Um a um, os magnatas que construíram sua riqueza com a ascensão econômica da China estão desistindo de suas “casas-troféu” em Hong Kong.
Dois apartamentos em uma torre de vidro e aço de Frank Gehry que se desprende da encosta da montanha. Três mansões em estilo europeu com torres e piscinas. Quatro casas brancas imponentes lado a lado.
Todas as propriedades, com exceção de duas, já foram vendidas por dezenas de milhões de dólares cada. E, embora possa ser difícil de acreditar, cada uma delas foi uma pechincha - arrematadas com descontos surpreendentes em relação aos valores anteriores.
Nos últimos 20 anos, os preços dos imóveis em Hong Kong tiveram altas surpreendentes, transformando a cidade em um dos locais mais inacessíveis do mundo, onde os pobres alugavam apartamentos subdivididos tão pequenos que ficaram conhecidos como “casas caixão”.
Agora, muitas das mesmas pessoas que contribuíram para as desigualdades do mercado imobiliário, desde os construtores até os especuladores ricos, se viram forçados a vender rapidamente suas casas luxuosas. Suas riquezas aumentaram com o crescimento do mercado imobiliário da China, e agora com colapso do setor muitos ficaram sem dinheiro.
O mais notável entre eles é Hui Ka Yan, da antiga gigante do setor imobiliário China Evergrande. Os credores confiscaram suas casas em estilo europeu, que valiam mais de US$ 190 milhões (R$ 1 bilhão), depois que a empresa entrou em colapso. Uma delas foi vendida este ano por US$ 58 milhões (R$ 335 milhões), menos da metade dos US$ 130 milhões (R$ 751 milhões) que uma empresa ligada à Evergrande e a Hui havia pago por ela em 2009, segundo a empresa imobiliária global Knight Frank.
Um tribunal de Hong Kong ordenou a liquidação da China Evergrande este ano, dando início a uma busca por parte de seus investidores estrangeiros, que estavam devendo dinheiro, por qualquer coisa que pudesse ser vendida. As autoridades chinesas prenderam Hui no ano passado e o acusaram de fraude.
“Todos estão pedindo dinheiro”, disse Joseph Tang, presidente da empresa imobiliária JLL em Hong Kong. As empresas estão sob pressão, já que a economia continua a desacelerar, o mercado imobiliário está em baixa e o custo dos empréstimos em alta.
“A única coisa que pode ser vendida é o imóvel residencial porque, se você baixar o preço o suficiente, haverá compradores”, disse Tang.
Os ricos da China estão perdendo tanto dinheiro que 432 homens e mulheres foram destituídos de seu status de bilionários nos últimos três anos, de acordo com a Hurun China Rich List, feita por uma empresa de pesquisa com sede em Xangai.
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Famosa por seu horizonte de torres de vidro que já simbolizaram a proeza econômica da cidade, a paisagem de Hong Kong é agora um lembrete visual de seus problemas. A cidade ainda está tentando recuperar seu título de centro financeiro internacional e se recuperar dos danos colaterais causados por anos de políticas rígidas contra a pandemia que, às vezes, impossibilitavam viagens à cidade. Além disso, as mudanças políticas em Hong Kong aumentaram os riscos legais para as empresas ocidentais.
Não foram apenas os proprietários de casas luxuosas que foram pegos de surpresa quando a maré baixou. Os proprietários de edifícios de escritórios exclusivos de Hong Kong que abrigavam as instituições financeiras, jurídicas e corporativas mais conhecidas do mundo estão se esforçando para trazer novos inquilinos para substituir as empresas que saíram. Áreas comerciais movimentadas, antes repletas de pequenas lojas, ainda estão sofrendo com a diminuição do número de turistas, e algumas fachadas de lojas continuam fechadas com tábuas. Cerca de 17% das propriedades comerciais estão vazias, de acordo com a CBRE, a empresa imobiliária.
As mudanças também estão se espalhando pelo sistema financeiro. Os bancos que antes eram credores confiáveis do setor imobiliário de Hong Kong sofreram um aumento na inadimplência de imóveis comerciais este ano. O setor imobiliário está “passando por sua pior desaceleração desde a crise financeira asiática” de 1997, e a dor mais aguda está sendo sentida pelas instituições financeiras, escreveram os analistas da agência de classificação S&P Global em um relatório. Em resposta, os credores estão cobrando mais dos proprietários e incorporadores a quem emprestam.
As taxas de juros mais altas e uma moeda forte tornaram ainda mais difícil a recuperação. O dólar de Hong Kong é atrelado ao dólar dos EUA e, durante quatro anos, o Federal Reserve manteve as taxas de juros altas para combater a inflação americana. Como o Fed reduziu as taxas este ano, a autoridade monetária de Hong Kong seguiu o exemplo, baixando a taxa de juros em setembro para 5,25%. Mas esse ainda é o ponto mais alto desde 2007.
O destino da moeda de Hong Kong pode depender do banco central americano, mas sua economia está intimamente ligada ao restante da China, onde o crescimento desacelerou e os preços caíram. O setor imobiliário de Hong Kong está sentindo a dor da China.
“De modo geral, a economia da China sempre teve uma relação estreita com Hong Kong, e o mercado imobiliário sempre foi altamente correlacionado”, disse Hannah Jeong, diretora-executiva da CBRE.
“Quando a economia da China cai, a economia de Hong Kong também cai”, disse ela.
As vendas de imóveis de luxo de alto padrão foram dominadas pelo que é conhecido como “vendedores em dificuldades”, incluindo alguns que estão fortemente expostos à economia chinesa, de acordo com Jeong. Em muitos desses casos, suas casas foram confiscadas por um banco ou por credores que estão devendo dinheiro.
A maioria dessas propriedades foi comprada em uma época diferente, quando Hong Kong estava repleta de dinheiro proveniente de uma China em expansão.
No edifício Opus Hong Kong de Gehry, que tem 12 apartamentos de luxo, dois dos vendedores recentes estavam entre os homens mais ricos da China: os promotores imobiliários Chen Hongtian e Chen Changwei. (Eles não são parentes.) As notícias locais informaram que o apartamento de Chen Hongtian era uma das várias propriedades apreendidas pelos credores, incluindo uma casa de 9 mil pés quadrados (836 metros quadrados) que ele havia comprado logo após a propriedade do Opus em 2015.
Seu apartamento no Opus era “um pouco pequeno demais”, disse ele ao jornal local South China Morning Post em 2016. Ele também disse ao jornal que casas de luxo à venda em Hong Kong eram “extremamente raras”.
Não mais.
A uma curta distância de carro do Opus, ao longo de uma estrada sinuosa, está o Black’s Link, onde se encontra um conjunto de três mansões outrora ligadas a Hui, da Evergrande. Elas estão à venda por mais de US$ 190 milhões - uma foi vendida até o momento. Os preços das outras duas caíram desde que foram listadas pela primeira vez no ano passado.
Perto dali, na Plantation Road, quatro mansões foram recentemente vendidas por US$ 141 milhões (R$ 814 milhões), quase a metade do que os vendedores pagaram por elas.
Os especialistas em imóveis esperam que mais negócios aconteçam.
Cerca de duas dúzias de propriedades, cada uma no valor de US$ 50 milhões (R$ 289 milhões) ou mais, foram colocadas à venda em Hong Kong este ano.
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