a gente entrasse no ano que vem ainda com a meta de pé”, afirma Luciano Sobral, economista-chefe da Neo Investimentos. “Antes de o arcabouço entrar (em vigor), o próprio presidente da República já diz que a meta não será levada a sério.”
A promessa de zerar o rombo das contas públicas sempre foi considerada ambiciosa diante da decisão do governo Lula de bancar um forte aumento de gastos e porque depende de medidas bilionárias que passam pela aprovação do Congresso. Ao todo, são R$ 168,5 bilhões em receitas extras para entregar o resultado primário zero no ano que vem.
As contas públicas se transformaram num dos principais nó da economia brasileira. Sem um superávit primário, o País não vai conseguir estancar o aumento do seu endividamento, considerado elevado para uma economia emergente, o que aumenta a percepção de risco dos investidores com o País. Depois da fala de Lula desta sexta-feira, o dólar começou a subir e voltou para a casa dos R$ 5, e a Bolsa de Valores aumentou a queda, para o patamar dos 113 mil pontos.
“A declaração de Lula muda um pouco o jogo, porque, primeiro, é um desprestígio ao trabalho que a área econômica vem fazendo e mostra que na cabeça do presidente o melhor a fazer é mudar a meta. Isso vai fazer com que o Congresso e o mundo político sejam menos ambiciosos nessa tentativa de reequilibrar a questão fiscal”, afirma Silvio Campos Neto, economista e sócio da consultoria Tendências.
“Também preocupa quando ele diz que também não quer uma meta que o obrigue a cortar bilhões no início do ano. Isso mostra que ele não quer fazer os contingenciamentos, que são exigências do próprio arcabouço fiscal”, acrescenta.