Opinião|Má-fé e desinformação reinam no debate sobre pastores e impostos


É incorreto dizer que pastores desfrutam de isenção do Imposto de Renda, assim como também é errado afirmar que governo esteja praticando ‘igrejofobia’

Por Franco Iacomini
Atualização:

A repercussão do ato da Receita Federal sobre o recolhimento previdenciário de pastores resulta em uma verdadeira aula sobre má-fé, desinformação e oportunismo.

É má-fé espalhar que algum pastor desfruta de isenção de Imposto de Renda. É desinformação dizer que, por suspender a vigência de um documento administrativo, o governo esteja praticando “igrejofobia”. O governo sabe que a medida tomada pela Receita anula um excesso admitido pela administração anterior e é, legalmente, inócua, porque há legislação recente sobre o assunto.

Como não sabe se comunicar, não informa isso (nem mesmo no próprio ato, deixando de observar que lei aprovada em agosto de 2023 trata do tema). As frentes parlamentares que se denominam evangélicas deixam a desinformação correr solta, e colocam lenha na fogueira com uma “nota de repúdio” que usa a expressão “isenção tributária” e com entrevistas que falam em “cristofobia” e “sacerdotiofobia”.

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O primeiro destaque a fazer é que não há “isenção de impostos para pastores”, “isenção tributária” ou isenção de qualquer coisa. Os vencimentos de pastores são e sempre foram sujeitos ao Imposto de Renda.

Um resumo do caso: em 17 de janeiro o Diário Oficial da União publicou ato do secretário especial da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, que suspendia a eficácia de outro documento do mesmo tipo (tecnicamente, um Ato Declaratório Interpretativo, pelo qual o órgão público orienta seus agentes no entendimento e aplicação das regras legais).

O ato anulado, assinado em agosto de 2022 pelo ex-chefe da Receita Julio Cesar Vieira Gomes, assegurava que os valores pagos aos ministros de confissão religiosa por entidades religiosas e instituições de ensino vocacional “não são considerados como remuneração direta ou indireta” e que, por isso, esses contribuintes devem ser considerados contribuintes individuais.

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Com isso, a organização que faz o pagamento não tem a obrigação de recolher as contribuições para a Previdência Social, isso cabe aos próprios segurados. Segundo o texto, essa regra é para “ministros de confissão religiosa” e “membros de instituto de vida consagrada”, não para pastores evangélicos. Ou seja, vale para qualquer ministro religioso remunerado, não importa qual vertente, cristã ou não cristã.

Fernando Haddad, ministro da Fazenda, durante reunião com parlamentares da Frente Parlamentar Evangélica Foto: Gustavo Raniere/ME

Não há muita novidade nisso. Já em 1979 foi aprovada pelo Congresso e sancionada pela Presidência uma lei equiparando ministros religiosos a trabalhadores autônomos. Em agosto de 2023, uma nova lei reforçou isso, alterando a Consolidação das Leis do Trabalho para incluir norma nesse sentido — o projeto foi apresentado em 2019 pelos deputados Vinícius Carvalho (Republicanos) e Roberto Alves, ambos ligados à Igreja Universal do Reino de Deus e membros da tal frente parlamentar.

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As organizações cristãs costumam trabalhar com o princípio de que o ministro não é empregado da instituição e, por isso, não é subordinado ao mando de diretorias; seu patrão é Deus e ele presta serviços em um ou outro local. A legislação, assim, respeita e acolhe esta prática, como deve ser quando há separação entre igreja e Estado. Talvez até seria melhor se o recolhimento fosse descontado em folha, porque é frequente que pastores deixem de pagar o INSS e fiquem desassistidos quando chegam à idade da aposentadoria.

O ato de Vieira Gomes, assinado no início da campanha eleitoral em que Jair Bolsonaro tentaria a reeleição, não era fortuito. A Receita vinha observando que, em algumas instituições, havia flutuações nos pagamentos dessa remuneração — que costuma ser chamada de “prebenda” nos meios evangélicos e “côngrua” entre os católicos. Com isso, suspeitava que ela vinha sendo usada para fazer repasses adicionais, que deveriam ser taxados pela Previdência. O Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal observa que, à época, as instituições confessionais detinham um débito de R$ 951 milhões com a Previdência.

No ato de 2022, Vieira Gomes declarava que “a existência de diferenciação quanto ao montante e à forma nos valores despendidos com os ministros e membros, comprovada em atos constitutivos, normas internas ou em outros documentos hábeis da instituição religiosa, que pode ocorrer em função de critérios como antiguidade na instituição, grau de instrução, irredutibilidade dos valores, número de dependentes, posição hierárquica e local do domicílio, não caracteriza esses valores como remuneração sujeita à contribuição”.

