Medidas ‘Robin Hood’: conheça milionários que defendem pagar mais impostos


Governo enviou ao Congresso propostas que alteram tributação de investimentos da parcela mais rica da população

Por Luciana Dyniewicz

O governo enviou, nesta semana, ao Congresso Nacional as propostas que alteram a tributação dos investimentos da parcela mais rica da população, feitos por meio de fundos exclusivos e de fundos offshore. As propostas, que alcançam o andar de cima, foram apelidadas de medidas “Robin Hood”, mas encontram resistência no Congresso.

Fora do Brasil, porém, um grupo de milionários vem defendendo a adoção de medidas como essas que passam a ser discutidas em Brasília. Neste ano, mais de 200 pessoas que acumulam fortunas de milhões de dólares em 13 diferentes países pediram, durante o Fórum Econômico Mundial, para pagar mais impostos. Em carta aberta, eles afirmaram que as classes mais ricas precisam ser mais taxadas para se reduzir a desigualdade social. “Vocês, nossos representantes globais, devem tributar a nós, os ultrarricos, e devem começar agora”, afirmava o texto, que não tinha brasileiros entre seus signatários.

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A iniciativa foi capitaneada pelo Patriotic Millionaires (patriotas milionários, em português), uma entidade criada em 2010 nos Estados Unidos com o objetivo de defender, justamente, maiores impostos para os mais ricos. A associação reúne pessoas com renda anual de pelo menos US$ 1 milhão ou patrimônio de US$ 5 milhões. Com escritório em Washington, a entidade faz lobby por aumento do salário mínimo, sistema tributário mais progressivo e redução da desigualdade social.

Essa não foi a primeira vez que os ‘patriotas milionários’ divulgaram um documento pedindo a maior taxação sobre os milionários. Em 2020, no início da pandemia, quando a desigualdade social se acentuava rapidamente devido às medidas de distanciamento social, eles fizeram a mesma coisa.

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Na ocasião, o Estadão conversou com o presidente do conselho da entidade, Morris Pearl, e dois membros - Carol Winograd e Cynda Collins Arsenault. Os três também assinaram a carta apresentada no Fórum Econômico Mundial no começo deste ano.

Conheça esses três americanos milionários e o que eles pensam:

Carol Winograd: ‘Se você é rico, consideram que você vale mais’

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Professora de medicina na Universidade Stanford, na Califórnia, Carol Winograd e seu marido, Terry, eram ambos de famílias de classe média alta. Carol herdou um pouco de dinheiro da família, enquanto Terry começou a vida com os recursos que o pai havia guardado para ele pagar a faculdade e que não foram necessários depois que ele conseguiu uma bolsa de estudos.

Logo que se casaram, Carol e Terry tinham uma vida confortável e nunca se preocuparam com dinheiro. Professores universitários, o salário deles não era ruim, mas inferior ao que teriam se trabalhassem em uma empresa ou, no caso dela, em um consultório particular. Carol e Terry ficaram milionários mesmo no começo dos anos 2000.

O marido de Carol, Terry, era professor de Ciências da Computação e teve entre seus alunos Larry Page, um dos fundadores do Google. Por 18 meses, ele tirou um sabático para trabalhar na empresa, onde ajudou a criar o que viria a ser o Gmail. Como pagamento, recebeu ‘stock options’, ou seja, o direito de comprar ações da companhia a um preço pré-determinado. Quando o Google abriu capital, em 2004, o casal ficou rico.

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Professora universitária, Carol Winograd ficou milionária na abertura de capital do Google Foto: Stanford University

“No primeiro dia, as ações eram vendidas por US$ 85. Imediatamente, isso virou US$ 200 ou US$ 300 e agora valem algo como US$ 1.400 (US$ 1.770 em novembro de 2020). Nos tornamos instantaneamente mais ricos do que jamais imaginávamos”, disse Carol ao Estadão em 2020.

“Acho que milionários e principalmente bilionários têm mais para dividir, enquanto há muita gente que tem menos do que precisa. Os recursos precisam ser divididos melhor. E isso (desigualdade) está se tornando um problema mais grave nos últimos anos”, acrescentou.

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Ela, porém, admitiu à época que uma maior taxação sobre os ricos não seria suficiente para acabar com a desigualdade. “Mas acho que, se não pagarmos, o problema vai piorar.”

A professora também não era muito otimista com a possibilidade de o clamor dos “milionários patriotas” ser ouvido. “Tem um sentimento muito negativo no país em relação ao aumento de impostos. Então, não sei se ele (o presidente Joe Biden) vai conseguir aprovar algo no Congresso mesmo para os muito ricos.”

Antes de se ver privilegiada por ser milionária, Carol observou que tinha privilégios por ser branca. “Eu caminho na rua e não me preocupo com o risco de um policial me parar e me matar.” Quando questionada sobre as vantagens de ser rica, citou a possibilidade de poder pagar cuidados médicos que vão além dos cobertos pelo plano de saúde. Afirmou ainda que muitos costumam considerar que milionários são melhores que os outros. “Aqui, se você é rico, consideram que você vale mais, que é mais inteligente”, criticou.

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Cynda Collins Arsenault: ‘O primeiro milhão é difícil. O segundo já é mais fácil’

Formada em psicologia e sociologia, Cynda Collins Arsenault é casada com Marcel Arsenault, um empresário americano do setor imobiliário. Ao Estadão em 2020, ela afirmou que a trajetória profissional do marido exemplificava os problemas do sistema capitalista.

“Meu marido ganhou muito dinheiro. Ele trabalhou muito para isso e é muito bom no que faz, mas, conforme ele começou a ganhar dinheiro, o sistema tornou tudo mais fácil. O primeiro milhão é difícil. O segundo já é mais fácil e assim sucessivamente, porque aí os bancos querem trabalhar com você, querem te dar um financiamento. Você acaba conseguindo bons negócios.”

Com o crescimento da empresa da família - e da fortuna -, o casal começou a se dedicar à filantropia. Cynda se dedica a Secure World Foundation (que trabalha pela preservação do ambiente sideral), a One Earth Future (de promoção da paz) e ao Arsenault Family Foundation. As três entidades já receberam mais de US$ 100 milhões de Cynda e Marcel.

