As estatísticas divulgadas não deixam o problema passar despercebido: o brasileiro está endividado.
A última pesquisa divulgada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) revela que 79,2% das famílias possuem dívidas, e 30,3% referem-se a contas já atrasadas. Os principais débitos são de contratos bancários (cartão de crédito, cheque especial, empréstimos), lojas de varejo e serviços de utilidades (água, energia, gás).
É bem verdade que o atual modelo de sociedade de consumo, no contexto de um mundo globalizado, com o aumento de peças publicitárias mais agressivas, o comércio eletrônico e a facilidade ao crédito e aos bens (essenciais ou não) são circunstâncias que influenciam o superendividamento.
Mas é preciso destacar que esse superendividamento não se dá apenas de forma ativa, ou seja, quando o consumidor, voluntariamente, contrai dívidas além das possibilidades financeiras.
Há o superendividamento passivo, que ocorre quando ele precisa contrair dívidas em razão de “acidentes da vida” (desemprego, divórcio, morte, doença, redução de salário e a própria pandemia de covid-19), portanto, acontecimentos inesperados que levam o cidadão a comprometer seu orçamento.
A Lei n.º 14.181/2021, ao alterar o Código de Defesa do Consumidor (CDC), estabeleceu não só um procedimento que facilite o pagamento das dívidas, mediante audiências de conciliação, com possibilidade da revisão de alguns contratos, mas previu, também, novos princípios alusivos às políticas públicas, como ações direcionadas à educação financeira e ambiental para evitar a exclusão social (art. 4.º, CDC).
Previu, ainda, novos instrumentos para a execução dessa política ao positivar a criação de núcleos de conciliação e mediação de conflitos oriundos de superendividamento (art. 5.º, CDC).
O sistema da nova lei objetiva não só o tratamento, mas a prevenção do superendividamento, buscando passar de uma cultura da dívida e de exclusão social para uma cultura de pagamento.
Para sua efetiva implementação, é necessária a atuação integrada de diversos setores, tais como Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon), advogados, economistas, psicólogos, etc., em favor da necessária e concreta mudança de mentalidade.
O problema reflete no cotidiano de diversas famílias, daí a importância de o assunto ser debatido na sociedade em geral./ Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), mestre em Ciência Jurídica pela Univali-SC, mestrando em Sistemas Alternativos de Resolução de Conflitos pela UNLZ (Argentina), é especialista em Direito do Consumo pela Universidade de Coimbra