‘Montadoras querem vender SUVs e picapes, e não carro popular’, diz Mendonça de Barros


Economista avalia que pacote que governo está pensando para carros populares não deve dar certo, pois não há recursos para reduzir impostos, bancos não estão dispostos a subsidiar crédito e renda do consumidor já está comprometida

Por Cleide Silva
Atualização:
Foto: Evelson de Freitas/Estadão
Entrevista comJosé Roberto Mendonça de BarrosEconomista e sócio da MB Associados

O pacote de medidas previsto para ser anunciado na quinta-feira, 25, para ajudar a indústria brasileira a retomar o crescimento, em especial o setor automobilístico, com intenção de reduzir os preços dos automóveis, é pouco provável que venha a dar certo, na opinião do economista José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados. A intenção é colocar modelos no mercado com preços de até R$ 60 mil.

Para ele, talvez o governo esteja pensando como nos primeiros anos do governo Lula, quando havia uma situação fiscal favorável, o endividamento do consumidor era muito menor e a economia crescia. “Agora não tem crescimento, não tem orçamento, não tem Tesouro, não tem o sistema financeiro e não consigo ver como resolver a questão de limitação de renda dos consumidores”, diz.

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Além disso, Mendonça ressalta que as montadoras já tomaram a decisão de não perder mais dinheiro e, por isso, migraram a produção para carros mais caros e não vão voltar atrás. “Hoje só consegue comprar carro consumidores da classe B para cima”. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como o sr. avalia a proposta de um pacote de medidas para ressuscitar o carro popular?

Embora não conheça exatamente o que está sendo pensado, sou muito cético em relação a qualquer coisa nessa linha. Falando sobre hipóteses, acho que seria uma regressão, uma volta ao “pé de boi” do Itamar. É uma agenda antiga que já não deu certo muitas vezes. Acredito ser pouco provável que se ponha em pé um programa que faça algum sentido com todos os problemas que temos hoje. Entendo que o setor automotivo está com medo de não atingir neste ano um mercado de 2 milhões de unidades, mas isso não torna mais factível um programa dessa natureza.

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Para Mendonca de Barros, baratear o preço do carro de forma permanente seria ótimo, mas o programa é só emergencial Foto: Daniel Teixeira/Estadão

O juro alto é um dos responsáveis pelo desempenho fracos das vendas?

Fala-se muito do juro alto, mas não se fala que o mercado encolheu, em boa parte, por uma combinação de falta de capacidade de compra das famílias associada ao alto grau de endividamento. Muitas pessoas da classe C+, por razões de mercado de trabalho ou da pandemia, tiveram queda na renda nos últimos anos, se endividaram, e um programa dessa natureza, qualquer que fosse o desenho, teria pouca eficácia.

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A indústria relata paradas na produção para adequação à demanda, ociosidade de 40% e riscos de demissões. Seriam motivos para obter benefícios?

Desde a trombada da covid, isso ocorreu com outros setores e muitos bens, não só com os carros. Por exemplo, com a carne vermelha. Muitas famílias deixaram de comer e buscaram outras proteínas. Outro exemplo é o das viagens. O transporte aéreo ficou muito caro. Hoje as viagens são acessíveis exclusivamente para empresas ou pessoas das classes A e B+. Com o automóvel ocorre o mesmo. Um número incontável de famílias não tem condições nem de passar perto de um carro novo que custe R$ 70 mil, R$ 80 mil, R$ 90 mil. As montadoras já tomaram a decisão de não perder mais dinheiro, e até por isso subiram a escala dos produtos, dando preferência aos mais caros, que dão maior margem positiva, e não vão voltar atrás nessa estratégia. Todo mundo quer vender SUVs e picapes, e não carro popular. As empresas também não estão dispostas a fazer um carro “pé de boi” nem vender com prejuízo, exatamente pela experiência passada do carro popular que liquidou a rentabilidade do parque produtivo brasileiro.

Hoje, a produção está voltada principalmente aos carros utilitário esportivos. O sr. acredita que é o carro que o consumidor deseja?

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Quem tem dinheiro quer esse tipo de veículo, mas é só uma fração dos consumidores. Só consegue comprar carro hoje consumidores da classe B para cima, que tem crédito e renda para poder pagar. A troca foi essa, o mercado encolhe na direção de carros mais caros, que dão margem à indústria e são comprados pelos 5% a 8% da população de maior renda. A classe C ascendente que tanto caracterizou o crescimento das vendas no passado ficou para trás.

O sr. acredita ser possível medidas para facilitar o crédito?

