Manual de criptoativos para iniciantes


O poder dos ativos digitais, tanto econômico como cultural, tornou-se grande demais para ser ignorado

Por Kevin Roose, The New York Times
Atualização:

Até bem pouco tempo, se você morasse em qualquer outro lugar do mundo que não fosse São Francisco, era possível passar dias ou mesmo semanas sem ouvir falar de criptomoedas.

Agora, do nada, é inevitável. Olhe para um lado e lá está Matt Damon e Larry David em anúncios para startups de criptoativos. Olhe para o outro – veja só, são os prefeitos de Miami e Nova York discutindo quem ama mais o Bitcoin. Duas arenas da NBA agora têm o nome de empresas de criptomoedas, e parece que todas as equipes de marketing corporativo nos Estados Unidos entraram na onda dos tokens não fungíveis (NFTs). (Que tal um da coleção “Mic Drop” gênesis da Pepsi? Ou talvez algo da coleção de NFTs da Applebee’s, a “Metaverse Meals”, inspirada nos itens dos cardápios “icônicos” da rede de restaurantes?)

Ao mesmo tempo que a aceitação dos ativos digitais cresce, eles inspiram um discurso excepcionalmente polarizado Foto: Getty Images

Criptoativos! Durante anos, parecia mais uma modinha passageira do mundo da tecnologia que a maioria de nós poderia ignorar sem problemas, como os hoverboards ou o Google Glass. Entretanto, o poder deles, tanto econômico como cultural, tornou-se grande demais para ser ignorado. Vinte por cento dos adultos americanos e 36% dos millennials têm criptomoedas, de acordo com uma pesquisa recente da Morning Consult. O app da Coinbase para negociar criptoativos esteve entre os mais usados da App Store pelo menos duas vezes em 2022. Hoje, o mercado de ativos digitais está avaliado em cerca de US$ 1,75 trilhão – aproximadamente o tamanho do Google. E, no Vale do Silício, engenheiros e executivos estão deixando empregos confortáveis aos montes para participar da corrida do ouro dos criptoativos.

Ao mesmo tempo que a aceitação dos ativos digitais cresce, eles inspiram um discurso excepcionalmente polarizado. Seus maiores entusiastas são fanáticos de olhos arregalados que acreditam estar salvando o mundo, enquanto seus maiores críticos estão convencidos de que tudo não passa de uma farsa – uma bolha especulativa prejudicial ao meio ambiente orquestrada por vigaristas e vendida a trouxas gananciosos, que provavelmente quebrará a economia quando explodir.

Escrevo sobre criptoativos há quase uma década, um período no qual minhas próprias opiniões oscilaram entre ceticismo extremo e otimismo cauteloso. Atualmente costumo me descrever como alguém com interesse moderado pelos ativos digitais, embora admita que isso talvez seja uma maneira de me esquivar do tema.

Concordo com os céticos que grande parte do mercado de criptoativos consiste em ativos superestimados, promovidos de forma exagerada e possivelmente fraudulenta, e sou indiferente aos posicionamentos mais utópicos a favor deles (como a alegação de Jack Dorsey, o ex-chefe do X (antigo Twitter) obcecado por criptoativos, de que o Bitcoin dará início à paz mundial).

Entretanto, conforme passei a ter mais experiência com os ativos digitais – incluindo uma venda acidental de um NFT por mais de US$ 500 mil em um leilão de caridade em 2022 –, aceitei que nem tudo é apenas uma forma de ganhar dinheiro desonestamente e que há coisas significativas de verdade sendo construídas. Também aprendi como jornalista de tecnologia que, quando tanto dinheiro, energia e talento fluem para uma coisa nova, geralmente é uma boa ideia prestar atenção, independentemente de suas opiniões em relação a isso.

Minha maior convicção a respeito dos criptoativos, no entanto, é que eles são terrivelmente apresentados ao público.

Recentemente, passei vários meses lendo tudo o que encontrava sobre o tema. Descobri que a maioria dos guias para iniciantes se resumia a podcasts chatos, vídeos do YouTube com pouca pesquisa e posts em blogs escritos por investidores irremediavelmente tendenciosos. Por outro lado, muito do conteúdo contrário aos criptoativos era prejudicado por falta de precisão e argumentos desatualizados, como a afirmação de que eles são bons para os criminosos, apesar da crescente evidência de que os livros-razão rastreáveis dos ativos digitais fazem com que eles se tornem inadequados para atividades ilícitas.

O que não consegui encontrar foi uma explicação sensata e imparcial sobre o que os criptoativos de fato são – como funcionam, a quem se destinam, o que está em jogo, onde os problemas começam –, junto com respostas para algumas das dúvidas mais frequentes.

Este manual – na verdade, um enorme FAQ – é uma tentativa de dar um jeito nisso. Explicarei os conceitos básicos dos criptoativos da forma mais clara possível, dando o meu melhor para responder às perguntas que um cético curioso, porém de mente aberta, poderia fazer.

É provável que os apoiadores dos criptoativos reclamem das minhas respostas, enquanto os oponentes mais ferrenhos as considerem benevolentes demais. Não há problema. Meu objetivo não é convencer ninguém de que os criptoativos são bons ou ruins, que devem ser proibidos ou enaltecidos, ou que investir neles vai lhe tornar rico ou levar à falência. É simplesmente desmistificar um pouco as coisas.

Criptoativos serão transformadores

Saber o que são os ativos digitais hoje – sobretudo no caso dos céticos – é importante por algumas razões.

A primeira é que a riqueza e a ideologia dos criptoativos serão uma força transformadora em nossa sociedade nos próximos anos.