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Com isso, abria às igrejas que vinham sendo cobradas a oportunidade de pedir o cancelamento daquelas dívidas. Foi um aceno a um público importante nos grupos sociais que apoiaram Bolsonaro nas eleições de 2018 e 2022 e um contorcionismo legal.

Essa é a história. Mas como ela se transformou em uma discussão sobre isenção de Imposto de Renda para os pastores, que é como muitos em redes sociais vêm tratando o tema?

Pastores não têm isenção de Imposto de Renda. Ele deve ser recolhido pela fonte pagadora ou, quando for o caso, individualmente via carnê leão. E deveriam recolher a Previdência.

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Mas há certa predisposição contra as igrejas pelo fato de que elas são imunes à tributação — de novo, em decorrência da separação igreja-Estado. E há uma disposição de deixar correr a desinformação para aproveitar-se dela em um ambiente político polarizado.

A repercussão do ato da Receita Federal sobre o recolhimento previdenciário de pastores resulta em uma verdadeira aula sobre má-fé, desinformação e oportunismo.

É má-fé espalhar que algum pastor desfruta de isenção de Imposto de Renda. É desinformação dizer que, por suspender a vigência de um documento administrativo, o governo esteja praticando “igrejofobia”. O governo sabe que a medida tomada pela Receita anula um excesso admitido pela administração anterior e é, legalmente, inócua, porque há legislação recente sobre o assunto.

Como não sabe se comunicar, não informa isso (nem mesmo no próprio ato, deixando de observar que lei aprovada em agosto de 2023 trata do tema). As frentes parlamentares que se denominam evangélicas deixam a desinformação correr solta, e colocam lenha na fogueira com uma “nota de repúdio” que usa a expressão “isenção tributária” e com entrevistas que falam em “cristofobia” e “sacerdotiofobia”.

O primeiro destaque a fazer é que não há “isenção de impostos para pastores”, “isenção tributária” ou isenção de qualquer coisa. Os vencimentos de pastores são e sempre foram sujeitos ao Imposto de Renda.

Um resumo do caso: em 17 de janeiro o Diário Oficial da União publicou ato do secretário especial da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, que suspendia a eficácia de outro documento do mesmo tipo (tecnicamente, um Ato Declaratório Interpretativo, pelo qual o órgão público orienta seus agentes no entendimento e aplicação das regras legais).

O ato anulado, assinado em agosto de 2022 pelo ex-chefe da Receita Julio Cesar Vieira Gomes, assegurava que os valores pagos aos ministros de confissão religiosa por entidades religiosas e instituições de ensino vocacional “não são considerados como remuneração direta ou indireta” e que, por isso, esses contribuintes devem ser considerados contribuintes individuais.

Com isso, a organização que faz o pagamento não tem a obrigação de recolher as contribuições para a Previdência Social, isso cabe aos próprios segurados. Segundo o texto, essa regra é para “ministros de confissão religiosa” e “membros de instituto de vida consagrada”, não para pastores evangélicos. Ou seja, vale para qualquer ministro religioso remunerado, não importa qual vertente, cristã ou não cristã.

Fernando Haddad, ministro da Fazenda, durante reunião com parlamentares da Frente Parlamentar Evangélica Foto: Gustavo Raniere/ME

Não há muita novidade nisso. Já em 1979 foi aprovada pelo Congresso e sancionada pela Presidência uma lei equiparando ministros religiosos a trabalhadores autônomos. Em agosto de 2023, uma nova lei reforçou isso, alterando a Consolidação das Leis do Trabalho para incluir norma nesse sentido — o projeto foi apresentado em 2019 pelos deputados Vinícius Carvalho (Republicanos) e Roberto Alves, ambos ligados à Igreja Universal do Reino de Deus e membros da tal frente parlamentar.

As organizações cristãs costumam trabalhar com o princípio de que o ministro não é empregado da instituição e, por isso, não é subordinado ao mando de diretorias; seu patrão é Deus e ele presta serviços em um ou outro local. A legislação, assim, respeita e acolhe esta prática, como deve ser quando há separação entre igreja e Estado. Talvez até seria melhor se o recolhimento fosse descontado em folha, porque é frequente que pastores deixem de pagar o INSS e fiquem desassistidos quando chegam à idade da aposentadoria.