Duvido que o setor bancário tenha qualquer interesse em construir sistemas de crédito mais barato, principalmente depois dos sustos com grandes empresas que foram para a recuperação judicial, como a Americanas. E se o governo usar o velho instrumento de botar a Caixa, o BNDES e o Banco do Brasil para subsidiar programas de crédito, tenho a impressão de que nem a equipe econômica ficaria satisfeita. Outra medida comentada é mais uma vez sangrar o FGTS, permitindo algum tipo de saque, mas isso sozinho não é suficiente.

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E redução de impostos, como IPI e ICMS, ajudaria?

Acho ainda mais difícil. Os Estados já perderam bilhões com a redução do imposto da gasolina e da energia elétrica e estão discutindo com o governo federal eventuais compensações. Duvido que estejam dispostos a colocar mais um pedaço do ICMS em uma medida como essa. E o IPI dos carros de menor cilindrada já é baixo, na casa dos 5%. E se for aprovada a reforma tributária o IPI sobe de novo.

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O que o sr. acha então que pode ser anunciado na quinta-feira, quando é comemorado o Dia da Indústria?

Eu levanto a hipótese até de acabar não saindo nada nessa direção (de redução significativa de preços), pois não há condições concretas de se construir um programa deste tipo nesse momento. Não consigo ver como resolver a questão de limitação de renda do comprador. Talvez o governo esteja pensando como nos primeiros anos do PT na presidência, quando havia situação fiscal favorável, o endividamento do consumidor era muito menor e tinha crescimento econômico. Agora não tem crescimento, não tem orçamento, não tem Tesouro, não tem o sistema financeiro nem as empresas, e as famílias estão super endividadas.

Se todos os envolvidos - governos, montadoras, revendas e bancos – derem uma pequena contribuição, poderia resultar em um programa que ao menos ajudasse o setor a começar a se reerguer?

Mesmo que todos comparecessem com alguma contribuição não seria suficiente para aumentar as vendas, principalmente em 300 mil veículos em um ano, como foi dito. Se conseguirem colocar em pé, vai ser muito modesto e não vai mudar nada no mercado. A volta do mercado de massa de carros e de outros produtos depende da volta do crescimento econômico. Se baratear o preço dos carros fosse algo permanente seria ótimo, mas esse tipo de programa é só emergencial. Pode dar alguma ajuda nas vendas no curtíssimo prazo, mas não resolve o problema nem dos revendedores.

Que futuro o sr. vê para o setor?

Não consigo ver um norte que não tenha algo a ver com o caminho da eletrificação da frota, que no caso é o carro híbrido a etanol. Isso eu acho que faz sentido pensar e dar suporte. A indústria precisa olhar mais para o futuro, qual estratégia deve ter para evitar esse encolhimento permanente do mercado. Não tenho nenhuma dúvida de que tem de ir na direção de alavancar o que temos de vantagem, que é o carro híbrido a etanol e, mais à frente, o carro a célula de combustível a etanol. E se nem todas as montadoras quiserem fazer, paciência. Mas esse é um negócio que pode contribuir para o meio ambiente mais do que já contribui, ter uma demanda mais permanente, maior escala, mais ganho tecnológico. Não resolve, contudo, o problema do mercado de massa pois, neste momento, também é um carro caro.

O governo diz que também vai ter medidas para outros setores da indústria, além do automotivo. Isso é bom?

Se for pensar em incentivos, não, pois não tem dinheiro para isso. O que está faltando é o setor industrial parar e pensar em como construir uma estratégia que se sustente no longo prazo. Temos oportunidade e necessidade de repensar o papel da indústria para valer, e não ficar terceirizando a culpa no custo Brasil. Sei que é complicado, mas está na hora de começar a construir soluções que realmente baixem custos, melhorem a tecnologia, aumentem a competição. É isso que está fazendo falta. Se tirarmos algumas indústrias ligadas ao agronegócio e algumas empresas notáveis, como Weg e Embraer, o resto está estagnado. O governo também tem de parar de falar obviedades, dizer que a indústria é importante, pois todos sabem disso. Quando fala de reindustrialização, tem de explicar o que pretende fazer e porque. A indústria não pode ficar mais uma vez esperando um pacotão ou pedindo benefícios tributários. Tem de construir as bases de uma indústria que tenha condição de permanecer no longo prazo.

O pacote de medidas previsto para ser anunciado na quinta-feira, 25, para ajudar a indústria brasileira a retomar o crescimento, em especial o setor automobilístico, com intenção de reduzir os preços dos automóveis, é pouco provável que venha a dar certo, na opinião do economista José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados. A intenção é colocar modelos no mercado com preços de até R$ 60 mil.

Para ele, talvez o governo esteja pensando como nos primeiros anos do governo Lula, quando havia uma situação fiscal favorável, o endividamento do consumidor era muito menor e a economia crescia. “Agora não tem crescimento, não tem orçamento, não tem Tesouro, não tem o sistema financeiro e não consigo ver como resolver a questão de limitação de renda dos consumidores”, diz.

