Mantega na Vale? Caminho para mudança hoje é mais difícil que nos primeiros mandatos de Lula


Desde que se tornou uma empresa sem controle definido, mineradora criou uma série de ‘vacinas’ para evitar a ingerência política na sua operação

Por Monica Ciarelli, Juliana Garçon e Cristiane Barbieri
Atualização:

RIO E SÃO PAULO - Nas últimas semanas, começaram a circular rumores de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estaria empenhado em colocar o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega no comando da Vale, como revelado pela Coluna do Estadão. Lula estaria repetindo o mesmo movimento de gratidão a quem lhe foi fiel nos anos difíceis, como ocorreu com Cristiano Zanin, alçado a ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), e com a ex-presidente Dilma Rousseff, que passou a comandar o Banco dos Brics, em Xangai.

Porém, a Vale de 2023 é muito diferente da que Lula encontrou em seu segundo mandato, quando tirou Roger Agnelli da presidência, em 2011, substituído por Murilo Ferreira. Desde que se tornou uma “corporation”, como são chamadas as empresas sem controle definido, em 2020, a mineradora adotou uma série de “vacinas” que tentam evitar a ingerência política em sua operação.

Por isso, emplacar hoje um nome como o de Mantega (só os rumores de que isso poderia acontecer já foram muito mal recebidos pelo mercado) se tornou uma tarefa muito mais complicada.

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A Vale planeja deixar mais claro para a sociedade as contribuições que vem fazendo e imprimir uma percepção mais positiva, o que facilitaria o trânsito com as esferas do governo Foto: Paulo Amorim/AE

Na política de sucessão, por exemplo, um novo presidente só pode ser escolhido depois que o conselho de administração contratar uma empresa internacional de seleção de executivos, que indicará três nomes para o cargo. A partir dessa lista tríplice, o colegiado escolherá o novo comandante. Esse processo começa tradicionalmente quatro meses antes do término do mandato do presidente, mas pode ser conduzido a qualquer momento.

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Além disso, após a pulverização de capital da mineradora, o conselho é bem menos suscetível às tentativas de captura dos cargos de liderança, segundo fontes próximas à companhia ouvidas pela reportagem, que falaram sob a condição de anonimato. Hoje, dos 13 integrantes, oito são independentes, sendo três estrangeiros. Eles têm interlocução com o presidente do colegiado por meio de um líder — o que aumentaria a resistência a eventuais manipulações e interesses individuais.

Já os cinco conselheiros não independentes são indicados pelos acionistas mais relevantes e que têm ligação direta com a operação: Previ (o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, com dois assentos), o conglomerado japonês Mitsui e a Bradespar (o braço de participações do Bradesco), além do representante dos empregados.

Na composição acionária, as participações mais relevantes são da Previ, com 8,72%, Mitsui, com 6,31%, e BlackRock, com 6,1%, além de 4,31% em tesouraria. Os restantes 74,56% estão nas mãos de acionistas com menos de 5% de participação.

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Entre essas “vacinas” também está o fato de que o poder de veto do governo, graças às 12 “golden shares” que detém na Vale, se restringe a temas limitados. Entre eles, alienação e encerramento de atividades relativas às jazidas, às ferrovias e aos portos; alteração da denominação social; localização da sede; e mudança no objeto social no que se refere às atividades minerárias.

Por último, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vendeu a participação que tinha na Vale ao longo dos últimos anos. Era um dos votos com os quais o governo contava na troca de comando da empresa.

Assim, Lula teria hoje menor poder de fogo — seja por meio de participação acionária ou de conselheiros — para fazer uma mudança na cúpula da companhia de maneira regular.

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Possíveis pressões

Segundo uma das fontes ouvidas, porém, o peso do Estado não pode ser minimizado. Os conselheiros independentes (como a Cosan) e grandes acionistas (como Bradespar e Mitsui) poderiam sofrer pressões para apoiarem mudanças. Eles também têm vieses e interesses políticos. A própria Vale poderia enfrentar má vontade no ritmo de liberação de licenças, essenciais para as atividades de exploração e logística.