Você já ouviu falar daqueles que se tornaram milionários da noite para o dia com Dogecoin e dos “Bitcoin bros” dirigindo Lamborghinis. Mas isso não é nem metade da história. O boom das criptomoedas gerou novas fortunas enormes numa velocidade nunca vista antes – a comparação mais próxima é provavelmente a descoberta de petróleo no Oriente Médio – e transformou seus maiores beneficiários em algumas das pessoas mais ricas do mundo, basicamente de um dia para o outro. Algumas fortunas em ativos digitais podem sumir se o mercado quebrar, porém ele já rendeu dinheiro suficiente para garantir que a influência dos criptoativos permanecerá durante décadas.

A cultura online impulsiva e louca por memes dos criptoativos pode fazer com que eles pareçam frívolos e superficiais. Mas não é o caso. As criptomoedas, mesmo aquelas que parecem piada, fazem parte de um movimento ideológico robusto e bem financiado com sérias implicações para o nosso futuro político e econômico. O Bitcoin, que surgiu das cinzas da crise financeira de 2007-2008, teve como primeiro público os libertários e ativistas antiestablishment que o enxergavam como o pilar de um novo e incorruptível sistema monetário. Desde então, outras criptomoedas definiram objetivos igualmente grandiosos, como a construção de uma versão descentralizada e em grande parte não regulamentada de Wall Street em ambiente blockchain.

Já estamos começando a ver uma onda de dinheiro gerado com criptoativos fluir para o sistema político dos Estados Unidos. Os empresários de criptoativos estão doando milhões de dólares para candidatos e causas, e as empresas de lobby se espalharam por todo o país para conquistar o apoio à legislação em prol das criptomoedas. Nos próximos anos, os magnatas dos ativos digitais financiarão as campanhas de candidatos favoráveis aos criptoativos, ou concorrerão eles mesmos. Alguns vão vender influência de formas conhecidas – criando supercomitês políticos, financiando think tanks, etc. –, enquanto outros tentarão escapar totalmente do impasse partidário. (Os milionários das criptomoedas já estão comprando terrenos no Pacífico Sul para construir suas próprias utopias com tecnologia blockchain.)

Os criptoativos estão prestes a se tornar em breve uma das poucas questões verdadeiramente polêmicas, com políticos de todo o mundo forçados a escolher um lado. Alguns países, como El Salvador – cujo presidente fã das criptomoedas anunciou a criação de uma “cidade do Bitcoin” aos pés de um vulcão –, sem dúvidas ficarão do lado dos ativos digitais. Outros governos talvez decidam que os criptoativos são uma ameaça à sua soberania e fechem o cerco contra eles, como a China fez quando proibiu as transações com criptomoedas em 2022. A divisão entre as regiões do mundo pró e contra os ativos digitais pode acabar sendo no mínimo tão grande quanto a discrepância entre a internet chinesa e a americana, e talvez ainda mais importante.

Nos EUA, já vimos como os criptoativos podem bagunçar as alianças partidárias habituais. O ex-presidente Donald Trump e a senadora democrata Elizabeth Warren estão unidos nas críticas às criptomoedas, por exemplo, enquanto o senador republicano Ted Cruz tem a mesma visão otimista sobre os criptoativos que o senador democrata Ron Wyden. Também vimos o que pode acontecer quando aqueles do universo cripto se sentem politicamente ameaçados, como ocorreu em 2022, quando grupos de investidores em ativos digitais se uniram para se opor a uma disposição relacionada às criptomoedas no projeto de lei de infraestrutura do presidente Joe Biden.

O que estou dizendo, acho, é que, apesar da aparência brincalhona, os criptoativos não são apenas mais um fenômeno estranho da internet. É um movimento tecnológico organizado, munido de ferramentas poderosas e hordas de apoiadores ferrenhos e ricos, cujo objetivo é nada menos do que a revolução.

Criptomoedas podem ser destrutivas

A segunda razão para prestar atenção aos ativos digitais é que entendê-los agora é a melhor forma de garantir que não se tornem uma força destruidora no futuro.

No início dos anos 2010, a crítica mais comum aos aplicativos de mídias sociais, como Facebook e X era que eles simplesmente não funcionariam como empresas. Os especialistas previam que os usuários mais cedo ou mais tarde se cansariam das fotos das férias de seus amigos, que os anunciantes iriam embora e que todo o setor de mídias sociais fracassaria. A teoria nem se baseava tanto nas redes sociais serem perigosas ou ruins; apenas que eram chatas e bregas, uma moda passageira que desapareceria tão depressa quanto surgiu.

O que ninguém estava perguntando naquela época – pelo menos não em alto e bom som – eram coisas como: e se as mídias sociais na verdade forem absurdamente bem-sucedidas? Que tipo de regulamentação precisaria existir num mundo onde o Facebook e o X fossem as plataformas de comunicação dominantes? Como as empresas de tecnologia, com bilhões de usuários, devem se comprometer ao equilibrar os pratinhos do dilema entre liberdade de expressão e segurança? Quais características do produto poderiam impedir que o ódio e a desinformação online se transformassem em violência no mundo real?

Lá pela metade da década, quando ficou claro que essas questões eram urgentes, já era tarde demais. A mecânica da plataforma e os modelos de negócios baseados em anúncios já estavam em ação, e os céticos – que poderiam ter feito esses aplicativos tomarem um rumo melhor se os tivessem levado mais a sério desde o início – estavam confusos tentando conter os danos.

Estamos cometendo o mesmo erro com os criptoativos hoje? É possível. Ninguém sabe ainda se eles vão ou não “dar certo”, no sentido mais amplo. (Qualquer um que diga o contrário está vendendo alguma coisa.) Contudo, há dinheiro e energia de verdade nisso, e muitos veteranos da tecnologia com quem falei me dizem que o cenário dos ativos digitais de hoje parece, para eles, 2010 se repetindo – com a tecnologia interferindo não nos meios de comunicação, mas no dinheiro desta vez.