Além disso, Mendonça ressalta que as montadoras já tomaram a decisão de não perder mais dinheiro e, por isso, migraram a produção para carros mais caros e não vão voltar atrás. “Hoje só consegue comprar carro consumidores da classe B para cima”. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como o sr. avalia a proposta de um pacote de medidas para ressuscitar o carro popular?

Embora não conheça exatamente o que está sendo pensado, sou muito cético em relação a qualquer coisa nessa linha. Falando sobre hipóteses, acho que seria uma regressão, uma volta ao “pé de boi” do Itamar. É uma agenda antiga que já não deu certo muitas vezes. Acredito ser pouco provável que se ponha em pé um programa que faça algum sentido com todos os problemas que temos hoje. Entendo que o setor automotivo está com medo de não atingir neste ano um mercado de 2 milhões de unidades, mas isso não torna mais factível um programa dessa natureza.

Para Mendonca de Barros, baratear o preço do carro de forma permanente seria ótimo, mas o programa é só emergencial Foto: Daniel Teixeira/Estadão

O juro alto é um dos responsáveis pelo desempenho fracos das vendas?

Fala-se muito do juro alto, mas não se fala que o mercado encolheu, em boa parte, por uma combinação de falta de capacidade de compra das famílias associada ao alto grau de endividamento. Muitas pessoas da classe C+, por razões de mercado de trabalho ou da pandemia, tiveram queda na renda nos últimos anos, se endividaram, e um programa dessa natureza, qualquer que fosse o desenho, teria pouca eficácia.

A indústria relata paradas na produção para adequação à demanda, ociosidade de 40% e riscos de demissões. Seriam motivos para obter benefícios?

Desde a trombada da covid, isso ocorreu com outros setores e muitos bens, não só com os carros. Por exemplo, com a carne vermelha. Muitas famílias deixaram de comer e buscaram outras proteínas. Outro exemplo é o das viagens. O transporte aéreo ficou muito caro. Hoje as viagens são acessíveis exclusivamente para empresas ou pessoas das classes A e B+. Com o automóvel ocorre o mesmo. Um número incontável de famílias não tem condições nem de passar perto de um carro novo que custe R$ 70 mil, R$ 80 mil, R$ 90 mil. As montadoras já tomaram a decisão de não perder mais dinheiro, e até por isso subiram a escala dos produtos, dando preferência aos mais caros, que dão maior margem positiva, e não vão voltar atrás nessa estratégia. Todo mundo quer vender SUVs e picapes, e não carro popular. As empresas também não estão dispostas a fazer um carro “pé de boi” nem vender com prejuízo, exatamente pela experiência passada do carro popular que liquidou a rentabilidade do parque produtivo brasileiro.

Hoje, a produção está voltada principalmente aos carros utilitário esportivos. O sr. acredita que é o carro que o consumidor deseja?

Quem tem dinheiro quer esse tipo de veículo, mas é só uma fração dos consumidores. Só consegue comprar carro hoje consumidores da classe B para cima, que tem crédito e renda para poder pagar. A troca foi essa, o mercado encolhe na direção de carros mais caros, que dão margem à indústria e são comprados pelos 5% a 8% da população de maior renda. A classe C ascendente que tanto caracterizou o crescimento das vendas no passado ficou para trás.

O sr. acredita ser possível medidas para facilitar o crédito?

Duvido que o setor bancário tenha qualquer interesse em construir sistemas de crédito mais barato, principalmente depois dos sustos com grandes empresas que foram para a recuperação judicial, como a Americanas. E se o governo usar o velho instrumento de botar a Caixa, o BNDES e o Banco do Brasil para subsidiar programas de crédito, tenho a impressão de que nem a equipe econômica ficaria satisfeita. Outra medida comentada é mais uma vez sangrar o FGTS, permitindo algum tipo de saque, mas isso sozinho não é suficiente.

E redução de impostos, como IPI e ICMS, ajudaria?

Acho ainda mais difícil. Os Estados já perderam bilhões com a redução do imposto da gasolina e da energia elétrica e estão discutindo com o governo federal eventuais compensações. Duvido que estejam dispostos a colocar mais um pedaço do ICMS em uma medida como essa. E o IPI dos carros de menor cilindrada já é baixo, na casa dos 5%. E se for aprovada a reforma tributária o IPI sobe de novo.

O que o sr. acha então que pode ser anunciado na quinta-feira, quando é comemorado o Dia da Indústria?