Cynda: 'Precisamos rever como podemos fazer as coisas mais justas'  Foto: Secure World Foundation

“Quando nós começamos a fazer filantropia, uma pessoa me disse que as pessoas sempre vão atender nossas ligações e rir das nossas piadas. Esse desequilíbrio de poder... Ser os que têm dinheiro, então outros percebem e agem de acordo com isso”, comentou.

Cynda, porém, não considerava a filantropia a melhor opção para reduzir a desigualdade e, por isso, vinha pedindo para pagar mais impostos. “A divisão econômica crescente nos EUA não é sustentável. Precisamos rever como podemos fazer as coisas mais justas”, disse ela, que também criticou o corte de impostos promovido à época pelo então presidente Donald Trump. “A redução de impostos beneficiou pessoas que têm dinheiro e não ajudou os outros. O conceito de que todo mundo se beneficia disso não é verdade.”

Morris Pearl: ‘Não tenho problema com ricos, mas acho que todos deveriam pagar uma taxa justa de impostos’

Presidente do conselho do Patriotic Millionaires, Morris Pearl já foi diretor da BlackRock, a maior gestora de investimentos do mundo, e contou ao Estadão, em 2020, que sempre foi politicamente progressista, mas a decisão de parar de trabalhar para se dedicar integralmente ao lobby pelo aumento dos impostos veio quando estava em Atenas. Era 2013, ele havia viajado para se reunir com executivos e calcular quanto valiam empréstimos inadimplentes de um banco grego. Almoçava com banqueiros quando viu um protesto ocorrendo do lado de fora do restaurante e, aí, se perguntou o que estava fazendo para ajudar os gregos, enquanto ele e seus colegas se preocupavam com dinheiro.

Pouco depois desse episódio, parou de trabalhar e passou a viver de seus investimentos. Sobre a renda desses investimentos, pagava entre 15% e 20% de impostos. “Isso é cerca da metade do que pagam as pessoas que trabalham para viver e ganham bons salários”, disse. “As pessoas que ganham dinheiro através de investimentos deveriam pagar pelo menos as mesmas alíquotas das pessoas que ganham dinheiro trabalhando, algo como 40%.”

Para Pearl, quem ganha dinheiro com investimentos deveria pagar pelo menos as alíquotas pagas por quem trabalha Foto: Patriotic Millionaires

Para Pearl, o aumento da taxação de ricos ajudaria a reduzir a desigualdade americana, que, disse, não é boa inclusive para os milionários. “Não tenho problema com ricos. Sou o presidente do conselho de uma organização chamada Patriotic Millionaires. Nós achamos que ser milionário é ótimo. Mas achamos que todos deveriam pagar uma taxa justa de impostos”, afirmou. “O que sou contra é que haja muita gente pobre. É com isso que queremos acabar. É para isso que defendo políticas, para que não tenhamos milhões de pessoas que não podem pagar seus aluguéis, comprar um sorvete ou fazer todas as coisas que ajudam os milionários patriotas a ganhar dinheiro.”

Pearl afirmou ainda que a melhor coisa de ter dinheiro é justamente não ter de se preocupar com dinheiro. “Se eu quero ir a algum lugar, eu posso encontrar um modo de ir, seja de carro, trem, avião, avião particular, qualquer coisa. O propósito de ter dinheiro é que você não tem de pensar em dinheiro. Não preciso fazer decisões com base no dinheiro. Mas agora, claro, não tem muito o que fazer por aqui por causa da pandemia.”

Filho de donos de uma rede de seis lojas de roupas no norte dos EUA, em uma região rural próxima ao Canadá, Pearl disse que a família não era rica, mas tinha dinheiro suficiente para não ter de se preocupar se conseguiria ou não pagar alguma conta. “Eu nunca me preocupei com dinheiro. Esse é o tipo de posição que quero que todos tenham nos EUA, que todos tenham dinheiro suficiente para não esquentar a cabeça com isso.”

O governo enviou, nesta semana, ao Congresso Nacional as propostas que alteram a tributação dos investimentos da parcela mais rica da população, feitos por meio de fundos exclusivos e de fundos offshore. As propostas, que alcançam o andar de cima, foram apelidadas de medidas “Robin Hood”, mas encontram resistência no Congresso.

Fora do Brasil, porém, um grupo de milionários vem defendendo a adoção de medidas como essas que passam a ser discutidas em Brasília. Neste ano, mais de 200 pessoas que acumulam fortunas de milhões de dólares em 13 diferentes países pediram, durante o Fórum Econômico Mundial, para pagar mais impostos. Em carta aberta, eles afirmaram que as classes mais ricas precisam ser mais taxadas para se reduzir a desigualdade social. “Vocês, nossos representantes globais, devem tributar a nós, os ultrarricos, e devem começar agora”, afirmava o texto, que não tinha brasileiros entre seus signatários.

A iniciativa foi capitaneada pelo Patriotic Millionaires (patriotas milionários, em português), uma entidade criada em 2010 nos Estados Unidos com o objetivo de defender, justamente, maiores impostos para os mais ricos. A associação reúne pessoas com renda anual de pelo menos US$ 1 milhão ou patrimônio de US$ 5 milhões. Com escritório em Washington, a entidade faz lobby por aumento do salário mínimo, sistema tributário mais progressivo e redução da desigualdade social.

Essa não foi a primeira vez que os ‘patriotas milionários’ divulgaram um documento pedindo a maior taxação sobre os milionários. Em 2020, no início da pandemia, quando a desigualdade social se acentuava rapidamente devido às medidas de distanciamento social, eles fizeram a mesma coisa.

Na ocasião, o Estadão conversou com o presidente do conselho da entidade, Morris Pearl, e dois membros - Carol Winograd e Cynda Collins Arsenault. Os três também assinaram a carta apresentada no Fórum Econômico Mundial no começo deste ano.

Conheça esses três americanos milionários e o que eles pensam:

Carol Winograd: ‘Se você é rico, consideram que você vale mais’

Professora de medicina na Universidade Stanford, na Califórnia, Carol Winograd e seu marido, Terry, eram ambos de famílias de classe média alta. Carol herdou um pouco de dinheiro da família, enquanto Terry começou a vida com os recursos que o pai havia guardado para ele pagar a faculdade e que não foram necessários depois que ele conseguiu uma bolsa de estudos.