Se eles estiverem errados, estão errados. Entretanto, se estiverem certos – mesmo que só parcialmente –, o melhor momento para começar a prestar atenção é agora, antes de os caminhos serem definidos e os problemas serem incontroláveis.

A terceira razão para estudar os criptoativos é que pode ser divertido de verdade aprender sobre eles.

Claro, grande parte disso tudo é estúpida, duvidosa ou refutável. Mas, se você conseguir observar além daquele carnaval de publicidade e analisar o jargão complicado, encontrará um poço sem fundo de projetos estranhos, interessantes e instigantes. A pauta dos criptoativos é tão grande e multidisciplinar – reunindo elementos de economia, engenharia, filosofia, direito, arte, política energética e muito mais – que oferece muitos pontos de partida para os iniciantes. Quer discutir a influência da economia austríaca no crescimento do Bitcoin? Provavelmente existe um servidor no Discord a respeito disso. Quer fazer parte de uma organização autônoma descentralizada (DAO, na sigla em inglês) que investe em NFTs, ou jogar um videogame que recompensa suas vitórias com tokens de criptoativos? Vai fundo.

Os ativos digitais são uma chave mestra geracional

Veja bem, não estou sugerindo que o mundo dos criptoativos seja diverso, no sentido demográfico. Pesquisas sugerem que homens brancos com salários altos representam uma grande parcela dos donos de criptomoedas, e os libertários com exemplares desgastados de A Revolta de Atlas provavelmente têm incontáveis representantes entre os milionários com criptoativos. Entretanto, não se trata de um grupo com pensamento único. Há maximalistas do Bitcoin de direita que acreditam que os ativos digitais os libertará da tirania do governo; fãs do Ethereum de esquerda que querem derrotar os grandes bancos; e especuladores sem qualquer apego ideológico que só querem ganhar dinheiro e dar o fora. Essas comunidades brigam entre si constantemente, e muitas têm ideias extremamente diferentes em relação ao que os criptoativos deveriam ser. Isso contribui para a pesquisa ser fascinante, principalmente com um pouco de distanciamento emocional.

Aprendendo alguns conceitos básicos dos criptoativos, você talvez descubra um mundo inteiro de novas perspectivas. Você entenderá por que Jimmy Fallon e Stephen Curry estão trocando seus avatares no X por imagens de macacos de desenho animado e por que Elon Musk, o homem mais rico do mundo, passou boa parte de 2022 tuitando sobre uma moeda digital com o nome de um cachorro. Palavras e frases estranhas com as quais você se depara na internet – rug pulls, flippenings, “gm” – vão se tornar familiares e, por fim, manchetes como “colecionador de NFTs vende fursonas de pessoas por US$ 100 mil em batalha com o botão direito” não farão mais você se questionar se está ficando louco.

Os criptoativos também podem ser uma espécie de chave mestra geracional – talvez a maneira mais rápida de renovar sua consciência cultural e decifrar as crenças e ações dos jovens de hoje. Eu poderia argumentar que, assim como saber um pouco sobre o misticismo e os psicodélicos da nova era ajudaria alguém a tentar entender a cultura jovem na década de 1960, conhecer alguns conceitos básicos dos ativos digitais pode ajudar alguém perplexo com as novas atitudes em relação ao dinheiro e poder a se sentir mais conectado com o presente.

De novo, não me importo de verdade se você é um apoiador fiel, um crítico ferrenho ou algo entre esses dois extremos. Participe ou se abstenha disso como desejar. Tudo o que peço é compreensão – e talvez uma desencanada da pergunta que consumiu minha vida social e profissional nos últimos anos: “Então, posso fazer uma pergunta sobre criptoativos?”.

Confira as demais matérias da série do “The New York Times”

O básico das criptomoedas

Criptoativos para iniciantes: o que é a web3?

Criptoativos para iniciantes: o que são NFTs?

Criptoativos para iniciantes: o que é DeFi?

Até bem pouco tempo, se você morasse em qualquer outro lugar do mundo que não fosse São Francisco, era possível passar dias ou mesmo semanas sem ouvir falar de criptomoedas.

Agora, do nada, é inevitável. Olhe para um lado e lá está Matt Damon e Larry David em anúncios para startups de criptoativos. Olhe para o outro – veja só, são os prefeitos de Miami e Nova York discutindo quem ama mais o Bitcoin. Duas arenas da NBA agora têm o nome de empresas de criptomoedas, e parece que todas as equipes de marketing corporativo nos Estados Unidos entraram na onda dos tokens não fungíveis (NFTs). (Que tal um da coleção “Mic Drop” gênesis da Pepsi? Ou talvez algo da coleção de NFTs da Applebee’s, a “Metaverse Meals”, inspirada nos itens dos cardápios “icônicos” da rede de restaurantes?)

Ao mesmo tempo que a aceitação dos ativos digitais cresce, eles inspiram um discurso excepcionalmente polarizado Foto: Getty Images

Criptoativos! Durante anos, parecia mais uma modinha passageira do mundo da tecnologia que a maioria de nós poderia ignorar sem problemas, como os hoverboards ou o Google Glass. Entretanto, o poder deles, tanto econômico como cultural, tornou-se grande demais para ser ignorado. Vinte por cento dos adultos americanos e 36% dos millennials têm criptomoedas, de acordo com uma pesquisa recente da Morning Consult. O app da Coinbase para negociar criptoativos esteve entre os mais usados da App Store pelo menos duas vezes em 2022. Hoje, o mercado de ativos digitais está avaliado em cerca de US$ 1,75 trilhão – aproximadamente o tamanho do Google. E, no Vale do Silício, engenheiros e executivos estão deixando empregos confortáveis aos montes para participar da corrida do ouro dos criptoativos.

