‘Vamos incluir o Brasil na medicina de precisão’, diz Criadora do Genoma do Brasil


Pesquisadora Lygia da Veiga Pereira recorre à economia privada para obter um salto tecnológico na saúde

Por Sonia Racy
Atualização:

À frente da startup Gen-t, que busca aplicar a tecnologia à genética, a professora e pesquisadora Lygia da Veiga Pereira tem em mente uma causa ambiciosa e vital: inserir a população brasileira na era da medicina de precisão – que investiga problemas de saúde a partir da genética e leva a diagnósticos muito mais completos e exatos. Isso passa pelo sequenciamento dos genomas de 200 mil brasileiros. E levará à criação de um banco de genomas “abrasileirado”, de uma sociedade que resultou da miscigenação de europeus, indígenas e africanos.

Esse desafio é o “ponto de chegada” de uma longa preparação. Bacharel em Física pela PUC do Rio, Lygia é Ph.D em Genética Humana pela Mount Sinai School of Medicine, de Nova York, e, entre outros trabalhos, ajudou a produzir os primeiros camundongos transgênicos do Brasil em 2001. “A demanda por diversidade, nessa questão dos genomas, tem crescido muito – e o Brasil tem grande contribuição a dar graças à miscigenação, à ancestralidade indígena e africana”, ressalta a pesquisadora, lembrando que os bancos de genética europeus e americanos só têm pesquisa sobre populações brancas. A seguir, os principais trechos da conversa de Lygia com Cenários.

Lygia da Veiga: ‘Ser cientista no Brasil não é para os fracos, não’  Foto: Lygia da Veiga Pereira/Arquivo Pessoal
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Depois de 38 anos aprendendo e ensinando em universidades, você virou empreendedora. Por quê?

Entrei na faculdade em 1984, fiz vestibular, graduação, mestrado, doutorado, sou professora na USP há 26 anos. Todos os nossos projetos de pesquisa são empreendimentos, mas é diferente. Sempre tive vontade de conhecer o mundo da iniciativa privada, onde poderia desenvolver o potencial do projeto Gen-t, que a meu ver pode representar um impacto muito grande para a saúde da população do País. Tem sido uma experiência incrível.

Você começou bem, com apoio de três figuras de peso. Como está o trabalho?

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Quem começou acreditando foi o Edu Mufarrej, e achamos isso ótimo. Edu trouxe o Armínio Fraga e o Daniel Goldberg, pessoas que sabem muito sobre ganho financeiro e que pensam o Brasil o tempo inteiro. E o desafio é: como transformar o DNA brasileiro em produto?

Eles têm a resposta?

No mundo desenvolvido a indústria farmacêutica e de biotecnologia já sabe como. No desenvolvimento de medicamentos e testes, sabem utilizar – para produzir a cura – o conhecimento obtido com DNA de algumas populações, mas não de todas. E entender o genoma de diferentes populações é essencial para se saber por que alguns grupos desenvolvem certas doenças e outros não. O desafio que enfrentamos hoje é que 80% dos genomas disponíveis para pesquisa são de pessoas brancas, da Europa e dos Estados Unidos.

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Por que isso é importante?

A diversidade de genes pode permitir diagnósticos mais precisos – e o Brasil tem muito a contribuir graças à miscigenação, à ancestralidade indígena e africana. Daí surgiu a ideia da empresa Gen-t – que é a soma de genética com tecnologia.

É coisa do governo ou só da iniciativa privada?

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Os dois lados se complementam. O Programa Genomas do Brasil começou privado. Em 2019, o Ministério da Saúde encampou – o então ministro Luiz Mandetta adorou. Há empresas atuando nesse nosso modelo do Gen-t. O desafio, lá fora, é encontrar pessoas de ancestralidade não europeia. É bom lembrar que 50% dos africanos que foram escravizados em seus países vieram para o Brasil, se misturando com europeus e indígenas. Um território farto e inexplorado de genomas. E com isso a gente está começando a incluir a população brasileira na medicina de precisão. Enquanto não conhecermos a genética do brasileiro, não teremos como nos beneficiar das maravilhas dos atuais diagnósticos preditivos. E desperdiçamos recursos públicos por falta de diagnósticos mais precisos.

Pode dar um exemplo prático disso?