Logo que se casaram, Carol e Terry tinham uma vida confortável e nunca se preocuparam com dinheiro. Professores universitários, o salário deles não era ruim, mas inferior ao que teriam se trabalhassem em uma empresa ou, no caso dela, em um consultório particular. Carol e Terry ficaram milionários mesmo no começo dos anos 2000.

O marido de Carol, Terry, era professor de Ciências da Computação e teve entre seus alunos Larry Page, um dos fundadores do Google. Por 18 meses, ele tirou um sabático para trabalhar na empresa, onde ajudou a criar o que viria a ser o Gmail. Como pagamento, recebeu ‘stock options’, ou seja, o direito de comprar ações da companhia a um preço pré-determinado. Quando o Google abriu capital, em 2004, o casal ficou rico.

Professora universitária, Carol Winograd ficou milionária na abertura de capital do Google Foto: Stanford University

“No primeiro dia, as ações eram vendidas por US$ 85. Imediatamente, isso virou US$ 200 ou US$ 300 e agora valem algo como US$ 1.400 (US$ 1.770 em novembro de 2020). Nos tornamos instantaneamente mais ricos do que jamais imaginávamos”, disse Carol ao Estadão em 2020.

“Acho que milionários e principalmente bilionários têm mais para dividir, enquanto há muita gente que tem menos do que precisa. Os recursos precisam ser divididos melhor. E isso (desigualdade) está se tornando um problema mais grave nos últimos anos”, acrescentou.

Ela, porém, admitiu à época que uma maior taxação sobre os ricos não seria suficiente para acabar com a desigualdade. “Mas acho que, se não pagarmos, o problema vai piorar.”

A professora também não era muito otimista com a possibilidade de o clamor dos “milionários patriotas” ser ouvido. “Tem um sentimento muito negativo no país em relação ao aumento de impostos. Então, não sei se ele (o presidente Joe Biden) vai conseguir aprovar algo no Congresso mesmo para os muito ricos.”

Antes de se ver privilegiada por ser milionária, Carol observou que tinha privilégios por ser branca. “Eu caminho na rua e não me preocupo com o risco de um policial me parar e me matar.” Quando questionada sobre as vantagens de ser rica, citou a possibilidade de poder pagar cuidados médicos que vão além dos cobertos pelo plano de saúde. Afirmou ainda que muitos costumam considerar que milionários são melhores que os outros. “Aqui, se você é rico, consideram que você vale mais, que é mais inteligente”, criticou.

Cynda Collins Arsenault: ‘O primeiro milhão é difícil. O segundo já é mais fácil’

Formada em psicologia e sociologia, Cynda Collins Arsenault é casada com Marcel Arsenault, um empresário americano do setor imobiliário. Ao Estadão em 2020, ela afirmou que a trajetória profissional do marido exemplificava os problemas do sistema capitalista.

“Meu marido ganhou muito dinheiro. Ele trabalhou muito para isso e é muito bom no que faz, mas, conforme ele começou a ganhar dinheiro, o sistema tornou tudo mais fácil. O primeiro milhão é difícil. O segundo já é mais fácil e assim sucessivamente, porque aí os bancos querem trabalhar com você, querem te dar um financiamento. Você acaba conseguindo bons negócios.”

Com o crescimento da empresa da família - e da fortuna -, o casal começou a se dedicar à filantropia. Cynda se dedica a Secure World Foundation (que trabalha pela preservação do ambiente sideral), a One Earth Future (de promoção da paz) e ao Arsenault Family Foundation. As três entidades já receberam mais de US$ 100 milhões de Cynda e Marcel.

Cynda: 'Precisamos rever como podemos fazer as coisas mais justas'  Foto: Secure World Foundation

“Quando nós começamos a fazer filantropia, uma pessoa me disse que as pessoas sempre vão atender nossas ligações e rir das nossas piadas. Esse desequilíbrio de poder... Ser os que têm dinheiro, então outros percebem e agem de acordo com isso”, comentou.

Cynda, porém, não considerava a filantropia a melhor opção para reduzir a desigualdade e, por isso, vinha pedindo para pagar mais impostos. “A divisão econômica crescente nos EUA não é sustentável. Precisamos rever como podemos fazer as coisas mais justas”, disse ela, que também criticou o corte de impostos promovido à época pelo então presidente Donald Trump. “A redução de impostos beneficiou pessoas que têm dinheiro e não ajudou os outros. O conceito de que todo mundo se beneficia disso não é verdade.”

Morris Pearl: ‘Não tenho problema com ricos, mas acho que todos deveriam pagar uma taxa justa de impostos’

Presidente do conselho do Patriotic Millionaires, Morris Pearl já foi diretor da BlackRock, a maior gestora de investimentos do mundo, e contou ao Estadão, em 2020, que sempre foi politicamente progressista, mas a decisão de parar de trabalhar para se dedicar integralmente ao lobby pelo aumento dos impostos veio quando estava em Atenas. Era 2013, ele havia viajado para se reunir com executivos e calcular quanto valiam empréstimos inadimplentes de um banco grego. Almoçava com banqueiros quando viu um protesto ocorrendo do lado de fora do restaurante e, aí, se perguntou o que estava fazendo para ajudar os gregos, enquanto ele e seus colegas se preocupavam com dinheiro.

Pouco depois desse episódio, parou de trabalhar e passou a viver de seus investimentos. Sobre a renda desses investimentos, pagava entre 15% e 20% de impostos. “Isso é cerca da metade do que pagam as pessoas que trabalham para viver e ganham bons salários”, disse. “As pessoas que ganham dinheiro através de investimentos deveriam pagar pelo menos as mesmas alíquotas das pessoas que ganham dinheiro trabalhando, algo como 40%.”