Ao mesmo tempo que a aceitação dos ativos digitais cresce, eles inspiram um discurso excepcionalmente polarizado. Seus maiores entusiastas são fanáticos de olhos arregalados que acreditam estar salvando o mundo, enquanto seus maiores críticos estão convencidos de que tudo não passa de uma farsa – uma bolha especulativa prejudicial ao meio ambiente orquestrada por vigaristas e vendida a trouxas gananciosos, que provavelmente quebrará a economia quando explodir.

Escrevo sobre criptoativos há quase uma década, um período no qual minhas próprias opiniões oscilaram entre ceticismo extremo e otimismo cauteloso. Atualmente costumo me descrever como alguém com interesse moderado pelos ativos digitais, embora admita que isso talvez seja uma maneira de me esquivar do tema.

Concordo com os céticos que grande parte do mercado de criptoativos consiste em ativos superestimados, promovidos de forma exagerada e possivelmente fraudulenta, e sou indiferente aos posicionamentos mais utópicos a favor deles (como a alegação de Jack Dorsey, o ex-chefe do X (antigo Twitter) obcecado por criptoativos, de que o Bitcoin dará início à paz mundial).

Entretanto, conforme passei a ter mais experiência com os ativos digitais – incluindo uma venda acidental de um NFT por mais de US$ 500 mil em um leilão de caridade em 2022 –, aceitei que nem tudo é apenas uma forma de ganhar dinheiro desonestamente e que há coisas significativas de verdade sendo construídas. Também aprendi como jornalista de tecnologia que, quando tanto dinheiro, energia e talento fluem para uma coisa nova, geralmente é uma boa ideia prestar atenção, independentemente de suas opiniões em relação a isso.

Minha maior convicção a respeito dos criptoativos, no entanto, é que eles são terrivelmente apresentados ao público.

Recentemente, passei vários meses lendo tudo o que encontrava sobre o tema. Descobri que a maioria dos guias para iniciantes se resumia a podcasts chatos, vídeos do YouTube com pouca pesquisa e posts em blogs escritos por investidores irremediavelmente tendenciosos. Por outro lado, muito do conteúdo contrário aos criptoativos era prejudicado por falta de precisão e argumentos desatualizados, como a afirmação de que eles são bons para os criminosos, apesar da crescente evidência de que os livros-razão rastreáveis dos ativos digitais fazem com que eles se tornem inadequados para atividades ilícitas.

O que não consegui encontrar foi uma explicação sensata e imparcial sobre o que os criptoativos de fato são – como funcionam, a quem se destinam, o que está em jogo, onde os problemas começam –, junto com respostas para algumas das dúvidas mais frequentes.

Este manual – na verdade, um enorme FAQ – é uma tentativa de dar um jeito nisso. Explicarei os conceitos básicos dos criptoativos da forma mais clara possível, dando o meu melhor para responder às perguntas que um cético curioso, porém de mente aberta, poderia fazer.

É provável que os apoiadores dos criptoativos reclamem das minhas respostas, enquanto os oponentes mais ferrenhos as considerem benevolentes demais. Não há problema. Meu objetivo não é convencer ninguém de que os criptoativos são bons ou ruins, que devem ser proibidos ou enaltecidos, ou que investir neles vai lhe tornar rico ou levar à falência. É simplesmente desmistificar um pouco as coisas.

Criptoativos serão transformadores

Saber o que são os ativos digitais hoje – sobretudo no caso dos céticos – é importante por algumas razões.

A primeira é que a riqueza e a ideologia dos criptoativos serão uma força transformadora em nossa sociedade nos próximos anos.

Você já ouviu falar daqueles que se tornaram milionários da noite para o dia com Dogecoin e dos “Bitcoin bros” dirigindo Lamborghinis. Mas isso não é nem metade da história. O boom das criptomoedas gerou novas fortunas enormes numa velocidade nunca vista antes – a comparação mais próxima é provavelmente a descoberta de petróleo no Oriente Médio – e transformou seus maiores beneficiários em algumas das pessoas mais ricas do mundo, basicamente de um dia para o outro. Algumas fortunas em ativos digitais podem sumir se o mercado quebrar, porém ele já rendeu dinheiro suficiente para garantir que a influência dos criptoativos permanecerá durante décadas.

A cultura online impulsiva e louca por memes dos criptoativos pode fazer com que eles pareçam frívolos e superficiais. Mas não é o caso. As criptomoedas, mesmo aquelas que parecem piada, fazem parte de um movimento ideológico robusto e bem financiado com sérias implicações para o nosso futuro político e econômico. O Bitcoin, que surgiu das cinzas da crise financeira de 2007-2008, teve como primeiro público os libertários e ativistas antiestablishment que o enxergavam como o pilar de um novo e incorruptível sistema monetário. Desde então, outras criptomoedas definiram objetivos igualmente grandiosos, como a construção de uma versão descentralizada e em grande parte não regulamentada de Wall Street em ambiente blockchain.

Já estamos começando a ver uma onda de dinheiro gerado com criptoativos fluir para o sistema político dos Estados Unidos. Os empresários de criptoativos estão doando milhões de dólares para candidatos e causas, e as empresas de lobby se espalharam por todo o país para conquistar o apoio à legislação em prol das criptomoedas. Nos próximos anos, os magnatas dos ativos digitais financiarão as campanhas de candidatos favoráveis aos criptoativos, ou concorrerão eles mesmos. Alguns vão vender influência de formas conhecidas – criando supercomitês políticos, financiando think tanks, etc. –, enquanto outros tentarão escapar totalmente do impasse partidário. (Os milionários das criptomoedas já estão comprando terrenos no Pacífico Sul para construir suas próprias utopias com tecnologia blockchain.)