Em outras palavras, diz uma das fontes, não seria viável neste momento emplacar um novo presidente executivo na Vale. No entanto, há um caminho possível na recomposição do conselho, no próximo ano. A participação dos fundos de pensão Previ, Funcef (dos funcionários da Caixa) e Petros (da Petrobras), somadas às de fundos de investimento de Caixa, BB e FGTS, dariam mais de 12% de participação da mineradora ao governo.

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Mesmo sem ter maioria, em um eventual confronto em assembleia, Brasília poderia chegar a mais três ou quatro assentos em apoio — o que daria a Mantega ou a outro nome do governo mais força para a mudança de cargo.

Empresa tenta blindar presidente

Os rumores sobre o desejo de Lula de colocar Mantega no comando da Vale são um ataque indireto ao atual presidente executivo da Vale, Eduardo Bartolomeo, que está em seu segundo mandato - que vai até abril de 2024. Ele assumiu em 2019, na época mais crítica da história da companhia, meses após o desastre de Brumadinho.

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Se Mantega não é considerado, no mercado, o nome mais adequado para comandar a gigante brasileira, os rumores ao menos funcionam como um recado amargo de Brasília. Seriam sinais do anseio de maior alinhamento da Vale com o governo e os “interesses nacionais”, ou seja: uma geradora de mais investimentos em infraestrutura, como ferrovias.

Dentro da Vale, ainda que a satisfação com Bartolomeo não seja plena — por conta de instabilidades na produção, manutenções em minas, dificuldades para obter licenças e falta de trânsito em Brasília, de acordo com fontes próximas à empresa —, a ideia é blindá-lo de interferências externas, que seriam mais prejudiciais à mineradora do que eventuais falhas do atual CEO.

Abrir mais a companhia para o relacionamento com os “stakeholders” (pessoas afetadas pela empresa, direta ou indiretamente) é outra ideia que circula no conselho de administração. A empresa planeja deixar mais claro para a sociedade as contribuições que a Vale vem fazendo e imprimir uma percepção mais positiva, o que facilitaria o trânsito com as esferas do governo.

De acordo com fontes ouvidas pelo Estadão/Broadcast, que falaram sob a condição de anonimato, alguns petistas alimentavam a esperança de que, com a vitória de Lula nas urnas e a definição do novo conselho de administração da Vale, Bartolomeo começaria a planejar a sua saída. No entanto, ele não deu nenhuma indicação nessa direção.

Má vontade

A má vontade de Brasília com o executivo estaria relacionada a seu jeito low profile, objetivo, voltado a metas e resultados. Na Vale, Bartolomeo já foi diretor-executivo de Logística, Operações Integradas e Bulk Commodities, além de diretor-executivo de Metais Básicos no Canadá. Anteriormente, foi diretor de Operações na AmBev, companhia conhecida pelo perfil competitivo.

Para fontes próximas à cúpula da companhia, faltaria ao executivo jogo de cintura para assegurar uma interlocução mais fluida com Brasília e os governos dos Estados nos quais a Vale tem operações. Durante a gestão de Jair Bolsonaro, a falta desse atributo teria sido pouco relevante, mas, no governo petista, a capacidade de interlocução e negociação em uma empresa do porte da Vale é essencial.

Além disso, a gigante da mineração tem suas principais operações em Minas Gerais — governada por Romeu Zema (Novo), opositor do governo Lula — e no Pará — que tem à frente Helder Barbalho (MDB). O governador paraense é aliado do petista e cobra mais contribuição da Vale naquele Estado. Um sinal do distanciamento entre Barbalho e a companhia seria o fato de que, recentemente, os conselhos de administração e fiscal se reuniram em Carajás, no Pará, mas não tiveram nenhum encontro com o governador do Estado.