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A partir dos 40 anos, aumenta o risco de mulheres terem câncer de mama. Daí, elas fazem mamografia todo ano. Com modelos genéticos mais precisos se poderia descobrir que, em muitos casos, esse risco só aparece depois dos 60 ou 70 anos. Que economia de recursos e de tempo poderemos ter, incluindo a nossa população na medicina de precisão.

Nessa luta, como os governos têm tratado a ciência?

Ah, ser cientista no Brasil não é para fracos, não. Eu acho que, enquanto governo e população não entenderem que a ciência é a base do desenvolvimento, não adianta diminuir o imposto da linha branca ou do automóvel. Em termos de ciência, tivemos uma destruição nos últimos quatro anos.

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Que conselhos daria ao governo que está entrando?

Para reconstruir tudo é preciso vontade política. Eu sei que temos 33 milhões de pessoas com fome, há tantas demandas urgentes, mas precisamos muito de ter uma base de ciência para o desenvolvimento. Políticas públicas nas áreas social, de energia, de saúde. Eu não acredito em vida inteligente fora do método científico. É tudo questão de vontade política. O Brasil tem suas limitações no desenvolvimento científico não porque seus cérebros sejam menos desenvolvidos. É por falta de vontade política. Gente capacitada temos à beça.

À frente da startup Gen-t, que busca aplicar a tecnologia à genética, a professora e pesquisadora Lygia da Veiga Pereira tem em mente uma causa ambiciosa e vital: inserir a população brasileira na era da medicina de precisão – que investiga problemas de saúde a partir da genética e leva a diagnósticos muito mais completos e exatos. Isso passa pelo sequenciamento dos genomas de 200 mil brasileiros. E levará à criação de um banco de genomas “abrasileirado”, de uma sociedade que resultou da miscigenação de europeus, indígenas e africanos.

Esse desafio é o “ponto de chegada” de uma longa preparação. Bacharel em Física pela PUC do Rio, Lygia é Ph.D em Genética Humana pela Mount Sinai School of Medicine, de Nova York, e, entre outros trabalhos, ajudou a produzir os primeiros camundongos transgênicos do Brasil em 2001. “A demanda por diversidade, nessa questão dos genomas, tem crescido muito – e o Brasil tem grande contribuição a dar graças à miscigenação, à ancestralidade indígena e africana”, ressalta a pesquisadora, lembrando que os bancos de genética europeus e americanos só têm pesquisa sobre populações brancas. A seguir, os principais trechos da conversa de Lygia com Cenários.

Lygia da Veiga: ‘Ser cientista no Brasil não é para os fracos, não’  Foto: Lygia da Veiga Pereira/Arquivo Pessoal

Depois de 38 anos aprendendo e ensinando em universidades, você virou empreendedora. Por quê?

Entrei na faculdade em 1984, fiz vestibular, graduação, mestrado, doutorado, sou professora na USP há 26 anos. Todos os nossos projetos de pesquisa são empreendimentos, mas é diferente. Sempre tive vontade de conhecer o mundo da iniciativa privada, onde poderia desenvolver o potencial do projeto Gen-t, que a meu ver pode representar um impacto muito grande para a saúde da população do País. Tem sido uma experiência incrível.

Você começou bem, com apoio de três figuras de peso. Como está o trabalho?

Quem começou acreditando foi o Edu Mufarrej, e achamos isso ótimo. Edu trouxe o Armínio Fraga e o Daniel Goldberg, pessoas que sabem muito sobre ganho financeiro e que pensam o Brasil o tempo inteiro. E o desafio é: como transformar o DNA brasileiro em produto?

Eles têm a resposta?

No mundo desenvolvido a indústria farmacêutica e de biotecnologia já sabe como. No desenvolvimento de medicamentos e testes, sabem utilizar – para produzir a cura – o conhecimento obtido com DNA de algumas populações, mas não de todas. E entender o genoma de diferentes populações é essencial para se saber por que alguns grupos desenvolvem certas doenças e outros não. O desafio que enfrentamos hoje é que 80% dos genomas disponíveis para pesquisa são de pessoas brancas, da Europa e dos Estados Unidos.

Por que isso é importante?