Os criptoativos estão prestes a se tornar em breve uma das poucas questões verdadeiramente polêmicas, com políticos de todo o mundo forçados a escolher um lado. Alguns países, como El Salvador – cujo presidente fã das criptomoedas anunciou a criação de uma “cidade do Bitcoin” aos pés de um vulcão –, sem dúvidas ficarão do lado dos ativos digitais. Outros governos talvez decidam que os criptoativos são uma ameaça à sua soberania e fechem o cerco contra eles, como a China fez quando proibiu as transações com criptomoedas em 2022. A divisão entre as regiões do mundo pró e contra os ativos digitais pode acabar sendo no mínimo tão grande quanto a discrepância entre a internet chinesa e a americana, e talvez ainda mais importante.

Nos EUA, já vimos como os criptoativos podem bagunçar as alianças partidárias habituais. O ex-presidente Donald Trump e a senadora democrata Elizabeth Warren estão unidos nas críticas às criptomoedas, por exemplo, enquanto o senador republicano Ted Cruz tem a mesma visão otimista sobre os criptoativos que o senador democrata Ron Wyden. Também vimos o que pode acontecer quando aqueles do universo cripto se sentem politicamente ameaçados, como ocorreu em 2022, quando grupos de investidores em ativos digitais se uniram para se opor a uma disposição relacionada às criptomoedas no projeto de lei de infraestrutura do presidente Joe Biden.

O que estou dizendo, acho, é que, apesar da aparência brincalhona, os criptoativos não são apenas mais um fenômeno estranho da internet. É um movimento tecnológico organizado, munido de ferramentas poderosas e hordas de apoiadores ferrenhos e ricos, cujo objetivo é nada menos do que a revolução.

Criptomoedas podem ser destrutivas

A segunda razão para prestar atenção aos ativos digitais é que entendê-los agora é a melhor forma de garantir que não se tornem uma força destruidora no futuro.

No início dos anos 2010, a crítica mais comum aos aplicativos de mídias sociais, como Facebook e X era que eles simplesmente não funcionariam como empresas. Os especialistas previam que os usuários mais cedo ou mais tarde se cansariam das fotos das férias de seus amigos, que os anunciantes iriam embora e que todo o setor de mídias sociais fracassaria. A teoria nem se baseava tanto nas redes sociais serem perigosas ou ruins; apenas que eram chatas e bregas, uma moda passageira que desapareceria tão depressa quanto surgiu.

O que ninguém estava perguntando naquela época – pelo menos não em alto e bom som – eram coisas como: e se as mídias sociais na verdade forem absurdamente bem-sucedidas? Que tipo de regulamentação precisaria existir num mundo onde o Facebook e o X fossem as plataformas de comunicação dominantes? Como as empresas de tecnologia, com bilhões de usuários, devem se comprometer ao equilibrar os pratinhos do dilema entre liberdade de expressão e segurança? Quais características do produto poderiam impedir que o ódio e a desinformação online se transformassem em violência no mundo real?

Lá pela metade da década, quando ficou claro que essas questões eram urgentes, já era tarde demais. A mecânica da plataforma e os modelos de negócios baseados em anúncios já estavam em ação, e os céticos – que poderiam ter feito esses aplicativos tomarem um rumo melhor se os tivessem levado mais a sério desde o início – estavam confusos tentando conter os danos.

Estamos cometendo o mesmo erro com os criptoativos hoje? É possível. Ninguém sabe ainda se eles vão ou não “dar certo”, no sentido mais amplo. (Qualquer um que diga o contrário está vendendo alguma coisa.) Contudo, há dinheiro e energia de verdade nisso, e muitos veteranos da tecnologia com quem falei me dizem que o cenário dos ativos digitais de hoje parece, para eles, 2010 se repetindo – com a tecnologia interferindo não nos meios de comunicação, mas no dinheiro desta vez.

Se eles estiverem errados, estão errados. Entretanto, se estiverem certos – mesmo que só parcialmente –, o melhor momento para começar a prestar atenção é agora, antes de os caminhos serem definidos e os problemas serem incontroláveis.

A terceira razão para estudar os criptoativos é que pode ser divertido de verdade aprender sobre eles.

Claro, grande parte disso tudo é estúpida, duvidosa ou refutável. Mas, se você conseguir observar além daquele carnaval de publicidade e analisar o jargão complicado, encontrará um poço sem fundo de projetos estranhos, interessantes e instigantes. A pauta dos criptoativos é tão grande e multidisciplinar – reunindo elementos de economia, engenharia, filosofia, direito, arte, política energética e muito mais – que oferece muitos pontos de partida para os iniciantes. Quer discutir a influência da economia austríaca no crescimento do Bitcoin? Provavelmente existe um servidor no Discord a respeito disso. Quer fazer parte de uma organização autônoma descentralizada (DAO, na sigla em inglês) que investe em NFTs, ou jogar um videogame que recompensa suas vitórias com tokens de criptoativos? Vai fundo.

Os ativos digitais são uma chave mestra geracional

Veja bem, não estou sugerindo que o mundo dos criptoativos seja diverso, no sentido demográfico. Pesquisas sugerem que homens brancos com salários altos representam uma grande parcela dos donos de criptomoedas, e os libertários com exemplares desgastados de A Revolta de Atlas provavelmente têm incontáveis representantes entre os milionários com criptoativos. Entretanto, não se trata de um grupo com pensamento único. Há maximalistas do Bitcoin de direita que acreditam que os ativos digitais os libertará da tirania do governo; fãs do Ethereum de esquerda que querem derrotar os grandes bancos; e especuladores sem qualquer apego ideológico que só querem ganhar dinheiro e dar o fora. Essas comunidades brigam entre si constantemente, e muitas têm ideias extremamente diferentes em relação ao que os criptoativos deveriam ser. Isso contribui para a pesquisa ser fascinante, principalmente com um pouco de distanciamento emocional.