Eu levanto a hipótese até de acabar não saindo nada nessa direção (de redução significativa de preços), pois não há condições concretas de se construir um programa deste tipo nesse momento. Não consigo ver como resolver a questão de limitação de renda do comprador. Talvez o governo esteja pensando como nos primeiros anos do PT na presidência, quando havia situação fiscal favorável, o endividamento do consumidor era muito menor e tinha crescimento econômico. Agora não tem crescimento, não tem orçamento, não tem Tesouro, não tem o sistema financeiro nem as empresas, e as famílias estão super endividadas.

Se todos os envolvidos - governos, montadoras, revendas e bancos – derem uma pequena contribuição, poderia resultar em um programa que ao menos ajudasse o setor a começar a se reerguer?

Mesmo que todos comparecessem com alguma contribuição não seria suficiente para aumentar as vendas, principalmente em 300 mil veículos em um ano, como foi dito. Se conseguirem colocar em pé, vai ser muito modesto e não vai mudar nada no mercado. A volta do mercado de massa de carros e de outros produtos depende da volta do crescimento econômico. Se baratear o preço dos carros fosse algo permanente seria ótimo, mas esse tipo de programa é só emergencial. Pode dar alguma ajuda nas vendas no curtíssimo prazo, mas não resolve o problema nem dos revendedores.

Que futuro o sr. vê para o setor?

Não consigo ver um norte que não tenha algo a ver com o caminho da eletrificação da frota, que no caso é o carro híbrido a etanol. Isso eu acho que faz sentido pensar e dar suporte. A indústria precisa olhar mais para o futuro, qual estratégia deve ter para evitar esse encolhimento permanente do mercado. Não tenho nenhuma dúvida de que tem de ir na direção de alavancar o que temos de vantagem, que é o carro híbrido a etanol e, mais à frente, o carro a célula de combustível a etanol. E se nem todas as montadoras quiserem fazer, paciência. Mas esse é um negócio que pode contribuir para o meio ambiente mais do que já contribui, ter uma demanda mais permanente, maior escala, mais ganho tecnológico. Não resolve, contudo, o problema do mercado de massa pois, neste momento, também é um carro caro.

O governo diz que também vai ter medidas para outros setores da indústria, além do automotivo. Isso é bom?

Se for pensar em incentivos, não, pois não tem dinheiro para isso. O que está faltando é o setor industrial parar e pensar em como construir uma estratégia que se sustente no longo prazo. Temos oportunidade e necessidade de repensar o papel da indústria para valer, e não ficar terceirizando a culpa no custo Brasil. Sei que é complicado, mas está na hora de começar a construir soluções que realmente baixem custos, melhorem a tecnologia, aumentem a competição. É isso que está fazendo falta. Se tirarmos algumas indústrias ligadas ao agronegócio e algumas empresas notáveis, como Weg e Embraer, o resto está estagnado. O governo também tem de parar de falar obviedades, dizer que a indústria é importante, pois todos sabem disso. Quando fala de reindustrialização, tem de explicar o que pretende fazer e porque. A indústria não pode ficar mais uma vez esperando um pacotão ou pedindo benefícios tributários. Tem de construir as bases de uma indústria que tenha condição de permanecer no longo prazo.

O pacote de medidas previsto para ser anunciado na quinta-feira, 25, para ajudar a indústria brasileira a retomar o crescimento, em especial o setor automobilístico, com intenção de reduzir os preços dos automóveis, é pouco provável que venha a dar certo, na opinião do economista José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados. A intenção é colocar modelos no mercado com preços de até R$ 60 mil.

Para ele, talvez o governo esteja pensando como nos primeiros anos do governo Lula, quando havia uma situação fiscal favorável, o endividamento do consumidor era muito menor e a economia crescia. “Agora não tem crescimento, não tem orçamento, não tem Tesouro, não tem o sistema financeiro e não consigo ver como resolver a questão de limitação de renda dos consumidores”, diz.

Além disso, Mendonça ressalta que as montadoras já tomaram a decisão de não perder mais dinheiro e, por isso, migraram a produção para carros mais caros e não vão voltar atrás. “Hoje só consegue comprar carro consumidores da classe B para cima”. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como o sr. avalia a proposta de um pacote de medidas para ressuscitar o carro popular?

Embora não conheça exatamente o que está sendo pensado, sou muito cético em relação a qualquer coisa nessa linha. Falando sobre hipóteses, acho que seria uma regressão, uma volta ao “pé de boi” do Itamar. É uma agenda antiga que já não deu certo muitas vezes. Acredito ser pouco provável que se ponha em pé um programa que faça algum sentido com todos os problemas que temos hoje. Entendo que o setor automotivo está com medo de não atingir neste ano um mercado de 2 milhões de unidades, mas isso não torna mais factível um programa dessa natureza.