Para Pearl, quem ganha dinheiro com investimentos deveria pagar pelo menos as alíquotas pagas por quem trabalha Foto: Patriotic Millionaires

Para Pearl, o aumento da taxação de ricos ajudaria a reduzir a desigualdade americana, que, disse, não é boa inclusive para os milionários. “Não tenho problema com ricos. Sou o presidente do conselho de uma organização chamada Patriotic Millionaires. Nós achamos que ser milionário é ótimo. Mas achamos que todos deveriam pagar uma taxa justa de impostos”, afirmou. “O que sou contra é que haja muita gente pobre. É com isso que queremos acabar. É para isso que defendo políticas, para que não tenhamos milhões de pessoas que não podem pagar seus aluguéis, comprar um sorvete ou fazer todas as coisas que ajudam os milionários patriotas a ganhar dinheiro.”

Pearl afirmou ainda que a melhor coisa de ter dinheiro é justamente não ter de se preocupar com dinheiro. “Se eu quero ir a algum lugar, eu posso encontrar um modo de ir, seja de carro, trem, avião, avião particular, qualquer coisa. O propósito de ter dinheiro é que você não tem de pensar em dinheiro. Não preciso fazer decisões com base no dinheiro. Mas agora, claro, não tem muito o que fazer por aqui por causa da pandemia.”

Filho de donos de uma rede de seis lojas de roupas no norte dos EUA, em uma região rural próxima ao Canadá, Pearl disse que a família não era rica, mas tinha dinheiro suficiente para não ter de se preocupar se conseguiria ou não pagar alguma conta. “Eu nunca me preocupei com dinheiro. Esse é o tipo de posição que quero que todos tenham nos EUA, que todos tenham dinheiro suficiente para não esquentar a cabeça com isso.”

O governo enviou, nesta semana, ao Congresso Nacional as propostas que alteram a tributação dos investimentos da parcela mais rica da população, feitos por meio de fundos exclusivos e de fundos offshore. As propostas, que alcançam o andar de cima, foram apelidadas de medidas “Robin Hood”, mas encontram resistência no Congresso.

Fora do Brasil, porém, um grupo de milionários vem defendendo a adoção de medidas como essas que passam a ser discutidas em Brasília. Neste ano, mais de 200 pessoas que acumulam fortunas de milhões de dólares em 13 diferentes países pediram, durante o Fórum Econômico Mundial, para pagar mais impostos. Em carta aberta, eles afirmaram que as classes mais ricas precisam ser mais taxadas para se reduzir a desigualdade social. “Vocês, nossos representantes globais, devem tributar a nós, os ultrarricos, e devem começar agora”, afirmava o texto, que não tinha brasileiros entre seus signatários.

A iniciativa foi capitaneada pelo Patriotic Millionaires (patriotas milionários, em português), uma entidade criada em 2010 nos Estados Unidos com o objetivo de defender, justamente, maiores impostos para os mais ricos. A associação reúne pessoas com renda anual de pelo menos US$ 1 milhão ou patrimônio de US$ 5 milhões. Com escritório em Washington, a entidade faz lobby por aumento do salário mínimo, sistema tributário mais progressivo e redução da desigualdade social.

Essa não foi a primeira vez que os ‘patriotas milionários’ divulgaram um documento pedindo a maior taxação sobre os milionários. Em 2020, no início da pandemia, quando a desigualdade social se acentuava rapidamente devido às medidas de distanciamento social, eles fizeram a mesma coisa.

Na ocasião, o Estadão conversou com o presidente do conselho da entidade, Morris Pearl, e dois membros - Carol Winograd e Cynda Collins Arsenault. Os três também assinaram a carta apresentada no Fórum Econômico Mundial no começo deste ano.

Conheça esses três americanos milionários e o que eles pensam:

Carol Winograd: ‘Se você é rico, consideram que você vale mais’

Professora de medicina na Universidade Stanford, na Califórnia, Carol Winograd e seu marido, Terry, eram ambos de famílias de classe média alta. Carol herdou um pouco de dinheiro da família, enquanto Terry começou a vida com os recursos que o pai havia guardado para ele pagar a faculdade e que não foram necessários depois que ele conseguiu uma bolsa de estudos.

Logo que se casaram, Carol e Terry tinham uma vida confortável e nunca se preocuparam com dinheiro. Professores universitários, o salário deles não era ruim, mas inferior ao que teriam se trabalhassem em uma empresa ou, no caso dela, em um consultório particular. Carol e Terry ficaram milionários mesmo no começo dos anos 2000.

O marido de Carol, Terry, era professor de Ciências da Computação e teve entre seus alunos Larry Page, um dos fundadores do Google. Por 18 meses, ele tirou um sabático para trabalhar na empresa, onde ajudou a criar o que viria a ser o Gmail. Como pagamento, recebeu ‘stock options’, ou seja, o direito de comprar ações da companhia a um preço pré-determinado. Quando o Google abriu capital, em 2004, o casal ficou rico.

Professora universitária, Carol Winograd ficou milionária na abertura de capital do Google Foto: Stanford University

“No primeiro dia, as ações eram vendidas por US$ 85. Imediatamente, isso virou US$ 200 ou US$ 300 e agora valem algo como US$ 1.400 (US$ 1.770 em novembro de 2020). Nos tornamos instantaneamente mais ricos do que jamais imaginávamos”, disse Carol ao Estadão em 2020.

“Acho que milionários e principalmente bilionários têm mais para dividir, enquanto há muita gente que tem menos do que precisa. Os recursos precisam ser divididos melhor. E isso (desigualdade) está se tornando um problema mais grave nos últimos anos”, acrescentou.

Ela, porém, admitiu à época que uma maior taxação sobre os ricos não seria suficiente para acabar com a desigualdade. “Mas acho que, se não pagarmos, o problema vai piorar.”

A professora também não era muito otimista com a possibilidade de o clamor dos “milionários patriotas” ser ouvido. “Tem um sentimento muito negativo no país em relação ao aumento de impostos. Então, não sei se ele (o presidente Joe Biden) vai conseguir aprovar algo no Congresso mesmo para os muito ricos.”

Antes de se ver privilegiada por ser milionária, Carol observou que tinha privilégios por ser branca. “Eu caminho na rua e não me preocupo com o risco de um policial me parar e me matar.” Quando questionada sobre as vantagens de ser rica, citou a possibilidade de poder pagar cuidados médicos que vão além dos cobertos pelo plano de saúde. Afirmou ainda que muitos costumam considerar que milionários são melhores que os outros. “Aqui, se você é rico, consideram que você vale mais, que é mais inteligente”, criticou.