Aprendendo alguns conceitos básicos dos criptoativos, você talvez descubra um mundo inteiro de novas perspectivas. Você entenderá por que Jimmy Fallon e Stephen Curry estão trocando seus avatares no X por imagens de macacos de desenho animado e por que Elon Musk, o homem mais rico do mundo, passou boa parte de 2022 tuitando sobre uma moeda digital com o nome de um cachorro. Palavras e frases estranhas com as quais você se depara na internet – rug pulls, flippenings, “gm” – vão se tornar familiares e, por fim, manchetes como “colecionador de NFTs vende fursonas de pessoas por US$ 100 mil em batalha com o botão direito” não farão mais você se questionar se está ficando louco.

Os criptoativos também podem ser uma espécie de chave mestra geracional – talvez a maneira mais rápida de renovar sua consciência cultural e decifrar as crenças e ações dos jovens de hoje. Eu poderia argumentar que, assim como saber um pouco sobre o misticismo e os psicodélicos da nova era ajudaria alguém a tentar entender a cultura jovem na década de 1960, conhecer alguns conceitos básicos dos ativos digitais pode ajudar alguém perplexo com as novas atitudes em relação ao dinheiro e poder a se sentir mais conectado com o presente.

De novo, não me importo de verdade se você é um apoiador fiel, um crítico ferrenho ou algo entre esses dois extremos. Participe ou se abstenha disso como desejar. Tudo o que peço é compreensão – e talvez uma desencanada da pergunta que consumiu minha vida social e profissional nos últimos anos: “Então, posso fazer uma pergunta sobre criptoativos?”.

Confira as demais matérias da série do “The New York Times”

O básico das criptomoedas

Criptoativos para iniciantes: o que é a web3?

Criptoativos para iniciantes: o que são NFTs?

Criptoativos para iniciantes: o que é DeFi?

Até bem pouco tempo, se você morasse em qualquer outro lugar do mundo que não fosse São Francisco, era possível passar dias ou mesmo semanas sem ouvir falar de criptomoedas.

Agora, do nada, é inevitável. Olhe para um lado e lá está Matt Damon e Larry David em anúncios para startups de criptoativos. Olhe para o outro – veja só, são os prefeitos de Miami e Nova York discutindo quem ama mais o Bitcoin. Duas arenas da NBA agora têm o nome de empresas de criptomoedas, e parece que todas as equipes de marketing corporativo nos Estados Unidos entraram na onda dos tokens não fungíveis (NFTs). (Que tal um da coleção “Mic Drop” gênesis da Pepsi? Ou talvez algo da coleção de NFTs da Applebee’s, a “Metaverse Meals”, inspirada nos itens dos cardápios “icônicos” da rede de restaurantes?)

Ao mesmo tempo que a aceitação dos ativos digitais cresce, eles inspiram um discurso excepcionalmente polarizado Foto: Getty Images

Criptoativos! Durante anos, parecia mais uma modinha passageira do mundo da tecnologia que a maioria de nós poderia ignorar sem problemas, como os hoverboards ou o Google Glass. Entretanto, o poder deles, tanto econômico como cultural, tornou-se grande demais para ser ignorado. Vinte por cento dos adultos americanos e 36% dos millennials têm criptomoedas, de acordo com uma pesquisa recente da Morning Consult. O app da Coinbase para negociar criptoativos esteve entre os mais usados da App Store pelo menos duas vezes em 2022. Hoje, o mercado de ativos digitais está avaliado em cerca de US$ 1,75 trilhão – aproximadamente o tamanho do Google. E, no Vale do Silício, engenheiros e executivos estão deixando empregos confortáveis aos montes para participar da corrida do ouro dos criptoativos.

Ao mesmo tempo que a aceitação dos ativos digitais cresce, eles inspiram um discurso excepcionalmente polarizado. Seus maiores entusiastas são fanáticos de olhos arregalados que acreditam estar salvando o mundo, enquanto seus maiores críticos estão convencidos de que tudo não passa de uma farsa – uma bolha especulativa prejudicial ao meio ambiente orquestrada por vigaristas e vendida a trouxas gananciosos, que provavelmente quebrará a economia quando explodir.

Escrevo sobre criptoativos há quase uma década, um período no qual minhas próprias opiniões oscilaram entre ceticismo extremo e otimismo cauteloso. Atualmente costumo me descrever como alguém com interesse moderado pelos ativos digitais, embora admita que isso talvez seja uma maneira de me esquivar do tema.

Concordo com os céticos que grande parte do mercado de criptoativos consiste em ativos superestimados, promovidos de forma exagerada e possivelmente fraudulenta, e sou indiferente aos posicionamentos mais utópicos a favor deles (como a alegação de Jack Dorsey, o ex-chefe do X (antigo Twitter) obcecado por criptoativos, de que o Bitcoin dará início à paz mundial).

Entretanto, conforme passei a ter mais experiência com os ativos digitais – incluindo uma venda acidental de um NFT por mais de US$ 500 mil em um leilão de caridade em 2022 –, aceitei que nem tudo é apenas uma forma de ganhar dinheiro desonestamente e que há coisas significativas de verdade sendo construídas. Também aprendi como jornalista de tecnologia que, quando tanto dinheiro, energia e talento fluem para uma coisa nova, geralmente é uma boa ideia prestar atenção, independentemente de suas opiniões em relação a isso.

Minha maior convicção a respeito dos criptoativos, no entanto, é que eles são terrivelmente apresentados ao público.

