A foto da economia brasileira pode parecer boa, mas o filme preocupa. Nas últimas semanas, o dólar ultrapassou a barreira de R$ 5,70 e os juros futuros subiram, mesmo com o cenário de crescimento melhor do que o esperado para 2024 - o Fundo Monetário Internacional (FMI), por exemplo, aumentou para 3% a previsão para o Produto Interno Bruto (PIB).
O que explica esse mau humor com uma economia que colhe um bom crescimento, como é caso do Brasil? São vários os motivos, tanto internos quanto externos. “Assim como um acidente de avião não é causado por um único fator, o que está acontecendo com os ativos brasileiros não é causado por um único fator”, afirma Luis Otávio Leal, economista-chefe da G5 Partners.
No Brasil, a grande preocupação segue sendo o rumo das contas públicas. Por ora, os analistas não enxergam uma estabilização no crescimento da dívida no curto prazo - e o País já tem um alto endividamento para uma economia emergente. “O elevado nível de dívida pública e déficits fiscais persistentes preocupam os investidores”, diz Solange Srour, diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management.
Em 2032, a dívida bruta deve superar o patamar de 90% do PIB, de acordo com as projeções de analistas colhidas pelo Banco Central.
No mundo, o dólar tem se fortalecido - e, consequentemente, as demais moedas se enfraquecido - com a avaliação de que Donald Trump se tornou o favorito para vencer a eleição presidencial dos Estados Unidos e pelas indicações de que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) não deve reduzir os juros na velocidade que o mercado imaginava depois da reunião do mês passado, quando o BC dos EUA surpreendeu parte dos analistas ao cortar as taxas em 0,50 ponto percentual, para a faixa entre 4,75% a 5%.
“Depois que o Fed reduziu os juros, o mercado norte-americano entrou numa euforia de que o BC iria promover mais duas quedas de 0,5 (ponto percentual). Mas tanto números melhores da economia dos EUA quanto falas de dirigentes do Fed fizeram com o que o mercado reprecificasse essa trajetória”, afirma Leal.
Juros em patamares mais elevados nos Estados Unidos tiram a atratividade de economias emergentes para os investidores destinarem recursos.
A aposta, que se tornou majoritária no mercado financeiro, de que Trump vai ser o vencedor da eleição coloca no radar um cenário de mais inflação. Se conseguir mais um mandato, o republicano promete adotar novas tarifas de importação e restringir a imigração, o que deve tornar o mercado de trabalho ainda mais apertado.
“O que se entende é que o reflexo da política de Trump é inflação para cima, com uma política fiscal mais deteriorada e um aumento do endividamento mais rápido”, afirma Alessandra Ribeiro, diretora de macroeconomia e análise setorial na Tendências Consultoria. “O mercado olha e vê juro para cima, seja porque a inflação no curto prazo pode ficar mais alta, seja porque vai haver um nível de endividamento maior, exigindo mais juros para financiar o governo dos EUA.”
Há ainda uma grande preocupação com a China. A economia chinesa tem mostrado dificuldade para alcançar a meta de crescimento deste ano, que é de 5%. O Brasil é um grande exportador de commodities para os chineses, como soja e minério de ferro, e costuma sentir a desaceleração do gigante asiático.
Barra mais alta
Toda vez que o cenário externo fica mais difícil, é como se a barra subisse para o Brasil. A combinação de um mundo mais complexo com as incertezas fiscais locais contribui para uma piora na percepção de risco dos investidores em relação ao País. Esse movimento, claro, se reflete no câmbio. Desde o início do ano, o dólar mudou de patamar e se aproximou de R$ 5,70. No ano, a alta acumulada é de 17,62%.
Na mesma toada, os juros futuros subiram. Um título do Tesouro Nacional atrelado ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA) e com vencimento em 2035 oferece um ganho real superior a 6,7%. Em janeiro, o retorno era de 5,37%. Na prática, é um sinal do aumento da desconfiança com o rumo das contas públicas do Brasil. Ou seja, os investidores estão exigindo um ganho maior para financiar um governo cujo endividamento só tende a aumentar ao longo dos próximos anos.
A equipe econômica só vai conseguir estancar o crescente endividamento brasileiro se colocar o País numa rota de superávits primários. Ou seja, fazer com que as receitas superem as despesas, sem levar em conta o pagamento de juros. Em 2024 e 2025, o governo diz que vai entregar uma meta zero de resultado primário. Em 2026, no último do terceiro mandato do presidente Lula (PT), a promessa é de um superávit de 0,25% do PIB.