Cynda Collins Arsenault: ‘O primeiro milhão é difícil. O segundo já é mais fácil’

Formada em psicologia e sociologia, Cynda Collins Arsenault é casada com Marcel Arsenault, um empresário americano do setor imobiliário. Ao Estadão em 2020, ela afirmou que a trajetória profissional do marido exemplificava os problemas do sistema capitalista.

“Meu marido ganhou muito dinheiro. Ele trabalhou muito para isso e é muito bom no que faz, mas, conforme ele começou a ganhar dinheiro, o sistema tornou tudo mais fácil. O primeiro milhão é difícil. O segundo já é mais fácil e assim sucessivamente, porque aí os bancos querem trabalhar com você, querem te dar um financiamento. Você acaba conseguindo bons negócios.”

Com o crescimento da empresa da família - e da fortuna -, o casal começou a se dedicar à filantropia. Cynda se dedica a Secure World Foundation (que trabalha pela preservação do ambiente sideral), a One Earth Future (de promoção da paz) e ao Arsenault Family Foundation. As três entidades já receberam mais de US$ 100 milhões de Cynda e Marcel.

Cynda: 'Precisamos rever como podemos fazer as coisas mais justas'  Foto: Secure World Foundation

“Quando nós começamos a fazer filantropia, uma pessoa me disse que as pessoas sempre vão atender nossas ligações e rir das nossas piadas. Esse desequilíbrio de poder... Ser os que têm dinheiro, então outros percebem e agem de acordo com isso”, comentou.

Cynda, porém, não considerava a filantropia a melhor opção para reduzir a desigualdade e, por isso, vinha pedindo para pagar mais impostos. “A divisão econômica crescente nos EUA não é sustentável. Precisamos rever como podemos fazer as coisas mais justas”, disse ela, que também criticou o corte de impostos promovido à época pelo então presidente Donald Trump. “A redução de impostos beneficiou pessoas que têm dinheiro e não ajudou os outros. O conceito de que todo mundo se beneficia disso não é verdade.”

Morris Pearl: ‘Não tenho problema com ricos, mas acho que todos deveriam pagar uma taxa justa de impostos’

Presidente do conselho do Patriotic Millionaires, Morris Pearl já foi diretor da BlackRock, a maior gestora de investimentos do mundo, e contou ao Estadão, em 2020, que sempre foi politicamente progressista, mas a decisão de parar de trabalhar para se dedicar integralmente ao lobby pelo aumento dos impostos veio quando estava em Atenas. Era 2013, ele havia viajado para se reunir com executivos e calcular quanto valiam empréstimos inadimplentes de um banco grego. Almoçava com banqueiros quando viu um protesto ocorrendo do lado de fora do restaurante e, aí, se perguntou o que estava fazendo para ajudar os gregos, enquanto ele e seus colegas se preocupavam com dinheiro.

Pouco depois desse episódio, parou de trabalhar e passou a viver de seus investimentos. Sobre a renda desses investimentos, pagava entre 15% e 20% de impostos. “Isso é cerca da metade do que pagam as pessoas que trabalham para viver e ganham bons salários”, disse. “As pessoas que ganham dinheiro através de investimentos deveriam pagar pelo menos as mesmas alíquotas das pessoas que ganham dinheiro trabalhando, algo como 40%.”

Para Pearl, quem ganha dinheiro com investimentos deveria pagar pelo menos as alíquotas pagas por quem trabalha Foto: Patriotic Millionaires

Para Pearl, o aumento da taxação de ricos ajudaria a reduzir a desigualdade americana, que, disse, não é boa inclusive para os milionários. “Não tenho problema com ricos. Sou o presidente do conselho de uma organização chamada Patriotic Millionaires. Nós achamos que ser milionário é ótimo. Mas achamos que todos deveriam pagar uma taxa justa de impostos”, afirmou. “O que sou contra é que haja muita gente pobre. É com isso que queremos acabar. É para isso que defendo políticas, para que não tenhamos milhões de pessoas que não podem pagar seus aluguéis, comprar um sorvete ou fazer todas as coisas que ajudam os milionários patriotas a ganhar dinheiro.”

Pearl afirmou ainda que a melhor coisa de ter dinheiro é justamente não ter de se preocupar com dinheiro. “Se eu quero ir a algum lugar, eu posso encontrar um modo de ir, seja de carro, trem, avião, avião particular, qualquer coisa. O propósito de ter dinheiro é que você não tem de pensar em dinheiro. Não preciso fazer decisões com base no dinheiro. Mas agora, claro, não tem muito o que fazer por aqui por causa da pandemia.”

Filho de donos de uma rede de seis lojas de roupas no norte dos EUA, em uma região rural próxima ao Canadá, Pearl disse que a família não era rica, mas tinha dinheiro suficiente para não ter de se preocupar se conseguiria ou não pagar alguma conta. “Eu nunca me preocupei com dinheiro. Esse é o tipo de posição que quero que todos tenham nos EUA, que todos tenham dinheiro suficiente para não esquentar a cabeça com isso.”

O governo enviou, nesta semana, ao Congresso Nacional as propostas que alteram a tributação dos investimentos da parcela mais rica da população, feitos por meio de fundos exclusivos e de fundos offshore. As propostas, que alcançam o andar de cima, foram apelidadas de medidas “Robin Hood”, mas encontram resistência no Congresso.

Fora do Brasil, porém, um grupo de milionários vem defendendo a adoção de medidas como essas que passam a ser discutidas em Brasília. Neste ano, mais de 200 pessoas que acumulam fortunas de milhões de dólares em 13 diferentes países pediram, durante o Fórum Econômico Mundial, para pagar mais impostos. Em carta aberta, eles afirmaram que as classes mais ricas precisam ser mais taxadas para se reduzir a desigualdade social. “Vocês, nossos representantes globais, devem tributar a nós, os ultrarricos, e devem começar agora”, afirmava o texto, que não tinha brasileiros entre seus signatários.