O ato de Vieira Gomes, assinado no início da campanha eleitoral em que Jair Bolsonaro tentaria a reeleição, não era fortuito. A Receita vinha observando que, em algumas instituições, havia flutuações nos pagamentos dessa remuneração — que costuma ser chamada de “prebenda” nos meios evangélicos e “côngrua” entre os católicos. Com isso, suspeitava que ela vinha sendo usada para fazer repasses adicionais, que deveriam ser taxados pela Previdência. O Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal observa que, à época, as instituições confessionais detinham um débito de R$ 951 milhões com a Previdência.

No ato de 2022, Vieira Gomes declarava que “a existência de diferenciação quanto ao montante e à forma nos valores despendidos com os ministros e membros, comprovada em atos constitutivos, normas internas ou em outros documentos hábeis da instituição religiosa, que pode ocorrer em função de critérios como antiguidade na instituição, grau de instrução, irredutibilidade dos valores, número de dependentes, posição hierárquica e local do domicílio, não caracteriza esses valores como remuneração sujeita à contribuição”.

Com isso, abria às igrejas que vinham sendo cobradas a oportunidade de pedir o cancelamento daquelas dívidas. Foi um aceno a um público importante nos grupos sociais que apoiaram Bolsonaro nas eleições de 2018 e 2022 e um contorcionismo legal.

Essa é a história. Mas como ela se transformou em uma discussão sobre isenção de Imposto de Renda para os pastores, que é como muitos em redes sociais vêm tratando o tema?

Pastores não têm isenção de Imposto de Renda. Ele deve ser recolhido pela fonte pagadora ou, quando for o caso, individualmente via carnê leão. E deveriam recolher a Previdência.

Mas há certa predisposição contra as igrejas pelo fato de que elas são imunes à tributação — de novo, em decorrência da separação igreja-Estado. E há uma disposição de deixar correr a desinformação para aproveitar-se dela em um ambiente político polarizado.

A repercussão do ato da Receita Federal sobre o recolhimento previdenciário de pastores resulta em uma verdadeira aula sobre má-fé, desinformação e oportunismo.

É má-fé espalhar que algum pastor desfruta de isenção de Imposto de Renda. É desinformação dizer que, por suspender a vigência de um documento administrativo, o governo esteja praticando “igrejofobia”. O governo sabe que a medida tomada pela Receita anula um excesso admitido pela administração anterior e é, legalmente, inócua, porque há legislação recente sobre o assunto.

Como não sabe se comunicar, não informa isso (nem mesmo no próprio ato, deixando de observar que lei aprovada em agosto de 2023 trata do tema). As frentes parlamentares que se denominam evangélicas deixam a desinformação correr solta, e colocam lenha na fogueira com uma “nota de repúdio” que usa a expressão “isenção tributária” e com entrevistas que falam em “cristofobia” e “sacerdotiofobia”.

O primeiro destaque a fazer é que não há “isenção de impostos para pastores”, “isenção tributária” ou isenção de qualquer coisa. Os vencimentos de pastores são e sempre foram sujeitos ao Imposto de Renda.

Um resumo do caso: em 17 de janeiro o Diário Oficial da União publicou ato do secretário especial da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, que suspendia a eficácia de outro documento do mesmo tipo (tecnicamente, um Ato Declaratório Interpretativo, pelo qual o órgão público orienta seus agentes no entendimento e aplicação das regras legais).

O ato anulado, assinado em agosto de 2022 pelo ex-chefe da Receita Julio Cesar Vieira Gomes, assegurava que os valores pagos aos ministros de confissão religiosa por entidades religiosas e instituições de ensino vocacional “não são considerados como remuneração direta ou indireta” e que, por isso, esses contribuintes devem ser considerados contribuintes individuais.

Com isso, a organização que faz o pagamento não tem a obrigação de recolher as contribuições para a Previdência Social, isso cabe aos próprios segurados. Segundo o texto, essa regra é para “ministros de confissão religiosa” e “membros de instituto de vida consagrada”, não para pastores evangélicos. Ou seja, vale para qualquer ministro religioso remunerado, não importa qual vertente, cristã ou não cristã.

Fernando Haddad, ministro da Fazenda, durante reunião com parlamentares da Frente Parlamentar Evangélica Foto: Gustavo Raniere/ME

Não há muita novidade nisso. Já em 1979 foi aprovada pelo Congresso e sancionada pela Presidência uma lei equiparando ministros religiosos a trabalhadores autônomos. Em agosto de 2023, uma nova lei reforçou isso, alterando a Consolidação das Leis do Trabalho para incluir norma nesse sentido — o projeto foi apresentado em 2019 pelos deputados Vinícius Carvalho (Republicanos) e Roberto Alves, ambos ligados à Igreja Universal do Reino de Deus e membros da tal frente parlamentar.

