O objetivo principal do projeto de lei do Marco das Garantias é permitir um melhor uso dos imóveis para garantia de créditos para além do financiamento imobiliário. No Brasil, dividimos o crédito imobiliário entre financiamento e crédito com garantia imobiliária (CGI). Financiamento é o crédito usado para a compra do próprio imóvel, enquanto o CGI é todo crédito que não visa a compra do imóvel, mas que é garantido por um imóvel.
Por exemplo, posso tomar um CGI para financiar a reforma de um imóvel que já é meu, ou dar minha casa em garantia para tomar um empréstimo para investir na minha empresa.
Há dois problemas no Brasil que o projeto pretende resolver. Do ponto de vista econômico, o CGI é muito pouco usado — dados da Abecip mostram que o saldo ativo de CGI é atualmente de R$ 2 bilhões, enquanto o volume de financiamentos em aberto é de quase R$ 1 trilhão.
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O projeto então destrava dois tipos de CGI. Um deles é a segunda garantia sobre o mesmo imóvel (conhecida no exterior como second mortgage). O outro é o recarregamento do saldo devedor, que se inspira no modelo francês da “hypothèque rechargeable” e pode ser comparado com o modelo americano chamado “Heloc”, ou “Home Equity Line of Credit”.
A second mortgage é uma tomada de novo crédito garantida pelo mesmo imóvel. Já o recarregamento é a possibilidade de o mutuário recuperar de volta parte do dinheiro que já pagou em um financiamento longo, de modo que um financiamento já existente funcione, em momentos de necessidade, quase como um “cheque especial”, mas sujeito a uma taxa de juros muito mais baixa, que é a do crédito imobiliário.
É difícil fazer comparações diretas com estudos do exterior, mas dados dos EUA, por exemplo, mostram que apenas Heloc’s correspondem a cerca de 20% do volume de financiamento imobiliário (sem contar second mortgages).
Ou seja, se partíssemos do número atual do Brasil, em que o CGI representa menos de 1% do financiamento total, poderíamos ter algo como R$ 200 bilhões de novo crédito, apenas considerando o recarregamento de financiamentos existentes.
Outra métrica mais abrangente é calcular o volume de financiamentos imobiliários como porcentual do PIB.
No Brasil, o saldo do crédito imobiliário (financiamento+CGI) representa algo em torno de 10% do PIB. Nos países desenvolvidos, que contam com produtos de CGI, o crédito imobiliário gira em torno de 50% do PIB. No caso brasileiro, isso significa que as ferramentas trazidas pelo projeto de lei viabilizam, no longo prazo, uma injeção de R$ 3 trilhões ou R$ 4 trilhões na economia em novo crédito com garantia imobiliária.
O terceiro aspecto é que o projeto melhora o registro de garantias sobre bens móveis, o que vem em conjunto com a criação do Sistema Eletrônico dos Registros Públicos. Para isso, há muitos estudos do Banco Mundial que também indicam crescimento substancial do crédito, especialmente para PMEs. Por exemplo, na China, o Banco Mundial apura que o crescimento do número de empréstimos garantidos por bens móveis cresceu 21% por conta da implantação de um melhor sistema de registro de garantias./Especialista em direito imobiliário do Pinheiro Neto Advogados