Cultura emblemática da Amazônia, a borracha passou por diversos ciclos de desenvolvimento, tendo seu apogeu na virada do século XIX para o XX, quando gerou muita riqueza para cidades como Belém e Manaus. Com o passar das décadas, no entanto, perdeu mercado para a borracha importada de países asiáticos como Tailândia e Indonésia, atualmente os maiores produtores. Mas começam a tomar corpo, no coração da Amazônia, iniciativas para reativar essa cadeia, com agregação de valor e fortalecendo o comércio justo com comunidades extrativistas locais. O trabalho de extração do látex das seringueiras depende da manutenção da floresta em pé e do conhecimento tradicional dos extrativistas, sendo verdadeiros ativos da sociobiodiversidade da Amazônia.
No Estudo de Boas Práticas Empresariais na Amazônia, lançado em 2022, fruto de uma pesquisa conjunta entre o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) e o Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam), listamos casos de parcerias comerciais entre organizações e empresas, como do segmento de pneus, interessadas na borracha extraída de modo sustentável. Embora hoje a produção de borracha nativa da Amazônia seja pontual – cerca de 840 toneladas em 2022 –, ela pode assumir novas proporções com os incentivos corretos, já que a demanda global pelo produto é superior a 14 milhões de toneladas/ano, segundo a associação dos países produtores de borracha natural. Assim, fomentar a renovação dessa cadeia, partindo de atributos socioambientais, pode ser estratégico para o Brasil.
A borracha amazônica é um entre muitos exemplos do potencial da bioeconomia dos nossos biomas. Hoje, o Brasil participa de forma muito tímida do mercado global de produtos das cadeias da sociobiodiversidade: os produtos da floresta em pé na Amazônia geraram uma receita anual de US$ 298 milhões entre 2017 e 2019, o que é pouco, diante de seu potencial – globalmente, o mercado de produtos da sociobiodiversidade movimenta US$ 176,6 bilhões por ano. Só na Amazônia Legal brasileira, o potencial de aumento do Produto Interno Bruto (PIB) é de R$ 40 bilhões anuais, com geração de 312 mil empregos adicionais até 2050, segundo estudo do WRI Brasil.
O CEBDS acredita que os produtos da bioeconomia das cadeias da sociobiodiversidade podem compor, até 2030, pelo menos dois itens da pauta de exportação brasileira, com incremento de ao menos 1% do PIB – essa foi uma das recomendações que fizemos ao Plano de Transformação Ecológica do governo federal. O plano coloca a bioeconomia como um de seus seis eixos prioritários e sinaliza, de forma inédita, que o combate ao desmatamento virá acompanhado de políticas públicas para incentivar as cadeias da floresta em pé. Assim, a bioeconomia pode ajudar o país a gerar renda com os biomas preservados, combater a pobreza e fomentar um novo paradigma econômico em regiões de rica biodiversidade.
Na atual presidência do G-20, a bioeconomia tem ganhado relevância nos grupos de trabalho e atende às três prioridades estabelecidas pelo Brasil: o combate à fome, o desenvolvimento sustentável e o redesenho da governança global. A bioeconomia também é uma aliada para que o país alcance os compromissos assumidos nos dois maiores tratados ambientais da atualidade – o Acordo de Paris, do clima, e o de Kunming-Montreal, da biodiversidade, além de responder à Agenda 2030 da ONU.
O setor empresarial brasileiro tem dado passos importantes nesse tema. Além das já citadas contribuições ao Plano de Transformação Ecológica, o CEBDS lançou, durante a COP 28, realizada em Dubai em 2023, uma parceria para ajudar empresas a identificar oportunidades para desenvolver iniciativas sustentáveis na Amazônia Legal. A ideia é sistematizar um ‘fast-track’ de projetos que possam ser replicados e escalados, capazes de impactar o Plano de Transformação Ecológica do governo e, ao mesmo tempo, garantir integridade e adicionalidades socioambientais. Os parceiros são o Igarapé, a JGP e empresas associadas ao CEBDS que atuam na Amazônia Legal ou que tenham afinidade com os projetos discutidos.
Enxergamos a bioeconomia como uma alternativa concreta para a transformação da economia brasileira e um caminho seguro para soluções de clima, natureza e de desenvolvimento econômico-social, especialmente para os países ricos em natureza como o Brasil. Hoje, as maiores florestas tropicais do mundo estão, além da Amazônia, na Bacia do Congo, na África, e no Sudeste Asiático, regiões do Sul global que podem oferecer essas soluções ao mundo. É possível mudar paradigmas e fazer valer a economia da floresta em pé, sem a dependência de ciclos econômicos específicos como no passado? Bons projetos existem, mas é fundamental que ganhem escala, extensão, recursos e status de política pública.