Para Mendonca de Barros, baratear o preço do carro de forma permanente seria ótimo, mas o programa é só emergencial Foto: Daniel Teixeira/Estadão

O juro alto é um dos responsáveis pelo desempenho fracos das vendas?

Fala-se muito do juro alto, mas não se fala que o mercado encolheu, em boa parte, por uma combinação de falta de capacidade de compra das famílias associada ao alto grau de endividamento. Muitas pessoas da classe C+, por razões de mercado de trabalho ou da pandemia, tiveram queda na renda nos últimos anos, se endividaram, e um programa dessa natureza, qualquer que fosse o desenho, teria pouca eficácia.

A indústria relata paradas na produção para adequação à demanda, ociosidade de 40% e riscos de demissões. Seriam motivos para obter benefícios?

Desde a trombada da covid, isso ocorreu com outros setores e muitos bens, não só com os carros. Por exemplo, com a carne vermelha. Muitas famílias deixaram de comer e buscaram outras proteínas. Outro exemplo é o das viagens. O transporte aéreo ficou muito caro. Hoje as viagens são acessíveis exclusivamente para empresas ou pessoas das classes A e B+. Com o automóvel ocorre o mesmo. Um número incontável de famílias não tem condições nem de passar perto de um carro novo que custe R$ 70 mil, R$ 80 mil, R$ 90 mil. As montadoras já tomaram a decisão de não perder mais dinheiro, e até por isso subiram a escala dos produtos, dando preferência aos mais caros, que dão maior margem positiva, e não vão voltar atrás nessa estratégia. Todo mundo quer vender SUVs e picapes, e não carro popular. As empresas também não estão dispostas a fazer um carro “pé de boi” nem vender com prejuízo, exatamente pela experiência passada do carro popular que liquidou a rentabilidade do parque produtivo brasileiro.

Hoje, a produção está voltada principalmente aos carros utilitário esportivos. O sr. acredita que é o carro que o consumidor deseja?

Quem tem dinheiro quer esse tipo de veículo, mas é só uma fração dos consumidores. Só consegue comprar carro hoje consumidores da classe B para cima, que tem crédito e renda para poder pagar. A troca foi essa, o mercado encolhe na direção de carros mais caros, que dão margem à indústria e são comprados pelos 5% a 8% da população de maior renda. A classe C ascendente que tanto caracterizou o crescimento das vendas no passado ficou para trás.

O sr. acredita ser possível medidas para facilitar o crédito?

Duvido que o setor bancário tenha qualquer interesse em construir sistemas de crédito mais barato, principalmente depois dos sustos com grandes empresas que foram para a recuperação judicial, como a Americanas. E se o governo usar o velho instrumento de botar a Caixa, o BNDES e o Banco do Brasil para subsidiar programas de crédito, tenho a impressão de que nem a equipe econômica ficaria satisfeita. Outra medida comentada é mais uma vez sangrar o FGTS, permitindo algum tipo de saque, mas isso sozinho não é suficiente.

E redução de impostos, como IPI e ICMS, ajudaria?

Acho ainda mais difícil. Os Estados já perderam bilhões com a redução do imposto da gasolina e da energia elétrica e estão discutindo com o governo federal eventuais compensações. Duvido que estejam dispostos a colocar mais um pedaço do ICMS em uma medida como essa. E o IPI dos carros de menor cilindrada já é baixo, na casa dos 5%. E se for aprovada a reforma tributária o IPI sobe de novo.

O que o sr. acha então que pode ser anunciado na quinta-feira, quando é comemorado o Dia da Indústria?

Eu levanto a hipótese até de acabar não saindo nada nessa direção (de redução significativa de preços), pois não há condições concretas de se construir um programa deste tipo nesse momento. Não consigo ver como resolver a questão de limitação de renda do comprador. Talvez o governo esteja pensando como nos primeiros anos do PT na presidência, quando havia situação fiscal favorável, o endividamento do consumidor era muito menor e tinha crescimento econômico. Agora não tem crescimento, não tem orçamento, não tem Tesouro, não tem o sistema financeiro nem as empresas, e as famílias estão super endividadas.

Se todos os envolvidos - governos, montadoras, revendas e bancos – derem uma pequena contribuição, poderia resultar em um programa que ao menos ajudasse o setor a começar a se reerguer?

Mesmo que todos comparecessem com alguma contribuição não seria suficiente para aumentar as vendas, principalmente em 300 mil veículos em um ano, como foi dito. Se conseguirem colocar em pé, vai ser muito modesto e não vai mudar nada no mercado. A volta do mercado de massa de carros e de outros produtos depende da volta do crescimento econômico. Se baratear o preço dos carros fosse algo permanente seria ótimo, mas esse tipo de programa é só emergencial. Pode dar alguma ajuda nas vendas no curtíssimo prazo, mas não resolve o problema nem dos revendedores.