Herança bolsonarista e cobrança por papel social

Em Brasília, a lista de queixas contra Bartolomeo inclui a nomeação, para o cargo de diretor de assuntos regulatórios, de Marcelo Sampaio, ex-número dois de Tarcísio de Freitas, ministro da Infraestrutura de Bolsonaro e atual governador de São Paulo. Sampaio é também genro do general Ramos, ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência de Bolsonaro.

A antecipação da renovação das concessões ferroviárias, obtida pela Vale em 2020, durante o governo Bolsonaro, entraria no mesmo capítulo. O prazo contará a partir de 2027, quando vencem os contratos atuais. Os novos contratos duram 30 anos.

A percepção dos críticos no governo é a de que a Vale tem se restringido a concessões ferroviárias e de minas, mais do que a investimentos capazes de gerar empregos e distribuir riqueza. “É uma empresa 100% concessionária que atua em Estados pobres. Precisava ter mais consciência social e ambiental”, diz uma fonte.

Também na Vale há o entendimento de que mais capacidade de interlocução e jogo de cintura viriam a calhar para lançar pontes a Brasília e aos Estados. Mas não há dúvida: a preocupação é com quem poderia chegar para o lugar do CEO.

Por isso, os conselheiros estão se mobilizando para ampliar a interlocução da Vale com o governo e esfriar a fervura em torno de Bartolomeo. A ideia é criar um consenso em torno do atual CEO a fim de evitar interferências externas. Afinal, mesmo que a Vale esteja enfrentando adversidades, a companhia não tem necessidade de trocar seu comandante, especialmente um nome imposto pelo governo. Procurada, a Vale não se pronunciou.

RIO E SÃO PAULO - Nas últimas semanas, começaram a circular rumores de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estaria empenhado em colocar o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega no comando da Vale, como revelado pela Coluna do Estadão. Lula estaria repetindo o mesmo movimento de gratidão a quem lhe foi fiel nos anos difíceis, como ocorreu com Cristiano Zanin, alçado a ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), e com a ex-presidente Dilma Rousseff, que passou a comandar o Banco dos Brics, em Xangai.

Porém, a Vale de 2023 é muito diferente da que Lula encontrou em seu segundo mandato, quando tirou Roger Agnelli da presidência, em 2011, substituído por Murilo Ferreira. Desde que se tornou uma “corporation”, como são chamadas as empresas sem controle definido, em 2020, a mineradora adotou uma série de “vacinas” que tentam evitar a ingerência política em sua operação.

Por isso, emplacar hoje um nome como o de Mantega (só os rumores de que isso poderia acontecer já foram muito mal recebidos pelo mercado) se tornou uma tarefa muito mais complicada.

A Vale planeja deixar mais claro para a sociedade as contribuições que vem fazendo e imprimir uma percepção mais positiva, o que facilitaria o trânsito com as esferas do governo Foto: Paulo Amorim/AE

Na política de sucessão, por exemplo, um novo presidente só pode ser escolhido depois que o conselho de administração contratar uma empresa internacional de seleção de executivos, que indicará três nomes para o cargo. A partir dessa lista tríplice, o colegiado escolherá o novo comandante. Esse processo começa tradicionalmente quatro meses antes do término do mandato do presidente, mas pode ser conduzido a qualquer momento.

Além disso, após a pulverização de capital da mineradora, o conselho é bem menos suscetível às tentativas de captura dos cargos de liderança, segundo fontes próximas à companhia ouvidas pela reportagem, que falaram sob a condição de anonimato. Hoje, dos 13 integrantes, oito são independentes, sendo três estrangeiros. Eles têm interlocução com o presidente do colegiado por meio de um líder — o que aumentaria a resistência a eventuais manipulações e interesses individuais.

Já os cinco conselheiros não independentes são indicados pelos acionistas mais relevantes e que têm ligação direta com a operação: Previ (o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, com dois assentos), o conglomerado japonês Mitsui e a Bradespar (o braço de participações do Bradesco), além do representante dos empregados.