As organizações cristãs costumam trabalhar com o princípio de que o ministro não é empregado da instituição e, por isso, não é subordinado ao mando de diretorias; seu patrão é Deus e ele presta serviços em um ou outro local. A legislação, assim, respeita e acolhe esta prática, como deve ser quando há separação entre igreja e Estado. Talvez até seria melhor se o recolhimento fosse descontado em folha, porque é frequente que pastores deixem de pagar o INSS e fiquem desassistidos quando chegam à idade da aposentadoria.

O ato de Vieira Gomes, assinado no início da campanha eleitoral em que Jair Bolsonaro tentaria a reeleição, não era fortuito. A Receita vinha observando que, em algumas instituições, havia flutuações nos pagamentos dessa remuneração — que costuma ser chamada de “prebenda” nos meios evangélicos e “côngrua” entre os católicos. Com isso, suspeitava que ela vinha sendo usada para fazer repasses adicionais, que deveriam ser taxados pela Previdência. O Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal observa que, à época, as instituições confessionais detinham um débito de R$ 951 milhões com a Previdência.

No ato de 2022, Vieira Gomes declarava que “a existência de diferenciação quanto ao montante e à forma nos valores despendidos com os ministros e membros, comprovada em atos constitutivos, normas internas ou em outros documentos hábeis da instituição religiosa, que pode ocorrer em função de critérios como antiguidade na instituição, grau de instrução, irredutibilidade dos valores, número de dependentes, posição hierárquica e local do domicílio, não caracteriza esses valores como remuneração sujeita à contribuição”.

Com isso, abria às igrejas que vinham sendo cobradas a oportunidade de pedir o cancelamento daquelas dívidas. Foi um aceno a um público importante nos grupos sociais que apoiaram Bolsonaro nas eleições de 2018 e 2022 e um contorcionismo legal.

Essa é a história. Mas como ela se transformou em uma discussão sobre isenção de Imposto de Renda para os pastores, que é como muitos em redes sociais vêm tratando o tema?

Pastores não têm isenção de Imposto de Renda. Ele deve ser recolhido pela fonte pagadora ou, quando for o caso, individualmente via carnê leão. E deveriam recolher a Previdência.

Mas há certa predisposição contra as igrejas pelo fato de que elas são imunes à tributação — de novo, em decorrência da separação igreja-Estado. E há uma disposição de deixar correr a desinformação para aproveitar-se dela em um ambiente político polarizado.

A repercussão do ato da Receita Federal sobre o recolhimento previdenciário de pastores resulta em uma verdadeira aula sobre má-fé, desinformação e oportunismo.

É má-fé espalhar que algum pastor desfruta de isenção de Imposto de Renda. É desinformação dizer que, por suspender a vigência de um documento administrativo, o governo esteja praticando “igrejofobia”. O governo sabe que a medida tomada pela Receita anula um excesso admitido pela administração anterior e é, legalmente, inócua, porque há legislação recente sobre o assunto.

Como não sabe se comunicar, não informa isso (nem mesmo no próprio ato, deixando de observar que lei aprovada em agosto de 2023 trata do tema). As frentes parlamentares que se denominam evangélicas deixam a desinformação correr solta, e colocam lenha na fogueira com uma “nota de repúdio” que usa a expressão “isenção tributária” e com entrevistas que falam em “cristofobia” e “sacerdotiofobia”.

O primeiro destaque a fazer é que não há “isenção de impostos para pastores”, “isenção tributária” ou isenção de qualquer coisa. Os vencimentos de pastores são e sempre foram sujeitos ao Imposto de Renda.

Um resumo do caso: em 17 de janeiro o Diário Oficial da União publicou ato do secretário especial da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, que suspendia a eficácia de outro documento do mesmo tipo (tecnicamente, um Ato Declaratório Interpretativo, pelo qual o órgão público orienta seus agentes no entendimento e aplicação das regras legais).

O ato anulado, assinado em agosto de 2022 pelo ex-chefe da Receita Julio Cesar Vieira Gomes, assegurava que os valores pagos aos ministros de confissão religiosa por entidades religiosas e instituições de ensino vocacional “não são considerados como remuneração direta ou indireta” e que, por isso, esses contribuintes devem ser considerados contribuintes individuais.