Que futuro o sr. vê para o setor?

Não consigo ver um norte que não tenha algo a ver com o caminho da eletrificação da frota, que no caso é o carro híbrido a etanol. Isso eu acho que faz sentido pensar e dar suporte. A indústria precisa olhar mais para o futuro, qual estratégia deve ter para evitar esse encolhimento permanente do mercado. Não tenho nenhuma dúvida de que tem de ir na direção de alavancar o que temos de vantagem, que é o carro híbrido a etanol e, mais à frente, o carro a célula de combustível a etanol. E se nem todas as montadoras quiserem fazer, paciência. Mas esse é um negócio que pode contribuir para o meio ambiente mais do que já contribui, ter uma demanda mais permanente, maior escala, mais ganho tecnológico. Não resolve, contudo, o problema do mercado de massa pois, neste momento, também é um carro caro.

O governo diz que também vai ter medidas para outros setores da indústria, além do automotivo. Isso é bom?

Se for pensar em incentivos, não, pois não tem dinheiro para isso. O que está faltando é o setor industrial parar e pensar em como construir uma estratégia que se sustente no longo prazo. Temos oportunidade e necessidade de repensar o papel da indústria para valer, e não ficar terceirizando a culpa no custo Brasil. Sei que é complicado, mas está na hora de começar a construir soluções que realmente baixem custos, melhorem a tecnologia, aumentem a competição. É isso que está fazendo falta. Se tirarmos algumas indústrias ligadas ao agronegócio e algumas empresas notáveis, como Weg e Embraer, o resto está estagnado. O governo também tem de parar de falar obviedades, dizer que a indústria é importante, pois todos sabem disso. Quando fala de reindustrialização, tem de explicar o que pretende fazer e porque. A indústria não pode ficar mais uma vez esperando um pacotão ou pedindo benefícios tributários. Tem de construir as bases de uma indústria que tenha condição de permanecer no longo prazo.

O pacote de medidas previsto para ser anunciado na quinta-feira, 25, para ajudar a indústria brasileira a retomar o crescimento, em especial o setor automobilístico, com intenção de reduzir os preços dos automóveis, é pouco provável que venha a dar certo, na opinião do economista José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados. A intenção é colocar modelos no mercado com preços de até R$ 60 mil.

Para ele, talvez o governo esteja pensando como nos primeiros anos do governo Lula, quando havia uma situação fiscal favorável, o endividamento do consumidor era muito menor e a economia crescia. “Agora não tem crescimento, não tem orçamento, não tem Tesouro, não tem o sistema financeiro e não consigo ver como resolver a questão de limitação de renda dos consumidores”, diz.

Além disso, Mendonça ressalta que as montadoras já tomaram a decisão de não perder mais dinheiro e, por isso, migraram a produção para carros mais caros e não vão voltar atrás. “Hoje só consegue comprar carro consumidores da classe B para cima”. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como o sr. avalia a proposta de um pacote de medidas para ressuscitar o carro popular?

Embora não conheça exatamente o que está sendo pensado, sou muito cético em relação a qualquer coisa nessa linha. Falando sobre hipóteses, acho que seria uma regressão, uma volta ao “pé de boi” do Itamar. É uma agenda antiga que já não deu certo muitas vezes. Acredito ser pouco provável que se ponha em pé um programa que faça algum sentido com todos os problemas que temos hoje. Entendo que o setor automotivo está com medo de não atingir neste ano um mercado de 2 milhões de unidades, mas isso não torna mais factível um programa dessa natureza.

Para Mendonca de Barros, baratear o preço do carro de forma permanente seria ótimo, mas o programa é só emergencial Foto: Daniel Teixeira/Estadão

O juro alto é um dos responsáveis pelo desempenho fracos das vendas?

Fala-se muito do juro alto, mas não se fala que o mercado encolheu, em boa parte, por uma combinação de falta de capacidade de compra das famílias associada ao alto grau de endividamento. Muitas pessoas da classe C+, por razões de mercado de trabalho ou da pandemia, tiveram queda na renda nos últimos anos, se endividaram, e um programa dessa natureza, qualquer que fosse o desenho, teria pouca eficácia.

A indústria relata paradas na produção para adequação à demanda, ociosidade de 40% e riscos de demissões. Seriam motivos para obter benefícios?