Na composição acionária, as participações mais relevantes são da Previ, com 8,72%, Mitsui, com 6,31%, e BlackRock, com 6,1%, além de 4,31% em tesouraria. Os restantes 74,56% estão nas mãos de acionistas com menos de 5% de participação.

Entre essas “vacinas” também está o fato de que o poder de veto do governo, graças às 12 “golden shares” que detém na Vale, se restringe a temas limitados. Entre eles, alienação e encerramento de atividades relativas às jazidas, às ferrovias e aos portos; alteração da denominação social; localização da sede; e mudança no objeto social no que se refere às atividades minerárias.

Por último, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vendeu a participação que tinha na Vale ao longo dos últimos anos. Era um dos votos com os quais o governo contava na troca de comando da empresa.

Assim, Lula teria hoje menor poder de fogo — seja por meio de participação acionária ou de conselheiros — para fazer uma mudança na cúpula da companhia de maneira regular.

Possíveis pressões

Segundo uma das fontes ouvidas, porém, o peso do Estado não pode ser minimizado. Os conselheiros independentes (como a Cosan) e grandes acionistas (como Bradespar e Mitsui) poderiam sofrer pressões para apoiarem mudanças. Eles também têm vieses e interesses políticos. A própria Vale poderia enfrentar má vontade no ritmo de liberação de licenças, essenciais para as atividades de exploração e logística.

Em outras palavras, diz uma das fontes, não seria viável neste momento emplacar um novo presidente executivo na Vale. No entanto, há um caminho possível na recomposição do conselho, no próximo ano. A participação dos fundos de pensão Previ, Funcef (dos funcionários da Caixa) e Petros (da Petrobras), somadas às de fundos de investimento de Caixa, BB e FGTS, dariam mais de 12% de participação da mineradora ao governo.

Mesmo sem ter maioria, em um eventual confronto em assembleia, Brasília poderia chegar a mais três ou quatro assentos em apoio — o que daria a Mantega ou a outro nome do governo mais força para a mudança de cargo.

Empresa tenta blindar presidente

Os rumores sobre o desejo de Lula de colocar Mantega no comando da Vale são um ataque indireto ao atual presidente executivo da Vale, Eduardo Bartolomeo, que está em seu segundo mandato - que vai até abril de 2024. Ele assumiu em 2019, na época mais crítica da história da companhia, meses após o desastre de Brumadinho.

Se Mantega não é considerado, no mercado, o nome mais adequado para comandar a gigante brasileira, os rumores ao menos funcionam como um recado amargo de Brasília. Seriam sinais do anseio de maior alinhamento da Vale com o governo e os “interesses nacionais”, ou seja: uma geradora de mais investimentos em infraestrutura, como ferrovias.

Dentro da Vale, ainda que a satisfação com Bartolomeo não seja plena — por conta de instabilidades na produção, manutenções em minas, dificuldades para obter licenças e falta de trânsito em Brasília, de acordo com fontes próximas à empresa —, a ideia é blindá-lo de interferências externas, que seriam mais prejudiciais à mineradora do que eventuais falhas do atual CEO.

Abrir mais a companhia para o relacionamento com os “stakeholders” (pessoas afetadas pela empresa, direta ou indiretamente) é outra ideia que circula no conselho de administração. A empresa planeja deixar mais claro para a sociedade as contribuições que a Vale vem fazendo e imprimir uma percepção mais positiva, o que facilitaria o trânsito com as esferas do governo.

De acordo com fontes ouvidas pelo Estadão/Broadcast, que falaram sob a condição de anonimato, alguns petistas alimentavam a esperança de que, com a vitória de Lula nas urnas e a definição do novo conselho de administração da Vale, Bartolomeo começaria a planejar a sua saída. No entanto, ele não deu nenhuma indicação nessa direção.

Má vontade

A má vontade de Brasília com o executivo estaria relacionada a seu jeito low profile, objetivo, voltado a metas e resultados. Na Vale, Bartolomeo já foi diretor-executivo de Logística, Operações Integradas e Bulk Commodities, além de diretor-executivo de Metais Básicos no Canadá. Anteriormente, foi diretor de Operações na AmBev, companhia conhecida pelo perfil competitivo.