A iniciativa foi capitaneada pelo Patriotic Millionaires (patriotas milionários, em português), uma entidade criada em 2010 nos Estados Unidos com o objetivo de defender, justamente, maiores impostos para os mais ricos. A associação reúne pessoas com renda anual de pelo menos US$ 1 milhão ou patrimônio de US$ 5 milhões. Com escritório em Washington, a entidade faz lobby por aumento do salário mínimo, sistema tributário mais progressivo e redução da desigualdade social.

Essa não foi a primeira vez que os ‘patriotas milionários’ divulgaram um documento pedindo a maior taxação sobre os milionários. Em 2020, no início da pandemia, quando a desigualdade social se acentuava rapidamente devido às medidas de distanciamento social, eles fizeram a mesma coisa.

Na ocasião, o Estadão conversou com o presidente do conselho da entidade, Morris Pearl, e dois membros - Carol Winograd e Cynda Collins Arsenault. Os três também assinaram a carta apresentada no Fórum Econômico Mundial no começo deste ano.

Conheça esses três americanos milionários e o que eles pensam:

Carol Winograd: ‘Se você é rico, consideram que você vale mais’

Professora de medicina na Universidade Stanford, na Califórnia, Carol Winograd e seu marido, Terry, eram ambos de famílias de classe média alta. Carol herdou um pouco de dinheiro da família, enquanto Terry começou a vida com os recursos que o pai havia guardado para ele pagar a faculdade e que não foram necessários depois que ele conseguiu uma bolsa de estudos.

Logo que se casaram, Carol e Terry tinham uma vida confortável e nunca se preocuparam com dinheiro. Professores universitários, o salário deles não era ruim, mas inferior ao que teriam se trabalhassem em uma empresa ou, no caso dela, em um consultório particular. Carol e Terry ficaram milionários mesmo no começo dos anos 2000.

O marido de Carol, Terry, era professor de Ciências da Computação e teve entre seus alunos Larry Page, um dos fundadores do Google. Por 18 meses, ele tirou um sabático para trabalhar na empresa, onde ajudou a criar o que viria a ser o Gmail. Como pagamento, recebeu ‘stock options’, ou seja, o direito de comprar ações da companhia a um preço pré-determinado. Quando o Google abriu capital, em 2004, o casal ficou rico.

Professora universitária, Carol Winograd ficou milionária na abertura de capital do Google Foto: Stanford University

“No primeiro dia, as ações eram vendidas por US$ 85. Imediatamente, isso virou US$ 200 ou US$ 300 e agora valem algo como US$ 1.400 (US$ 1.770 em novembro de 2020). Nos tornamos instantaneamente mais ricos do que jamais imaginávamos”, disse Carol ao Estadão em 2020.

“Acho que milionários e principalmente bilionários têm mais para dividir, enquanto há muita gente que tem menos do que precisa. Os recursos precisam ser divididos melhor. E isso (desigualdade) está se tornando um problema mais grave nos últimos anos”, acrescentou.

Ela, porém, admitiu à época que uma maior taxação sobre os ricos não seria suficiente para acabar com a desigualdade. “Mas acho que, se não pagarmos, o problema vai piorar.”

A professora também não era muito otimista com a possibilidade de o clamor dos “milionários patriotas” ser ouvido. “Tem um sentimento muito negativo no país em relação ao aumento de impostos. Então, não sei se ele (o presidente Joe Biden) vai conseguir aprovar algo no Congresso mesmo para os muito ricos.”

Antes de se ver privilegiada por ser milionária, Carol observou que tinha privilégios por ser branca. “Eu caminho na rua e não me preocupo com o risco de um policial me parar e me matar.” Quando questionada sobre as vantagens de ser rica, citou a possibilidade de poder pagar cuidados médicos que vão além dos cobertos pelo plano de saúde. Afirmou ainda que muitos costumam considerar que milionários são melhores que os outros. “Aqui, se você é rico, consideram que você vale mais, que é mais inteligente”, criticou.

Cynda Collins Arsenault: ‘O primeiro milhão é difícil. O segundo já é mais fácil’

Formada em psicologia e sociologia, Cynda Collins Arsenault é casada com Marcel Arsenault, um empresário americano do setor imobiliário. Ao Estadão em 2020, ela afirmou que a trajetória profissional do marido exemplificava os problemas do sistema capitalista.

“Meu marido ganhou muito dinheiro. Ele trabalhou muito para isso e é muito bom no que faz, mas, conforme ele começou a ganhar dinheiro, o sistema tornou tudo mais fácil. O primeiro milhão é difícil. O segundo já é mais fácil e assim sucessivamente, porque aí os bancos querem trabalhar com você, querem te dar um financiamento. Você acaba conseguindo bons negócios.”

Com o crescimento da empresa da família - e da fortuna -, o casal começou a se dedicar à filantropia. Cynda se dedica a Secure World Foundation (que trabalha pela preservação do ambiente sideral), a One Earth Future (de promoção da paz) e ao Arsenault Family Foundation. As três entidades já receberam mais de US$ 100 milhões de Cynda e Marcel.

Cynda: 'Precisamos rever como podemos fazer as coisas mais justas'  Foto: Secure World Foundation

“Quando nós começamos a fazer filantropia, uma pessoa me disse que as pessoas sempre vão atender nossas ligações e rir das nossas piadas. Esse desequilíbrio de poder... Ser os que têm dinheiro, então outros percebem e agem de acordo com isso”, comentou.

Cynda, porém, não considerava a filantropia a melhor opção para reduzir a desigualdade e, por isso, vinha pedindo para pagar mais impostos. “A divisão econômica crescente nos EUA não é sustentável. Precisamos rever como podemos fazer as coisas mais justas”, disse ela, que também criticou o corte de impostos promovido à época pelo então presidente Donald Trump. “A redução de impostos beneficiou pessoas que têm dinheiro e não ajudou os outros. O conceito de que todo mundo se beneficia disso não é verdade.”

Morris Pearl: ‘Não tenho problema com ricos, mas acho que todos deveriam pagar uma taxa justa de impostos’

Presidente do conselho do Patriotic Millionaires, Morris Pearl já foi diretor da BlackRock, a maior gestora de investimentos do mundo, e contou ao Estadão, em 2020, que sempre foi politicamente progressista, mas a decisão de parar de trabalhar para se dedicar integralmente ao lobby pelo aumento dos impostos veio quando estava em Atenas. Era 2013, ele havia viajado para se reunir com executivos e calcular quanto valiam empréstimos inadimplentes de um banco grego. Almoçava com banqueiros quando viu um protesto ocorrendo do lado de fora do restaurante e, aí, se perguntou o que estava fazendo para ajudar os gregos, enquanto ele e seus colegas se preocupavam com dinheiro.