Recentemente, passei vários meses lendo tudo o que encontrava sobre o tema. Descobri que a maioria dos guias para iniciantes se resumia a podcasts chatos, vídeos do YouTube com pouca pesquisa e posts em blogs escritos por investidores irremediavelmente tendenciosos. Por outro lado, muito do conteúdo contrário aos criptoativos era prejudicado por falta de precisão e argumentos desatualizados, como a afirmação de que eles são bons para os criminosos, apesar da crescente evidência de que os livros-razão rastreáveis dos ativos digitais fazem com que eles se tornem inadequados para atividades ilícitas.

O que não consegui encontrar foi uma explicação sensata e imparcial sobre o que os criptoativos de fato são – como funcionam, a quem se destinam, o que está em jogo, onde os problemas começam –, junto com respostas para algumas das dúvidas mais frequentes.

Este manual – na verdade, um enorme FAQ – é uma tentativa de dar um jeito nisso. Explicarei os conceitos básicos dos criptoativos da forma mais clara possível, dando o meu melhor para responder às perguntas que um cético curioso, porém de mente aberta, poderia fazer.

É provável que os apoiadores dos criptoativos reclamem das minhas respostas, enquanto os oponentes mais ferrenhos as considerem benevolentes demais. Não há problema. Meu objetivo não é convencer ninguém de que os criptoativos são bons ou ruins, que devem ser proibidos ou enaltecidos, ou que investir neles vai lhe tornar rico ou levar à falência. É simplesmente desmistificar um pouco as coisas.

Criptoativos serão transformadores

Saber o que são os ativos digitais hoje – sobretudo no caso dos céticos – é importante por algumas razões.

A primeira é que a riqueza e a ideologia dos criptoativos serão uma força transformadora em nossa sociedade nos próximos anos.

Você já ouviu falar daqueles que se tornaram milionários da noite para o dia com Dogecoin e dos “Bitcoin bros” dirigindo Lamborghinis. Mas isso não é nem metade da história. O boom das criptomoedas gerou novas fortunas enormes numa velocidade nunca vista antes – a comparação mais próxima é provavelmente a descoberta de petróleo no Oriente Médio – e transformou seus maiores beneficiários em algumas das pessoas mais ricas do mundo, basicamente de um dia para o outro. Algumas fortunas em ativos digitais podem sumir se o mercado quebrar, porém ele já rendeu dinheiro suficiente para garantir que a influência dos criptoativos permanecerá durante décadas.

A cultura online impulsiva e louca por memes dos criptoativos pode fazer com que eles pareçam frívolos e superficiais. Mas não é o caso. As criptomoedas, mesmo aquelas que parecem piada, fazem parte de um movimento ideológico robusto e bem financiado com sérias implicações para o nosso futuro político e econômico. O Bitcoin, que surgiu das cinzas da crise financeira de 2007-2008, teve como primeiro público os libertários e ativistas antiestablishment que o enxergavam como o pilar de um novo e incorruptível sistema monetário. Desde então, outras criptomoedas definiram objetivos igualmente grandiosos, como a construção de uma versão descentralizada e em grande parte não regulamentada de Wall Street em ambiente blockchain.

Já estamos começando a ver uma onda de dinheiro gerado com criptoativos fluir para o sistema político dos Estados Unidos. Os empresários de criptoativos estão doando milhões de dólares para candidatos e causas, e as empresas de lobby se espalharam por todo o país para conquistar o apoio à legislação em prol das criptomoedas. Nos próximos anos, os magnatas dos ativos digitais financiarão as campanhas de candidatos favoráveis aos criptoativos, ou concorrerão eles mesmos. Alguns vão vender influência de formas conhecidas – criando supercomitês políticos, financiando think tanks, etc. –, enquanto outros tentarão escapar totalmente do impasse partidário. (Os milionários das criptomoedas já estão comprando terrenos no Pacífico Sul para construir suas próprias utopias com tecnologia blockchain.)

Os criptoativos estão prestes a se tornar em breve uma das poucas questões verdadeiramente polêmicas, com políticos de todo o mundo forçados a escolher um lado. Alguns países, como El Salvador – cujo presidente fã das criptomoedas anunciou a criação de uma “cidade do Bitcoin” aos pés de um vulcão –, sem dúvidas ficarão do lado dos ativos digitais. Outros governos talvez decidam que os criptoativos são uma ameaça à sua soberania e fechem o cerco contra eles, como a China fez quando proibiu as transações com criptomoedas em 2022. A divisão entre as regiões do mundo pró e contra os ativos digitais pode acabar sendo no mínimo tão grande quanto a discrepância entre a internet chinesa e a americana, e talvez ainda mais importante.

Nos EUA, já vimos como os criptoativos podem bagunçar as alianças partidárias habituais. O ex-presidente Donald Trump e a senadora democrata Elizabeth Warren estão unidos nas críticas às criptomoedas, por exemplo, enquanto o senador republicano Ted Cruz tem a mesma visão otimista sobre os criptoativos que o senador democrata Ron Wyden. Também vimos o que pode acontecer quando aqueles do universo cripto se sentem politicamente ameaçados, como ocorreu em 2022, quando grupos de investidores em ativos digitais se uniram para se opor a uma disposição relacionada às criptomoedas no projeto de lei de infraestrutura do presidente Joe Biden.

O que estou dizendo, acho, é que, apesar da aparência brincalhona, os criptoativos não são apenas mais um fenômeno estranho da internet. É um movimento tecnológico organizado, munido de ferramentas poderosas e hordas de apoiadores ferrenhos e ricos, cujo objetivo é nada menos do que a revolução.

Criptomoedas podem ser destrutivas

A segunda razão para prestar atenção aos ativos digitais é que entendê-los agora é a melhor forma de garantir que não se tornem uma força destruidora no futuro.