Desde a trombada da covid, isso ocorreu com outros setores e muitos bens, não só com os carros. Por exemplo, com a carne vermelha. Muitas famílias deixaram de comer e buscaram outras proteínas. Outro exemplo é o das viagens. O transporte aéreo ficou muito caro. Hoje as viagens são acessíveis exclusivamente para empresas ou pessoas das classes A e B+. Com o automóvel ocorre o mesmo. Um número incontável de famílias não tem condições nem de passar perto de um carro novo que custe R$ 70 mil, R$ 80 mil, R$ 90 mil. As montadoras já tomaram a decisão de não perder mais dinheiro, e até por isso subiram a escala dos produtos, dando preferência aos mais caros, que dão maior margem positiva, e não vão voltar atrás nessa estratégia. Todo mundo quer vender SUVs e picapes, e não carro popular. As empresas também não estão dispostas a fazer um carro “pé de boi” nem vender com prejuízo, exatamente pela experiência passada do carro popular que liquidou a rentabilidade do parque produtivo brasileiro.

Hoje, a produção está voltada principalmente aos carros utilitário esportivos. O sr. acredita que é o carro que o consumidor deseja?

Quem tem dinheiro quer esse tipo de veículo, mas é só uma fração dos consumidores. Só consegue comprar carro hoje consumidores da classe B para cima, que tem crédito e renda para poder pagar. A troca foi essa, o mercado encolhe na direção de carros mais caros, que dão margem à indústria e são comprados pelos 5% a 8% da população de maior renda. A classe C ascendente que tanto caracterizou o crescimento das vendas no passado ficou para trás.

O sr. acredita ser possível medidas para facilitar o crédito?

Duvido que o setor bancário tenha qualquer interesse em construir sistemas de crédito mais barato, principalmente depois dos sustos com grandes empresas que foram para a recuperação judicial, como a Americanas. E se o governo usar o velho instrumento de botar a Caixa, o BNDES e o Banco do Brasil para subsidiar programas de crédito, tenho a impressão de que nem a equipe econômica ficaria satisfeita. Outra medida comentada é mais uma vez sangrar o FGTS, permitindo algum tipo de saque, mas isso sozinho não é suficiente.

E redução de impostos, como IPI e ICMS, ajudaria?

Acho ainda mais difícil. Os Estados já perderam bilhões com a redução do imposto da gasolina e da energia elétrica e estão discutindo com o governo federal eventuais compensações. Duvido que estejam dispostos a colocar mais um pedaço do ICMS em uma medida como essa. E o IPI dos carros de menor cilindrada já é baixo, na casa dos 5%. E se for aprovada a reforma tributária o IPI sobe de novo.

O que o sr. acha então que pode ser anunciado na quinta-feira, quando é comemorado o Dia da Indústria?

Eu levanto a hipótese até de acabar não saindo nada nessa direção (de redução significativa de preços), pois não há condições concretas de se construir um programa deste tipo nesse momento. Não consigo ver como resolver a questão de limitação de renda do comprador. Talvez o governo esteja pensando como nos primeiros anos do PT na presidência, quando havia situação fiscal favorável, o endividamento do consumidor era muito menor e tinha crescimento econômico. Agora não tem crescimento, não tem orçamento, não tem Tesouro, não tem o sistema financeiro nem as empresas, e as famílias estão super endividadas.

Se todos os envolvidos - governos, montadoras, revendas e bancos – derem uma pequena contribuição, poderia resultar em um programa que ao menos ajudasse o setor a começar a se reerguer?

Mesmo que todos comparecessem com alguma contribuição não seria suficiente para aumentar as vendas, principalmente em 300 mil veículos em um ano, como foi dito. Se conseguirem colocar em pé, vai ser muito modesto e não vai mudar nada no mercado. A volta do mercado de massa de carros e de outros produtos depende da volta do crescimento econômico. Se baratear o preço dos carros fosse algo permanente seria ótimo, mas esse tipo de programa é só emergencial. Pode dar alguma ajuda nas vendas no curtíssimo prazo, mas não resolve o problema nem dos revendedores.

Que futuro o sr. vê para o setor?

Não consigo ver um norte que não tenha algo a ver com o caminho da eletrificação da frota, que no caso é o carro híbrido a etanol. Isso eu acho que faz sentido pensar e dar suporte. A indústria precisa olhar mais para o futuro, qual estratégia deve ter para evitar esse encolhimento permanente do mercado. Não tenho nenhuma dúvida de que tem de ir na direção de alavancar o que temos de vantagem, que é o carro híbrido a etanol e, mais à frente, o carro a célula de combustível a etanol. E se nem todas as montadoras quiserem fazer, paciência. Mas esse é um negócio que pode contribuir para o meio ambiente mais do que já contribui, ter uma demanda mais permanente, maior escala, mais ganho tecnológico. Não resolve, contudo, o problema do mercado de massa pois, neste momento, também é um carro caro.

O governo diz que também vai ter medidas para outros setores da indústria, além do automotivo. Isso é bom?