Pouco depois desse episódio, parou de trabalhar e passou a viver de seus investimentos. Sobre a renda desses investimentos, pagava entre 15% e 20% de impostos. “Isso é cerca da metade do que pagam as pessoas que trabalham para viver e ganham bons salários”, disse. “As pessoas que ganham dinheiro através de investimentos deveriam pagar pelo menos as mesmas alíquotas das pessoas que ganham dinheiro trabalhando, algo como 40%.”

Para Pearl, quem ganha dinheiro com investimentos deveria pagar pelo menos as alíquotas pagas por quem trabalha Foto: Patriotic Millionaires

Para Pearl, o aumento da taxação de ricos ajudaria a reduzir a desigualdade americana, que, disse, não é boa inclusive para os milionários. “Não tenho problema com ricos. Sou o presidente do conselho de uma organização chamada Patriotic Millionaires. Nós achamos que ser milionário é ótimo. Mas achamos que todos deveriam pagar uma taxa justa de impostos”, afirmou. “O que sou contra é que haja muita gente pobre. É com isso que queremos acabar. É para isso que defendo políticas, para que não tenhamos milhões de pessoas que não podem pagar seus aluguéis, comprar um sorvete ou fazer todas as coisas que ajudam os milionários patriotas a ganhar dinheiro.”

Pearl afirmou ainda que a melhor coisa de ter dinheiro é justamente não ter de se preocupar com dinheiro. “Se eu quero ir a algum lugar, eu posso encontrar um modo de ir, seja de carro, trem, avião, avião particular, qualquer coisa. O propósito de ter dinheiro é que você não tem de pensar em dinheiro. Não preciso fazer decisões com base no dinheiro. Mas agora, claro, não tem muito o que fazer por aqui por causa da pandemia.”

Filho de donos de uma rede de seis lojas de roupas no norte dos EUA, em uma região rural próxima ao Canadá, Pearl disse que a família não era rica, mas tinha dinheiro suficiente para não ter de se preocupar se conseguiria ou não pagar alguma conta. “Eu nunca me preocupei com dinheiro. Esse é o tipo de posição que quero que todos tenham nos EUA, que todos tenham dinheiro suficiente para não esquentar a cabeça com isso.”

O governo enviou, nesta semana, ao Congresso Nacional as propostas que alteram a tributação dos investimentos da parcela mais rica da população, feitos por meio de fundos exclusivos e de fundos offshore. As propostas, que alcançam o andar de cima, foram apelidadas de medidas “Robin Hood”, mas encontram resistência no Congresso.

Fora do Brasil, porém, um grupo de milionários vem defendendo a adoção de medidas como essas que passam a ser discutidas em Brasília. Neste ano, mais de 200 pessoas que acumulam fortunas de milhões de dólares em 13 diferentes países pediram, durante o Fórum Econômico Mundial, para pagar mais impostos. Em carta aberta, eles afirmaram que as classes mais ricas precisam ser mais taxadas para se reduzir a desigualdade social. “Vocês, nossos representantes globais, devem tributar a nós, os ultrarricos, e devem começar agora”, afirmava o texto, que não tinha brasileiros entre seus signatários.

A iniciativa foi capitaneada pelo Patriotic Millionaires (patriotas milionários, em português), uma entidade criada em 2010 nos Estados Unidos com o objetivo de defender, justamente, maiores impostos para os mais ricos. A associação reúne pessoas com renda anual de pelo menos US$ 1 milhão ou patrimônio de US$ 5 milhões. Com escritório em Washington, a entidade faz lobby por aumento do salário mínimo, sistema tributário mais progressivo e redução da desigualdade social.

Essa não foi a primeira vez que os ‘patriotas milionários’ divulgaram um documento pedindo a maior taxação sobre os milionários. Em 2020, no início da pandemia, quando a desigualdade social se acentuava rapidamente devido às medidas de distanciamento social, eles fizeram a mesma coisa.

Na ocasião, o Estadão conversou com o presidente do conselho da entidade, Morris Pearl, e dois membros - Carol Winograd e Cynda Collins Arsenault. Os três também assinaram a carta apresentada no Fórum Econômico Mundial no começo deste ano.

Conheça esses três americanos milionários e o que eles pensam:

Carol Winograd: ‘Se você é rico, consideram que você vale mais’

Professora de medicina na Universidade Stanford, na Califórnia, Carol Winograd e seu marido, Terry, eram ambos de famílias de classe média alta. Carol herdou um pouco de dinheiro da família, enquanto Terry começou a vida com os recursos que o pai havia guardado para ele pagar a faculdade e que não foram necessários depois que ele conseguiu uma bolsa de estudos.

Logo que se casaram, Carol e Terry tinham uma vida confortável e nunca se preocuparam com dinheiro. Professores universitários, o salário deles não era ruim, mas inferior ao que teriam se trabalhassem em uma empresa ou, no caso dela, em um consultório particular. Carol e Terry ficaram milionários mesmo no começo dos anos 2000.

O marido de Carol, Terry, era professor de Ciências da Computação e teve entre seus alunos Larry Page, um dos fundadores do Google. Por 18 meses, ele tirou um sabático para trabalhar na empresa, onde ajudou a criar o que viria a ser o Gmail. Como pagamento, recebeu ‘stock options’, ou seja, o direito de comprar ações da companhia a um preço pré-determinado. Quando o Google abriu capital, em 2004, o casal ficou rico.

Professora universitária, Carol Winograd ficou milionária na abertura de capital do Google Foto: Stanford University

“No primeiro dia, as ações eram vendidas por US$ 85. Imediatamente, isso virou US$ 200 ou US$ 300 e agora valem algo como US$ 1.400 (US$ 1.770 em novembro de 2020). Nos tornamos instantaneamente mais ricos do que jamais imaginávamos”, disse Carol ao Estadão em 2020.