Com isso, a organização que faz o pagamento não tem a obrigação de recolher as contribuições para a Previdência Social, isso cabe aos próprios segurados. Segundo o texto, essa regra é para “ministros de confissão religiosa” e “membros de instituto de vida consagrada”, não para pastores evangélicos. Ou seja, vale para qualquer ministro religioso remunerado, não importa qual vertente, cristã ou não cristã.

Fernando Haddad, ministro da Fazenda, durante reunião com parlamentares da Frente Parlamentar Evangélica Foto: Gustavo Raniere/ME

Não há muita novidade nisso. Já em 1979 foi aprovada pelo Congresso e sancionada pela Presidência uma lei equiparando ministros religiosos a trabalhadores autônomos. Em agosto de 2023, uma nova lei reforçou isso, alterando a Consolidação das Leis do Trabalho para incluir norma nesse sentido — o projeto foi apresentado em 2019 pelos deputados Vinícius Carvalho (Republicanos) e Roberto Alves, ambos ligados à Igreja Universal do Reino de Deus e membros da tal frente parlamentar.

As organizações cristãs costumam trabalhar com o princípio de que o ministro não é empregado da instituição e, por isso, não é subordinado ao mando de diretorias; seu patrão é Deus e ele presta serviços em um ou outro local. A legislação, assim, respeita e acolhe esta prática, como deve ser quando há separação entre igreja e Estado. Talvez até seria melhor se o recolhimento fosse descontado em folha, porque é frequente que pastores deixem de pagar o INSS e fiquem desassistidos quando chegam à idade da aposentadoria.

O ato de Vieira Gomes, assinado no início da campanha eleitoral em que Jair Bolsonaro tentaria a reeleição, não era fortuito. A Receita vinha observando que, em algumas instituições, havia flutuações nos pagamentos dessa remuneração — que costuma ser chamada de “prebenda” nos meios evangélicos e “côngrua” entre os católicos. Com isso, suspeitava que ela vinha sendo usada para fazer repasses adicionais, que deveriam ser taxados pela Previdência. O Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal observa que, à época, as instituições confessionais detinham um débito de R$ 951 milhões com a Previdência.

No ato de 2022, Vieira Gomes declarava que “a existência de diferenciação quanto ao montante e à forma nos valores despendidos com os ministros e membros, comprovada em atos constitutivos, normas internas ou em outros documentos hábeis da instituição religiosa, que pode ocorrer em função de critérios como antiguidade na instituição, grau de instrução, irredutibilidade dos valores, número de dependentes, posição hierárquica e local do domicílio, não caracteriza esses valores como remuneração sujeita à contribuição”.

Com isso, abria às igrejas que vinham sendo cobradas a oportunidade de pedir o cancelamento daquelas dívidas. Foi um aceno a um público importante nos grupos sociais que apoiaram Bolsonaro nas eleições de 2018 e 2022 e um contorcionismo legal.

Essa é a história. Mas como ela se transformou em uma discussão sobre isenção de Imposto de Renda para os pastores, que é como muitos em redes sociais vêm tratando o tema?

Pastores não têm isenção de Imposto de Renda. Ele deve ser recolhido pela fonte pagadora ou, quando for o caso, individualmente via carnê leão. E deveriam recolher a Previdência.

Mas há certa predisposição contra as igrejas pelo fato de que elas são imunes à tributação — de novo, em decorrência da separação igreja-Estado. E há uma disposição de deixar correr a desinformação para aproveitar-se dela em um ambiente político polarizado.

A repercussão do ato da Receita Federal sobre o recolhimento previdenciário de pastores resulta em uma verdadeira aula sobre má-fé, desinformação e oportunismo.

É má-fé espalhar que algum pastor desfruta de isenção de Imposto de Renda. É desinformação dizer que, por suspender a vigência de um documento administrativo, o governo esteja praticando “igrejofobia”. O governo sabe que a medida tomada pela Receita anula um excesso admitido pela administração anterior e é, legalmente, inócua, porque há legislação recente sobre o assunto.

Como não sabe se comunicar, não informa isso (nem mesmo no próprio ato, deixando de observar que lei aprovada em agosto de 2023 trata do tema). As frentes parlamentares que se denominam evangélicas deixam a desinformação correr solta, e colocam lenha na fogueira com uma “nota de repúdio” que usa a expressão “isenção tributária” e com entrevistas que falam em “cristofobia” e “sacerdotiofobia”.