Para fontes próximas à cúpula da companhia, faltaria ao executivo jogo de cintura para assegurar uma interlocução mais fluida com Brasília e os governos dos Estados nos quais a Vale tem operações. Durante a gestão de Jair Bolsonaro, a falta desse atributo teria sido pouco relevante, mas, no governo petista, a capacidade de interlocução e negociação em uma empresa do porte da Vale é essencial.

Além disso, a gigante da mineração tem suas principais operações em Minas Gerais — governada por Romeu Zema (Novo), opositor do governo Lula — e no Pará — que tem à frente Helder Barbalho (MDB). O governador paraense é aliado do petista e cobra mais contribuição da Vale naquele Estado. Um sinal do distanciamento entre Barbalho e a companhia seria o fato de que, recentemente, os conselhos de administração e fiscal se reuniram em Carajás, no Pará, mas não tiveram nenhum encontro com o governador do Estado.

Herança bolsonarista e cobrança por papel social

Em Brasília, a lista de queixas contra Bartolomeo inclui a nomeação, para o cargo de diretor de assuntos regulatórios, de Marcelo Sampaio, ex-número dois de Tarcísio de Freitas, ministro da Infraestrutura de Bolsonaro e atual governador de São Paulo. Sampaio é também genro do general Ramos, ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência de Bolsonaro.

A antecipação da renovação das concessões ferroviárias, obtida pela Vale em 2020, durante o governo Bolsonaro, entraria no mesmo capítulo. O prazo contará a partir de 2027, quando vencem os contratos atuais. Os novos contratos duram 30 anos.

A percepção dos críticos no governo é a de que a Vale tem se restringido a concessões ferroviárias e de minas, mais do que a investimentos capazes de gerar empregos e distribuir riqueza. “É uma empresa 100% concessionária que atua em Estados pobres. Precisava ter mais consciência social e ambiental”, diz uma fonte.

Também na Vale há o entendimento de que mais capacidade de interlocução e jogo de cintura viriam a calhar para lançar pontes a Brasília e aos Estados. Mas não há dúvida: a preocupação é com quem poderia chegar para o lugar do CEO.

Por isso, os conselheiros estão se mobilizando para ampliar a interlocução da Vale com o governo e esfriar a fervura em torno de Bartolomeo. A ideia é criar um consenso em torno do atual CEO a fim de evitar interferências externas. Afinal, mesmo que a Vale esteja enfrentando adversidades, a companhia não tem necessidade de trocar seu comandante, especialmente um nome imposto pelo governo. Procurada, a Vale não se pronunciou.

RIO E SÃO PAULO - Nas últimas semanas, começaram a circular rumores de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estaria empenhado em colocar o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega no comando da Vale, como revelado pela Coluna do Estadão. Lula estaria repetindo o mesmo movimento de gratidão a quem lhe foi fiel nos anos difíceis, como ocorreu com Cristiano Zanin, alçado a ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), e com a ex-presidente Dilma Rousseff, que passou a comandar o Banco dos Brics, em Xangai.

Porém, a Vale de 2023 é muito diferente da que Lula encontrou em seu segundo mandato, quando tirou Roger Agnelli da presidência, em 2011, substituído por Murilo Ferreira. Desde que se tornou uma “corporation”, como são chamadas as empresas sem controle definido, em 2020, a mineradora adotou uma série de “vacinas” que tentam evitar a ingerência política em sua operação.

Por isso, emplacar hoje um nome como o de Mantega (só os rumores de que isso poderia acontecer já foram muito mal recebidos pelo mercado) se tornou uma tarefa muito mais complicada.