A diversidade de genes pode permitir diagnósticos mais precisos – e o Brasil tem muito a contribuir graças à miscigenação, à ancestralidade indígena e africana. Daí surgiu a ideia da empresa Gen-t – que é a soma de genética com tecnologia.

É coisa do governo ou só da iniciativa privada?

Os dois lados se complementam. O Programa Genomas do Brasil começou privado. Em 2019, o Ministério da Saúde encampou – o então ministro Luiz Mandetta adorou. Há empresas atuando nesse nosso modelo do Gen-t. O desafio, lá fora, é encontrar pessoas de ancestralidade não europeia. É bom lembrar que 50% dos africanos que foram escravizados em seus países vieram para o Brasil, se misturando com europeus e indígenas. Um território farto e inexplorado de genomas. E com isso a gente está começando a incluir a população brasileira na medicina de precisão. Enquanto não conhecermos a genética do brasileiro, não teremos como nos beneficiar das maravilhas dos atuais diagnósticos preditivos. E desperdiçamos recursos públicos por falta de diagnósticos mais precisos.

Pode dar um exemplo prático disso?

A partir dos 40 anos, aumenta o risco de mulheres terem câncer de mama. Daí, elas fazem mamografia todo ano. Com modelos genéticos mais precisos se poderia descobrir que, em muitos casos, esse risco só aparece depois dos 60 ou 70 anos. Que economia de recursos e de tempo poderemos ter, incluindo a nossa população na medicina de precisão.

Nessa luta, como os governos têm tratado a ciência?

Ah, ser cientista no Brasil não é para fracos, não. Eu acho que, enquanto governo e população não entenderem que a ciência é a base do desenvolvimento, não adianta diminuir o imposto da linha branca ou do automóvel. Em termos de ciência, tivemos uma destruição nos últimos quatro anos.

Que conselhos daria ao governo que está entrando?

Para reconstruir tudo é preciso vontade política. Eu sei que temos 33 milhões de pessoas com fome, há tantas demandas urgentes, mas precisamos muito de ter uma base de ciência para o desenvolvimento. Políticas públicas nas áreas social, de energia, de saúde. Eu não acredito em vida inteligente fora do método científico. É tudo questão de vontade política. O Brasil tem suas limitações no desenvolvimento científico não porque seus cérebros sejam menos desenvolvidos. É por falta de vontade política. Gente capacitada temos à beça.

À frente da startup Gen-t, que busca aplicar a tecnologia à genética, a professora e pesquisadora Lygia da Veiga Pereira tem em mente uma causa ambiciosa e vital: inserir a população brasileira na era da medicina de precisão – que investiga problemas de saúde a partir da genética e leva a diagnósticos muito mais completos e exatos. Isso passa pelo sequenciamento dos genomas de 200 mil brasileiros. E levará à criação de um banco de genomas “abrasileirado”, de uma sociedade que resultou da miscigenação de europeus, indígenas e africanos.

Esse desafio é o “ponto de chegada” de uma longa preparação. Bacharel em Física pela PUC do Rio, Lygia é Ph.D em Genética Humana pela Mount Sinai School of Medicine, de Nova York, e, entre outros trabalhos, ajudou a produzir os primeiros camundongos transgênicos do Brasil em 2001. “A demanda por diversidade, nessa questão dos genomas, tem crescido muito – e o Brasil tem grande contribuição a dar graças à miscigenação, à ancestralidade indígena e africana”, ressalta a pesquisadora, lembrando que os bancos de genética europeus e americanos só têm pesquisa sobre populações brancas. A seguir, os principais trechos da conversa de Lygia com Cenários.

Lygia da Veiga: ‘Ser cientista no Brasil não é para os fracos, não’  Foto: Lygia da Veiga Pereira/Arquivo Pessoal

Depois de 38 anos aprendendo e ensinando em universidades, você virou empreendedora. Por quê?

Entrei na faculdade em 1984, fiz vestibular, graduação, mestrado, doutorado, sou professora na USP há 26 anos. Todos os nossos projetos de pesquisa são empreendimentos, mas é diferente. Sempre tive vontade de conhecer o mundo da iniciativa privada, onde poderia desenvolver o potencial do projeto Gen-t, que a meu ver pode representar um impacto muito grande para a saúde da população do País. Tem sido uma experiência incrível.

Você começou bem, com apoio de três figuras de peso. Como está o trabalho?