O primeiro destaque a fazer é que não há “isenção de impostos para pastores”, “isenção tributária” ou isenção de qualquer coisa. Os vencimentos de pastores são e sempre foram sujeitos ao Imposto de Renda.

Um resumo do caso: em 17 de janeiro o Diário Oficial da União publicou ato do secretário especial da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, que suspendia a eficácia de outro documento do mesmo tipo (tecnicamente, um Ato Declaratório Interpretativo, pelo qual o órgão público orienta seus agentes no entendimento e aplicação das regras legais).

O ato anulado, assinado em agosto de 2022 pelo ex-chefe da Receita Julio Cesar Vieira Gomes, assegurava que os valores pagos aos ministros de confissão religiosa por entidades religiosas e instituições de ensino vocacional “não são considerados como remuneração direta ou indireta” e que, por isso, esses contribuintes devem ser considerados contribuintes individuais.

Com isso, a organização que faz o pagamento não tem a obrigação de recolher as contribuições para a Previdência Social, isso cabe aos próprios segurados. Segundo o texto, essa regra é para “ministros de confissão religiosa” e “membros de instituto de vida consagrada”, não para pastores evangélicos. Ou seja, vale para qualquer ministro religioso remunerado, não importa qual vertente, cristã ou não cristã.

Fernando Haddad, ministro da Fazenda, durante reunião com parlamentares da Frente Parlamentar Evangélica Foto: Gustavo Raniere/ME

Não há muita novidade nisso. Já em 1979 foi aprovada pelo Congresso e sancionada pela Presidência uma lei equiparando ministros religiosos a trabalhadores autônomos. Em agosto de 2023, uma nova lei reforçou isso, alterando a Consolidação das Leis do Trabalho para incluir norma nesse sentido — o projeto foi apresentado em 2019 pelos deputados Vinícius Carvalho (Republicanos) e Roberto Alves, ambos ligados à Igreja Universal do Reino de Deus e membros da tal frente parlamentar.

As organizações cristãs costumam trabalhar com o princípio de que o ministro não é empregado da instituição e, por isso, não é subordinado ao mando de diretorias; seu patrão é Deus e ele presta serviços em um ou outro local. A legislação, assim, respeita e acolhe esta prática, como deve ser quando há separação entre igreja e Estado. Talvez até seria melhor se o recolhimento fosse descontado em folha, porque é frequente que pastores deixem de pagar o INSS e fiquem desassistidos quando chegam à idade da aposentadoria.

O ato de Vieira Gomes, assinado no início da campanha eleitoral em que Jair Bolsonaro tentaria a reeleição, não era fortuito. A Receita vinha observando que, em algumas instituições, havia flutuações nos pagamentos dessa remuneração — que costuma ser chamada de “prebenda” nos meios evangélicos e “côngrua” entre os católicos. Com isso, suspeitava que ela vinha sendo usada para fazer repasses adicionais, que deveriam ser taxados pela Previdência. O Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal observa que, à época, as instituições confessionais detinham um débito de R$ 951 milhões com a Previdência.

No ato de 2022, Vieira Gomes declarava que “a existência de diferenciação quanto ao montante e à forma nos valores despendidos com os ministros e membros, comprovada em atos constitutivos, normas internas ou em outros documentos hábeis da instituição religiosa, que pode ocorrer em função de critérios como antiguidade na instituição, grau de instrução, irredutibilidade dos valores, número de dependentes, posição hierárquica e local do domicílio, não caracteriza esses valores como remuneração sujeita à contribuição”.

Com isso, abria às igrejas que vinham sendo cobradas a oportunidade de pedir o cancelamento daquelas dívidas. Foi um aceno a um público importante nos grupos sociais que apoiaram Bolsonaro nas eleições de 2018 e 2022 e um contorcionismo legal.

Essa é a história. Mas como ela se transformou em uma discussão sobre isenção de Imposto de Renda para os pastores, que é como muitos em redes sociais vêm tratando o tema?

Pastores não têm isenção de Imposto de Renda. Ele deve ser recolhido pela fonte pagadora ou, quando for o caso, individualmente via carnê leão. E deveriam recolher a Previdência.

Mas há certa predisposição contra as igrejas pelo fato de que elas são imunes à tributação — de novo, em decorrência da separação igreja-Estado. E há uma disposição de deixar correr a desinformação para aproveitar-se dela em um ambiente político polarizado.

Opinião por Franco Iacomini

Jornalista do Estadão, mestre em Teologia e doutor em Comunicação e Linguagens

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