“Acho que milionários e principalmente bilionários têm mais para dividir, enquanto há muita gente que tem menos do que precisa. Os recursos precisam ser divididos melhor. E isso (desigualdade) está se tornando um problema mais grave nos últimos anos”, acrescentou.

Ela, porém, admitiu à época que uma maior taxação sobre os ricos não seria suficiente para acabar com a desigualdade. “Mas acho que, se não pagarmos, o problema vai piorar.”

A professora também não era muito otimista com a possibilidade de o clamor dos “milionários patriotas” ser ouvido. “Tem um sentimento muito negativo no país em relação ao aumento de impostos. Então, não sei se ele (o presidente Joe Biden) vai conseguir aprovar algo no Congresso mesmo para os muito ricos.”

Antes de se ver privilegiada por ser milionária, Carol observou que tinha privilégios por ser branca. “Eu caminho na rua e não me preocupo com o risco de um policial me parar e me matar.” Quando questionada sobre as vantagens de ser rica, citou a possibilidade de poder pagar cuidados médicos que vão além dos cobertos pelo plano de saúde. Afirmou ainda que muitos costumam considerar que milionários são melhores que os outros. “Aqui, se você é rico, consideram que você vale mais, que é mais inteligente”, criticou.

Cynda Collins Arsenault: ‘O primeiro milhão é difícil. O segundo já é mais fácil’

Formada em psicologia e sociologia, Cynda Collins Arsenault é casada com Marcel Arsenault, um empresário americano do setor imobiliário. Ao Estadão em 2020, ela afirmou que a trajetória profissional do marido exemplificava os problemas do sistema capitalista.

“Meu marido ganhou muito dinheiro. Ele trabalhou muito para isso e é muito bom no que faz, mas, conforme ele começou a ganhar dinheiro, o sistema tornou tudo mais fácil. O primeiro milhão é difícil. O segundo já é mais fácil e assim sucessivamente, porque aí os bancos querem trabalhar com você, querem te dar um financiamento. Você acaba conseguindo bons negócios.”

Com o crescimento da empresa da família - e da fortuna -, o casal começou a se dedicar à filantropia. Cynda se dedica a Secure World Foundation (que trabalha pela preservação do ambiente sideral), a One Earth Future (de promoção da paz) e ao Arsenault Family Foundation. As três entidades já receberam mais de US$ 100 milhões de Cynda e Marcel.

Cynda: 'Precisamos rever como podemos fazer as coisas mais justas'  Foto: Secure World Foundation

“Quando nós começamos a fazer filantropia, uma pessoa me disse que as pessoas sempre vão atender nossas ligações e rir das nossas piadas. Esse desequilíbrio de poder... Ser os que têm dinheiro, então outros percebem e agem de acordo com isso”, comentou.

Cynda, porém, não considerava a filantropia a melhor opção para reduzir a desigualdade e, por isso, vinha pedindo para pagar mais impostos. “A divisão econômica crescente nos EUA não é sustentável. Precisamos rever como podemos fazer as coisas mais justas”, disse ela, que também criticou o corte de impostos promovido à época pelo então presidente Donald Trump. “A redução de impostos beneficiou pessoas que têm dinheiro e não ajudou os outros. O conceito de que todo mundo se beneficia disso não é verdade.”

Morris Pearl: ‘Não tenho problema com ricos, mas acho que todos deveriam pagar uma taxa justa de impostos’

Presidente do conselho do Patriotic Millionaires, Morris Pearl já foi diretor da BlackRock, a maior gestora de investimentos do mundo, e contou ao Estadão, em 2020, que sempre foi politicamente progressista, mas a decisão de parar de trabalhar para se dedicar integralmente ao lobby pelo aumento dos impostos veio quando estava em Atenas. Era 2013, ele havia viajado para se reunir com executivos e calcular quanto valiam empréstimos inadimplentes de um banco grego. Almoçava com banqueiros quando viu um protesto ocorrendo do lado de fora do restaurante e, aí, se perguntou o que estava fazendo para ajudar os gregos, enquanto ele e seus colegas se preocupavam com dinheiro.

Pouco depois desse episódio, parou de trabalhar e passou a viver de seus investimentos. Sobre a renda desses investimentos, pagava entre 15% e 20% de impostos. “Isso é cerca da metade do que pagam as pessoas que trabalham para viver e ganham bons salários”, disse. “As pessoas que ganham dinheiro através de investimentos deveriam pagar pelo menos as mesmas alíquotas das pessoas que ganham dinheiro trabalhando, algo como 40%.”

Para Pearl, quem ganha dinheiro com investimentos deveria pagar pelo menos as alíquotas pagas por quem trabalha Foto: Patriotic Millionaires

Para Pearl, o aumento da taxação de ricos ajudaria a reduzir a desigualdade americana, que, disse, não é boa inclusive para os milionários. “Não tenho problema com ricos. Sou o presidente do conselho de uma organização chamada Patriotic Millionaires. Nós achamos que ser milionário é ótimo. Mas achamos que todos deveriam pagar uma taxa justa de impostos”, afirmou. “O que sou contra é que haja muita gente pobre. É com isso que queremos acabar. É para isso que defendo políticas, para que não tenhamos milhões de pessoas que não podem pagar seus aluguéis, comprar um sorvete ou fazer todas as coisas que ajudam os milionários patriotas a ganhar dinheiro.”

Pearl afirmou ainda que a melhor coisa de ter dinheiro é justamente não ter de se preocupar com dinheiro. “Se eu quero ir a algum lugar, eu posso encontrar um modo de ir, seja de carro, trem, avião, avião particular, qualquer coisa. O propósito de ter dinheiro é que você não tem de pensar em dinheiro. Não preciso fazer decisões com base no dinheiro. Mas agora, claro, não tem muito o que fazer por aqui por causa da pandemia.”

Filho de donos de uma rede de seis lojas de roupas no norte dos EUA, em uma região rural próxima ao Canadá, Pearl disse que a família não era rica, mas tinha dinheiro suficiente para não ter de se preocupar se conseguiria ou não pagar alguma conta. “Eu nunca me preocupei com dinheiro. Esse é o tipo de posição que quero que todos tenham nos EUA, que todos tenham dinheiro suficiente para não esquentar a cabeça com isso.”

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