Quem começou acreditando foi o Edu Mufarrej, e achamos isso ótimo. Edu trouxe o Armínio Fraga e o Daniel Goldberg, pessoas que sabem muito sobre ganho financeiro e que pensam o Brasil o tempo inteiro. E o desafio é: como transformar o DNA brasileiro em produto?

Eles têm a resposta?

No mundo desenvolvido a indústria farmacêutica e de biotecnologia já sabe como. No desenvolvimento de medicamentos e testes, sabem utilizar – para produzir a cura – o conhecimento obtido com DNA de algumas populações, mas não de todas. E entender o genoma de diferentes populações é essencial para se saber por que alguns grupos desenvolvem certas doenças e outros não. O desafio que enfrentamos hoje é que 80% dos genomas disponíveis para pesquisa são de pessoas brancas, da Europa e dos Estados Unidos.

Por que isso é importante?

A diversidade de genes pode permitir diagnósticos mais precisos – e o Brasil tem muito a contribuir graças à miscigenação, à ancestralidade indígena e africana. Daí surgiu a ideia da empresa Gen-t – que é a soma de genética com tecnologia.

É coisa do governo ou só da iniciativa privada?

Os dois lados se complementam. O Programa Genomas do Brasil começou privado. Em 2019, o Ministério da Saúde encampou – o então ministro Luiz Mandetta adorou. Há empresas atuando nesse nosso modelo do Gen-t. O desafio, lá fora, é encontrar pessoas de ancestralidade não europeia. É bom lembrar que 50% dos africanos que foram escravizados em seus países vieram para o Brasil, se misturando com europeus e indígenas. Um território farto e inexplorado de genomas. E com isso a gente está começando a incluir a população brasileira na medicina de precisão. Enquanto não conhecermos a genética do brasileiro, não teremos como nos beneficiar das maravilhas dos atuais diagnósticos preditivos. E desperdiçamos recursos públicos por falta de diagnósticos mais precisos.

Pode dar um exemplo prático disso?

A partir dos 40 anos, aumenta o risco de mulheres terem câncer de mama. Daí, elas fazem mamografia todo ano. Com modelos genéticos mais precisos se poderia descobrir que, em muitos casos, esse risco só aparece depois dos 60 ou 70 anos. Que economia de recursos e de tempo poderemos ter, incluindo a nossa população na medicina de precisão.

Nessa luta, como os governos têm tratado a ciência?

Ah, ser cientista no Brasil não é para fracos, não. Eu acho que, enquanto governo e população não entenderem que a ciência é a base do desenvolvimento, não adianta diminuir o imposto da linha branca ou do automóvel. Em termos de ciência, tivemos uma destruição nos últimos quatro anos.

Que conselhos daria ao governo que está entrando?

Para reconstruir tudo é preciso vontade política. Eu sei que temos 33 milhões de pessoas com fome, há tantas demandas urgentes, mas precisamos muito de ter uma base de ciência para o desenvolvimento. Políticas públicas nas áreas social, de energia, de saúde. Eu não acredito em vida inteligente fora do método científico. É tudo questão de vontade política. O Brasil tem suas limitações no desenvolvimento científico não porque seus cérebros sejam menos desenvolvidos. É por falta de vontade política. Gente capacitada temos à beça.

À frente da startup Gen-t, que busca aplicar a tecnologia à genética, a professora e pesquisadora Lygia da Veiga Pereira tem em mente uma causa ambiciosa e vital: inserir a população brasileira na era da medicina de precisão – que investiga problemas de saúde a partir da genética e leva a diagnósticos muito mais completos e exatos. Isso passa pelo sequenciamento dos genomas de 200 mil brasileiros. E levará à criação de um banco de genomas “abrasileirado”, de uma sociedade que resultou da miscigenação de europeus, indígenas e africanos.

Esse desafio é o “ponto de chegada” de uma longa preparação. Bacharel em Física pela PUC do Rio, Lygia é Ph.D em Genética Humana pela Mount Sinai School of Medicine, de Nova York, e, entre outros trabalhos, ajudou a produzir os primeiros camundongos transgênicos do Brasil em 2001. “A demanda por diversidade, nessa questão dos genomas, tem crescido muito – e o Brasil tem grande contribuição a dar graças à miscigenação, à ancestralidade indígena e africana”, ressalta a pesquisadora, lembrando que os bancos de genética europeus e americanos só têm pesquisa sobre populações brancas. A seguir, os principais trechos da conversa de Lygia com Cenários.