Definida com o arcabouço fiscal, a meta para o número primário tem um limite de tolerância de 0,25 ponto percentual. Com uma arrecadação robusta, os analistas avaliam que resultado deste ano deve ser cumprido, mas há uma grande dúvida esse cenário vai se repetir nos próximos anos. “As medidas de arrecadação deram certo (em 2024), mas o mercado começou a colocar no preço os anos de 2025 e 2026, porque vê que muitas coisas não são sustentáveis”, afirma Alessandra Ribeiro.
E há um questionamento maior sobre a própria sobrevivência do arcabouço, dado que o crescimento acelerado das despesas obrigatórias tem esmagado as despesas discricionárias (as que são passíveis de bloqueios e contingenciamentos) até 2026. “O cenário ainda é de um crescimento dos gastos obrigatórios, mesmo contando com uma desaceleração”, diz a diretora da Tendências.
Desde o início do mandato, o governo tem buscado ajustar as contas públicas por meio do aumento da receita. Mas, agora, será preciso rever as despesas. Pressionada, a equipe econômica promete apresentar um pacote de até R$ 50 bilhões de revisão de gastos estruturais.
“Há um receio crescente o uso de políticas parafiscais que já foram iniciadas. Ainda que não tragam piora para os indicadores fiscais de curto prazo, aparecerão mais cedo ou mais tarde nas estatísticas e atrapalham o trabalho do Banco Central”, afirma Solange Srour.
Como mostrou o Estadão, o governo tem ampliado o uso de fundos públicos e privados para turbinar a concessão de crédito barato e elevar os gastos sem esbarrar nas limitações impostas pelo arcabouço fiscal. Nem sempre essa prática tem um impacto no resultado primário, mas pode contribuir para a piora da dívida.
“A percepção de que o governo pode estar querendo burlar o arcabouço fiscal não tem ajudado em nada”, afirma Leal.
Juros e inflação mais altos
A condução da política fiscal também liga um alerta, porque ela está em oposição ao aumento de juros promovido pelo Banco Central. É como se o governo estivesse colocando o pé no acelerador ao mesmo tempo em que a autoridade monetária tenta pisar no freio, com o objetivo de levar a inflação à meta de 3%.
Em seu último encontro, o Comitê de Política Monetária (Copom) subiu a taxa básica de juros (Selic) em 0,25 ponto percentual, para 10,75%. Foi a primeira alta do terceiro mandato do presidente Lula. “Tem uma avaliação cada vez mais clara de incongruência das políticas”, afirma Ribeiro.
Por ora, os analistas consultados pelo relatório Focus, elaborado pelo Banco Central, esperam que a Selic encerre este ano em 11,75% e termine 2025 no patamar de 11,25%. É um cenário bem pior do que esperado em janeiro de 2024, quando as projeções para a taxa básica de juros ao fim de cada ano era de 9% e 8,5%, respectivamente.
Juros mais alto encarecem os investimento das empresas e o consumo das famílias, dificultando o crescimento econômico
O BC precisou dar início ao aperto monetário diante das expectativas para a inflação cada vez mais distantes de 3%. Os números para o IPCA pioraram, sobretudo, por causa de desvalorização do real e pela estiagem enfrentada pelo País, que afetou os preços de energia elétrica e alimentos.
No último relatório Focus, a previsão dos analistas consultados para o IPCA deste ano está em 4,55%, acima, portanto, do teto da meta (4,5%). As previsões para os próximos anos também estão rodando distantes da meta. A de 2025 está em 4%, e a do ano seguinte é de 3,6%.
Na condução da política monetária, há uma incerteza adicional relacionada ao rumo do Banco Central por causa da troca de presidência - se a autoridade monetária vai ser dura na magnitude suficiente para trazer a inflação para 3%. Em 2025, o BC será comandado por Gabriel Galípolo, indicado pelo governo Lula para substituir Roberto Campos Neto.
“Há o receio de que ano que vem o BC não atue de forma tão independente, já que estaremos nos aproximando de 2026 (ano de eleição presidencial), principalmente se a economia der sinais de desaceleração”, afirma Srour.
“Tem uma parte desse prêmio que é o mercado esperando a prova do pudim do Banco Central (com o Galipolo)”, acrescenta Ribeiro.
Desde que foi indicado para a presidência do BC, Galípolo tem buscado reforçar que a autoridade monetária vai buscar a meta de 3%. “O Banco Central tem uma meta e a função de reação do BC vai sempre se dar pela persecução da meta, e essa persecução da meta pode ser feita com mais ou menos custo, a depender de uma série de variáveis que o Banco Central às vezes não tem controle”, disse Galípolo num evento promovido pelo Itaú BBA neste mês. .