BRASÍLIA - O Brasil conseguiu emplacar um mecanismo no acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul que funcionará como um “seguro” para proteger o mercado nacional de leis que ainda estão em fase de implementação no bloco europeu. Prever a possibilidade de reequilíbrios no tratado foi a forma que o governo brasileiro encontrou de seguir negociando com os europeus mesmo diante de um cenário incerto sobre legislações que poderão afetar o comércio, disse ao Estadão/Broadcast a secretária de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), Tatiana Prazeres.
É o caso da lei antidesmatamento do bloco, que ainda não está em vigor mas desde já acende diversos alertas sobre possíveis impactos negativos para exportadores sul-americanos.
“A preocupação do governo brasileiro, desde o início, era de que a União Europeia não poderia oferecer com uma mão e tirar com a outra. Se eu não sei como você vai implementar a legislação ‘x’, é legítimo que eu possa ter direito a buscar uma compensação se, de fato, essa legislação frustrar as minhas expectativas de acesso a seu mercado”, explicou Prazeres, que reconheceu ter sido uma negociação difícil incorporar essas medidas. Mas, ao fim, os europeus entenderam que a questão “era muito importante” para o Brasil.
O acordo prevê uma arbitragem para tratar do tema. Essa instância vai definir se houve esvaziamento dos compromissos assumidos. Se sim, quem restringiu o comércio terá de oferecer compensações comerciais, ou seja, abertura de mercado, ao outro lado. Se não houver acordo, há direito a “retaliação”.
Prazeres conversou com a reportagem no Uruguai, onde acompanhou a cúpula do Mercosul, cenário do anúncio do acordo negociado há 25 anos. A secretária é testemunha e atuante de quase todo o desenrolar do tema dentro do governo, já que é funcionária de carreira do Mdic há 21 anos. A prova para entrar na carreira cobrou, inclusive, uma pergunta sobre o acordo, lembra ela.
Embora a conclusão dos textos seja um marco, há ainda um bom caminho pela frente. Prazeres confirmou, por sua vez, que a expectativa é de que o acordo seja assinado ainda em 2025, mais provavelmente no segundo semestre, conforme antecipou o Estadão/Broadcast. Antes disso, é preciso cumprir as etapas de revisão legal e tradução. E, após a assinatura, levar a cabo os processos de internalização e ratificação. Só então a zona de comércio funcionará.
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A negociação de um mecanismo de reequilíbrio no acordo é parte do que ficou conhecido como “Pacote de Brasília”. Foram pontos defendidos essencialmente pelo governo Lula a partir de 2023, sob avaliação de que o texto anunciado em 2019 pela gestão Bolsonaro não dava conta de preocupações sobre a proteção e desenvolvimento da indústria local.
Para Prazeres, esse pacote fez do tratado “um acordo equilibrado”. “Foram preocupações expressas pelo presidente Lula desde o início, como o espaço para políticas públicas na área de compras governamentais. Então, esse pacote vai ao encontro do que nós buscávamos e entendemos que agora temos um bom acordo aqui para avançar uma ratificação”, disse a secretária.
Ao citar uma boa expectativa com as exportações da indústria brasileira a partir do acordo, Prazeres defendeu que o acesso a tecnologias avançadas advindas da UE irão ajudar a produtividade brasileira e gerar ganhos que não se limitam ao mercado europeu. “É de fato algo com potencial transformador para o comércio exterior do Brasil. E eu digo isso com convicção e com a certeza de que são poucas as oportunidades que são de fato transformadoras para o nosso comércio exterior”, afirmou.