A Vale planeja deixar mais claro para a sociedade as contribuições que vem fazendo e imprimir uma percepção mais positiva, o que facilitaria o trânsito com as esferas do governo Foto: Paulo Amorim/AE

Na política de sucessão, por exemplo, um novo presidente só pode ser escolhido depois que o conselho de administração contratar uma empresa internacional de seleção de executivos, que indicará três nomes para o cargo. A partir dessa lista tríplice, o colegiado escolherá o novo comandante. Esse processo começa tradicionalmente quatro meses antes do término do mandato do presidente, mas pode ser conduzido a qualquer momento.

Além disso, após a pulverização de capital da mineradora, o conselho é bem menos suscetível às tentativas de captura dos cargos de liderança, segundo fontes próximas à companhia ouvidas pela reportagem, que falaram sob a condição de anonimato. Hoje, dos 13 integrantes, oito são independentes, sendo três estrangeiros. Eles têm interlocução com o presidente do colegiado por meio de um líder — o que aumentaria a resistência a eventuais manipulações e interesses individuais.

Já os cinco conselheiros não independentes são indicados pelos acionistas mais relevantes e que têm ligação direta com a operação: Previ (o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, com dois assentos), o conglomerado japonês Mitsui e a Bradespar (o braço de participações do Bradesco), além do representante dos empregados.

Na composição acionária, as participações mais relevantes são da Previ, com 8,72%, Mitsui, com 6,31%, e BlackRock, com 6,1%, além de 4,31% em tesouraria. Os restantes 74,56% estão nas mãos de acionistas com menos de 5% de participação.

Entre essas “vacinas” também está o fato de que o poder de veto do governo, graças às 12 “golden shares” que detém na Vale, se restringe a temas limitados. Entre eles, alienação e encerramento de atividades relativas às jazidas, às ferrovias e aos portos; alteração da denominação social; localização da sede; e mudança no objeto social no que se refere às atividades minerárias.

Por último, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vendeu a participação que tinha na Vale ao longo dos últimos anos. Era um dos votos com os quais o governo contava na troca de comando da empresa.

Assim, Lula teria hoje menor poder de fogo — seja por meio de participação acionária ou de conselheiros — para fazer uma mudança na cúpula da companhia de maneira regular.

Possíveis pressões

Segundo uma das fontes ouvidas, porém, o peso do Estado não pode ser minimizado. Os conselheiros independentes (como a Cosan) e grandes acionistas (como Bradespar e Mitsui) poderiam sofrer pressões para apoiarem mudanças. Eles também têm vieses e interesses políticos. A própria Vale poderia enfrentar má vontade no ritmo de liberação de licenças, essenciais para as atividades de exploração e logística.

Em outras palavras, diz uma das fontes, não seria viável neste momento emplacar um novo presidente executivo na Vale. No entanto, há um caminho possível na recomposição do conselho, no próximo ano. A participação dos fundos de pensão Previ, Funcef (dos funcionários da Caixa) e Petros (da Petrobras), somadas às de fundos de investimento de Caixa, BB e FGTS, dariam mais de 12% de participação da mineradora ao governo.

Mesmo sem ter maioria, em um eventual confronto em assembleia, Brasília poderia chegar a mais três ou quatro assentos em apoio — o que daria a Mantega ou a outro nome do governo mais força para a mudança de cargo.

Empresa tenta blindar presidente

Os rumores sobre o desejo de Lula de colocar Mantega no comando da Vale são um ataque indireto ao atual presidente executivo da Vale, Eduardo Bartolomeo, que está em seu segundo mandato - que vai até abril de 2024. Ele assumiu em 2019, na época mais crítica da história da companhia, meses após o desastre de Brumadinho.

Se Mantega não é considerado, no mercado, o nome mais adequado para comandar a gigante brasileira, os rumores ao menos funcionam como um recado amargo de Brasília. Seriam sinais do anseio de maior alinhamento da Vale com o governo e os “interesses nacionais”, ou seja: uma geradora de mais investimentos em infraestrutura, como ferrovias.