Lygia da Veiga: ‘Ser cientista no Brasil não é para os fracos, não’  Foto: Lygia da Veiga Pereira/Arquivo Pessoal

Depois de 38 anos aprendendo e ensinando em universidades, você virou empreendedora. Por quê?

Entrei na faculdade em 1984, fiz vestibular, graduação, mestrado, doutorado, sou professora na USP há 26 anos. Todos os nossos projetos de pesquisa são empreendimentos, mas é diferente. Sempre tive vontade de conhecer o mundo da iniciativa privada, onde poderia desenvolver o potencial do projeto Gen-t, que a meu ver pode representar um impacto muito grande para a saúde da população do País. Tem sido uma experiência incrível.

Você começou bem, com apoio de três figuras de peso. Como está o trabalho?

Quem começou acreditando foi o Edu Mufarrej, e achamos isso ótimo. Edu trouxe o Armínio Fraga e o Daniel Goldberg, pessoas que sabem muito sobre ganho financeiro e que pensam o Brasil o tempo inteiro. E o desafio é: como transformar o DNA brasileiro em produto?

Eles têm a resposta?

No mundo desenvolvido a indústria farmacêutica e de biotecnologia já sabe como. No desenvolvimento de medicamentos e testes, sabem utilizar – para produzir a cura – o conhecimento obtido com DNA de algumas populações, mas não de todas. E entender o genoma de diferentes populações é essencial para se saber por que alguns grupos desenvolvem certas doenças e outros não. O desafio que enfrentamos hoje é que 80% dos genomas disponíveis para pesquisa são de pessoas brancas, da Europa e dos Estados Unidos.

Por que isso é importante?

A diversidade de genes pode permitir diagnósticos mais precisos – e o Brasil tem muito a contribuir graças à miscigenação, à ancestralidade indígena e africana. Daí surgiu a ideia da empresa Gen-t – que é a soma de genética com tecnologia.

É coisa do governo ou só da iniciativa privada?

Os dois lados se complementam. O Programa Genomas do Brasil começou privado. Em 2019, o Ministério da Saúde encampou – o então ministro Luiz Mandetta adorou. Há empresas atuando nesse nosso modelo do Gen-t. O desafio, lá fora, é encontrar pessoas de ancestralidade não europeia. É bom lembrar que 50% dos africanos que foram escravizados em seus países vieram para o Brasil, se misturando com europeus e indígenas. Um território farto e inexplorado de genomas. E com isso a gente está começando a incluir a população brasileira na medicina de precisão. Enquanto não conhecermos a genética do brasileiro, não teremos como nos beneficiar das maravilhas dos atuais diagnósticos preditivos. E desperdiçamos recursos públicos por falta de diagnósticos mais precisos.

Pode dar um exemplo prático disso?

A partir dos 40 anos, aumenta o risco de mulheres terem câncer de mama. Daí, elas fazem mamografia todo ano. Com modelos genéticos mais precisos se poderia descobrir que, em muitos casos, esse risco só aparece depois dos 60 ou 70 anos. Que economia de recursos e de tempo poderemos ter, incluindo a nossa população na medicina de precisão.

Nessa luta, como os governos têm tratado a ciência?

Ah, ser cientista no Brasil não é para fracos, não. Eu acho que, enquanto governo e população não entenderem que a ciência é a base do desenvolvimento, não adianta diminuir o imposto da linha branca ou do automóvel. Em termos de ciência, tivemos uma destruição nos últimos quatro anos.

Que conselhos daria ao governo que está entrando?

Para reconstruir tudo é preciso vontade política. Eu sei que temos 33 milhões de pessoas com fome, há tantas demandas urgentes, mas precisamos muito de ter uma base de ciência para o desenvolvimento. Políticas públicas nas áreas social, de energia, de saúde. Eu não acredito em vida inteligente fora do método científico. É tudo questão de vontade política. O Brasil tem suas limitações no desenvolvimento científico não porque seus cérebros sejam menos desenvolvidos. É por falta de vontade política. Gente capacitada temos à beça.

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