No início dos anos 2010, a crítica mais comum aos aplicativos de mídias sociais, como Facebook e X era que eles simplesmente não funcionariam como empresas. Os especialistas previam que os usuários mais cedo ou mais tarde se cansariam das fotos das férias de seus amigos, que os anunciantes iriam embora e que todo o setor de mídias sociais fracassaria. A teoria nem se baseava tanto nas redes sociais serem perigosas ou ruins; apenas que eram chatas e bregas, uma moda passageira que desapareceria tão depressa quanto surgiu.

O que ninguém estava perguntando naquela época – pelo menos não em alto e bom som – eram coisas como: e se as mídias sociais na verdade forem absurdamente bem-sucedidas? Que tipo de regulamentação precisaria existir num mundo onde o Facebook e o X fossem as plataformas de comunicação dominantes? Como as empresas de tecnologia, com bilhões de usuários, devem se comprometer ao equilibrar os pratinhos do dilema entre liberdade de expressão e segurança? Quais características do produto poderiam impedir que o ódio e a desinformação online se transformassem em violência no mundo real?

Lá pela metade da década, quando ficou claro que essas questões eram urgentes, já era tarde demais. A mecânica da plataforma e os modelos de negócios baseados em anúncios já estavam em ação, e os céticos – que poderiam ter feito esses aplicativos tomarem um rumo melhor se os tivessem levado mais a sério desde o início – estavam confusos tentando conter os danos.

Estamos cometendo o mesmo erro com os criptoativos hoje? É possível. Ninguém sabe ainda se eles vão ou não “dar certo”, no sentido mais amplo. (Qualquer um que diga o contrário está vendendo alguma coisa.) Contudo, há dinheiro e energia de verdade nisso, e muitos veteranos da tecnologia com quem falei me dizem que o cenário dos ativos digitais de hoje parece, para eles, 2010 se repetindo – com a tecnologia interferindo não nos meios de comunicação, mas no dinheiro desta vez.

Se eles estiverem errados, estão errados. Entretanto, se estiverem certos – mesmo que só parcialmente –, o melhor momento para começar a prestar atenção é agora, antes de os caminhos serem definidos e os problemas serem incontroláveis.

A terceira razão para estudar os criptoativos é que pode ser divertido de verdade aprender sobre eles.

Claro, grande parte disso tudo é estúpida, duvidosa ou refutável. Mas, se você conseguir observar além daquele carnaval de publicidade e analisar o jargão complicado, encontrará um poço sem fundo de projetos estranhos, interessantes e instigantes. A pauta dos criptoativos é tão grande e multidisciplinar – reunindo elementos de economia, engenharia, filosofia, direito, arte, política energética e muito mais – que oferece muitos pontos de partida para os iniciantes. Quer discutir a influência da economia austríaca no crescimento do Bitcoin? Provavelmente existe um servidor no Discord a respeito disso. Quer fazer parte de uma organização autônoma descentralizada (DAO, na sigla em inglês) que investe em NFTs, ou jogar um videogame que recompensa suas vitórias com tokens de criptoativos? Vai fundo.

Os ativos digitais são uma chave mestra geracional

Veja bem, não estou sugerindo que o mundo dos criptoativos seja diverso, no sentido demográfico. Pesquisas sugerem que homens brancos com salários altos representam uma grande parcela dos donos de criptomoedas, e os libertários com exemplares desgastados de A Revolta de Atlas provavelmente têm incontáveis representantes entre os milionários com criptoativos. Entretanto, não se trata de um grupo com pensamento único. Há maximalistas do Bitcoin de direita que acreditam que os ativos digitais os libertará da tirania do governo; fãs do Ethereum de esquerda que querem derrotar os grandes bancos; e especuladores sem qualquer apego ideológico que só querem ganhar dinheiro e dar o fora. Essas comunidades brigam entre si constantemente, e muitas têm ideias extremamente diferentes em relação ao que os criptoativos deveriam ser. Isso contribui para a pesquisa ser fascinante, principalmente com um pouco de distanciamento emocional.

Aprendendo alguns conceitos básicos dos criptoativos, você talvez descubra um mundo inteiro de novas perspectivas. Você entenderá por que Jimmy Fallon e Stephen Curry estão trocando seus avatares no X por imagens de macacos de desenho animado e por que Elon Musk, o homem mais rico do mundo, passou boa parte de 2022 tuitando sobre uma moeda digital com o nome de um cachorro. Palavras e frases estranhas com as quais você se depara na internet – rug pulls, flippenings, “gm” – vão se tornar familiares e, por fim, manchetes como “colecionador de NFTs vende fursonas de pessoas por US$ 100 mil em batalha com o botão direito” não farão mais você se questionar se está ficando louco.

Os criptoativos também podem ser uma espécie de chave mestra geracional – talvez a maneira mais rápida de renovar sua consciência cultural e decifrar as crenças e ações dos jovens de hoje. Eu poderia argumentar que, assim como saber um pouco sobre o misticismo e os psicodélicos da nova era ajudaria alguém a tentar entender a cultura jovem na década de 1960, conhecer alguns conceitos básicos dos ativos digitais pode ajudar alguém perplexo com as novas atitudes em relação ao dinheiro e poder a se sentir mais conectado com o presente.

De novo, não me importo de verdade se você é um apoiador fiel, um crítico ferrenho ou algo entre esses dois extremos. Participe ou se abstenha disso como desejar. Tudo o que peço é compreensão – e talvez uma desencanada da pergunta que consumiu minha vida social e profissional nos últimos anos: “Então, posso fazer uma pergunta sobre criptoativos?”.

Confira as demais matérias da série do “The New York Times”

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