Chegamos à metade de 2024 e este já se configura um ano de extremos climáticos. Ainda não superamos as chuvas que devastaram o Rio Grande do Sul, nem contabilizamos todo o seu prejuízo, e já nos deparamos com os incêndios no Pantanal, decorrentes de uma forte seca na região Centro-Oeste. Os focos de fogo registrados somente na primeira quinzena de junho foram os mais numerosos para o mês segundo a série histórica do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), iniciada em 1998. Alertas de meteorologistas já começam a aparecer sobre a seca no Amazonas este ano ser ainda mais acentuada do que a de 2023, que foi histórica - em meados de junho, o nível do Rio Negro baixou mais de um metro, em comparação com o mesmo período do ano passado.
Os eventos extremos no país não nos deixam esquecer que a emergência climática é assunto do presente, não mais de um futuro distante. O setor empresarial brasileiro está comprometido em assumir um papel de protagonismo no enfrentamento dessa crise, tanto em ações de mitigação quanto adaptação climática, e um dos pontos fundamentais dessa discussão é a regulamentação do mercado de carbono, uma bandeira do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) desde 2016, quando começamos a colaborar com subsídios para o regramento da matéria, tanto com o Executivo quanto com o Legislativo.
Instituir um mecanismo de mercado de precificação de carbono em solo nacional configura, nesse sentido, um dos principais instrumentos regulatórios na necessária transição para uma economia de baixo carbono. Não estaremos sós, muito pelo contrário: a precificação do carbono é uma realidade em 53 países e 40 jurisdições subnacionais, alcançando 110 mecanismos - seja via 36 sistemas de comércio de emissões (ETS, na sigla em inglês), 39 taxas e impostos sobre o carbono e 35 mecanismos de crédito governamental, segundo o Banco Mundial. A criação de um mercado regulado de carbono impulsionará o Brasil a fazer parte desse time, colocando o setor empresarial e o país no protagonismo internacional na agenda de enfrentamento à mudança do clima.
Desde 2021, o Congresso Nacional brasileiro tem feito esforços para atender essa demanda, apoiada por diversos grupos sociais, e tem alcançado avanços significativos nesse sentido. Durante o processo de tramitação do atual projeto de lei em discussão no Legislativo, este passou por deliberação ampla de diversos atores da academia, do setor produtivo e da sociedade civil, através de audiências públicas realizadas tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal. Ao longo deste processo, marcado por articulação multissetorial pela construção de consensos, prevaleceu a opção por um mercado regulado de carbono seguindo a lógica de comércio de emissões do tipo ‘cap and trade’. O modelo é predominante em iniciativas análogas globalmente, como no exemplo da União Europeia, onde desde 2005 este sistema vem ajudando a reduzir as emissões de gases de efeito estufa das centrais elétricas e industriais.
Apesar dos esforços empreendidos pela Câmara dos Deputados, o novo texto suscita divergências ao incorporar alguns pontos, entre eles no que tange ao mercado voluntário de créditos de carbono. No entendimento do CEBDS, é importante simplificar o texto, de modo a acelerar sua tramitação, e detalhar elementos referentes ao tema via normativa infralegal. Isso está expresso no posicionamento assinado por mais de 50 grandes empresas pedindo urgência na regulamentação desse mercado. O documento foi entregue ao deputado federal Aliel Machado, que relatou o tema na Câmara dos Deputados, e à senadora Leila Barros, que foi relatora do tema no Senado Federal.
O Brasil, como país presidente do G-20 e sede da Conferência das Partes (COP30) em Belém em 2025, vive um momento singular em sua história como promotor de práticas e de regulação na agenda do desenvolvimento sustentável. Temas como a bioeconomia, a taxonomia sustentável, a economia circular e a neoindustrialização estão no foco da transformação ecológica de nossa economia, com políticas públicas consistentes sendo construídas nesses eixos. O mercado regulado de carbono soma-se a esse rol de soluções, pois configura uma oportunidade legítima para liderança das negociações climáticas internacionais que acontecerão em solo nacional. Estamos atrasados na adoção de um instrumento de precificação de carbono e não há motivo para não fazê-lo, com rapidez e boa governança.