Dentro da Vale, ainda que a satisfação com Bartolomeo não seja plena — por conta de instabilidades na produção, manutenções em minas, dificuldades para obter licenças e falta de trânsito em Brasília, de acordo com fontes próximas à empresa —, a ideia é blindá-lo de interferências externas, que seriam mais prejudiciais à mineradora do que eventuais falhas do atual CEO.

Abrir mais a companhia para o relacionamento com os “stakeholders” (pessoas afetadas pela empresa, direta ou indiretamente) é outra ideia que circula no conselho de administração. A empresa planeja deixar mais claro para a sociedade as contribuições que a Vale vem fazendo e imprimir uma percepção mais positiva, o que facilitaria o trânsito com as esferas do governo.

De acordo com fontes ouvidas pelo Estadão/Broadcast, que falaram sob a condição de anonimato, alguns petistas alimentavam a esperança de que, com a vitória de Lula nas urnas e a definição do novo conselho de administração da Vale, Bartolomeo começaria a planejar a sua saída. No entanto, ele não deu nenhuma indicação nessa direção.

Má vontade

A má vontade de Brasília com o executivo estaria relacionada a seu jeito low profile, objetivo, voltado a metas e resultados. Na Vale, Bartolomeo já foi diretor-executivo de Logística, Operações Integradas e Bulk Commodities, além de diretor-executivo de Metais Básicos no Canadá. Anteriormente, foi diretor de Operações na AmBev, companhia conhecida pelo perfil competitivo.

Para fontes próximas à cúpula da companhia, faltaria ao executivo jogo de cintura para assegurar uma interlocução mais fluida com Brasília e os governos dos Estados nos quais a Vale tem operações. Durante a gestão de Jair Bolsonaro, a falta desse atributo teria sido pouco relevante, mas, no governo petista, a capacidade de interlocução e negociação em uma empresa do porte da Vale é essencial.

Além disso, a gigante da mineração tem suas principais operações em Minas Gerais — governada por Romeu Zema (Novo), opositor do governo Lula — e no Pará — que tem à frente Helder Barbalho (MDB). O governador paraense é aliado do petista e cobra mais contribuição da Vale naquele Estado. Um sinal do distanciamento entre Barbalho e a companhia seria o fato de que, recentemente, os conselhos de administração e fiscal se reuniram em Carajás, no Pará, mas não tiveram nenhum encontro com o governador do Estado.

Herança bolsonarista e cobrança por papel social

Em Brasília, a lista de queixas contra Bartolomeo inclui a nomeação, para o cargo de diretor de assuntos regulatórios, de Marcelo Sampaio, ex-número dois de Tarcísio de Freitas, ministro da Infraestrutura de Bolsonaro e atual governador de São Paulo. Sampaio é também genro do general Ramos, ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência de Bolsonaro.

A antecipação da renovação das concessões ferroviárias, obtida pela Vale em 2020, durante o governo Bolsonaro, entraria no mesmo capítulo. O prazo contará a partir de 2027, quando vencem os contratos atuais. Os novos contratos duram 30 anos.

A percepção dos críticos no governo é a de que a Vale tem se restringido a concessões ferroviárias e de minas, mais do que a investimentos capazes de gerar empregos e distribuir riqueza. “É uma empresa 100% concessionária que atua em Estados pobres. Precisava ter mais consciência social e ambiental”, diz uma fonte.

Também na Vale há o entendimento de que mais capacidade de interlocução e jogo de cintura viriam a calhar para lançar pontes a Brasília e aos Estados. Mas não há dúvida: a preocupação é com quem poderia chegar para o lugar do CEO.

Por isso, os conselheiros estão se mobilizando para ampliar a interlocução da Vale com o governo e esfriar a fervura em torno de Bartolomeo. A ideia é criar um consenso em torno do atual CEO a fim de evitar interferências externas. Afinal, mesmo que a Vale esteja enfrentando adversidades, a companhia não tem necessidade de trocar seu comandante, especialmente um nome imposto pelo governo. Procurada, a Vale não se pronunciou.

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