Se for pensar em incentivos, não, pois não tem dinheiro para isso. O que está faltando é o setor industrial parar e pensar em como construir uma estratégia que se sustente no longo prazo. Temos oportunidade e necessidade de repensar o papel da indústria para valer, e não ficar terceirizando a culpa no custo Brasil. Sei que é complicado, mas está na hora de começar a construir soluções que realmente baixem custos, melhorem a tecnologia, aumentem a competição. É isso que está fazendo falta. Se tirarmos algumas indústrias ligadas ao agronegócio e algumas empresas notáveis, como Weg e Embraer, o resto está estagnado. O governo também tem de parar de falar obviedades, dizer que a indústria é importante, pois todos sabem disso. Quando fala de reindustrialização, tem de explicar o que pretende fazer e porque. A indústria não pode ficar mais uma vez esperando um pacotão ou pedindo benefícios tributários. Tem de construir as bases de uma indústria que tenha condição de permanecer no longo prazo.

O pacote de medidas previsto para ser anunciado na quinta-feira, 25, para ajudar a indústria brasileira a retomar o crescimento, em especial o setor automobilístico, com intenção de reduzir os preços dos automóveis, é pouco provável que venha a dar certo, na opinião do economista José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados. A intenção é colocar modelos no mercado com preços de até R$ 60 mil.

Para ele, talvez o governo esteja pensando como nos primeiros anos do governo Lula, quando havia uma situação fiscal favorável, o endividamento do consumidor era muito menor e a economia crescia. “Agora não tem crescimento, não tem orçamento, não tem Tesouro, não tem o sistema financeiro e não consigo ver como resolver a questão de limitação de renda dos consumidores”, diz.

Além disso, Mendonça ressalta que as montadoras já tomaram a decisão de não perder mais dinheiro e, por isso, migraram a produção para carros mais caros e não vão voltar atrás. “Hoje só consegue comprar carro consumidores da classe B para cima”. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como o sr. avalia a proposta de um pacote de medidas para ressuscitar o carro popular?

Embora não conheça exatamente o que está sendo pensado, sou muito cético em relação a qualquer coisa nessa linha. Falando sobre hipóteses, acho que seria uma regressão, uma volta ao “pé de boi” do Itamar. É uma agenda antiga que já não deu certo muitas vezes. Acredito ser pouco provável que se ponha em pé um programa que faça algum sentido com todos os problemas que temos hoje. Entendo que o setor automotivo está com medo de não atingir neste ano um mercado de 2 milhões de unidades, mas isso não torna mais factível um programa dessa natureza.

Para Mendonca de Barros, baratear o preço do carro de forma permanente seria ótimo, mas o programa é só emergencial Foto: Daniel Teixeira/Estadão

O juro alto é um dos responsáveis pelo desempenho fracos das vendas?

Fala-se muito do juro alto, mas não se fala que o mercado encolheu, em boa parte, por uma combinação de falta de capacidade de compra das famílias associada ao alto grau de endividamento. Muitas pessoas da classe C+, por razões de mercado de trabalho ou da pandemia, tiveram queda na renda nos últimos anos, se endividaram, e um programa dessa natureza, qualquer que fosse o desenho, teria pouca eficácia.

A indústria relata paradas na produção para adequação à demanda, ociosidade de 40% e riscos de demissões. Seriam motivos para obter benefícios?

Desde a trombada da covid, isso ocorreu com outros setores e muitos bens, não só com os carros. Por exemplo, com a carne vermelha. Muitas famílias deixaram de comer e buscaram outras proteínas. Outro exemplo é o das viagens. O transporte aéreo ficou muito caro. Hoje as viagens são acessíveis exclusivamente para empresas ou pessoas das classes A e B+. Com o automóvel ocorre o mesmo. Um número incontável de famílias não tem condições nem de passar perto de um carro novo que custe R$ 70 mil, R$ 80 mil, R$ 90 mil. As montadoras já tomaram a decisão de não perder mais dinheiro, e até por isso subiram a escala dos produtos, dando preferência aos mais caros, que dão maior margem positiva, e não vão voltar atrás nessa estratégia. Todo mundo quer vender SUVs e picapes, e não carro popular. As empresas também não estão dispostas a fazer um carro “pé de boi” nem vender com prejuízo, exatamente pela experiência passada do carro popular que liquidou a rentabilidade do parque produtivo brasileiro.

Hoje, a produção está voltada principalmente aos carros utilitário esportivos. O sr. acredita que é o carro que o consumidor deseja?

Quem tem dinheiro quer esse tipo de veículo, mas é só uma fração dos consumidores. Só consegue comprar carro hoje consumidores da classe B para cima, que tem crédito e renda para poder pagar. A troca foi essa, o mercado encolhe na direção de carros mais caros, que dão margem à indústria e são comprados pelos 5% a 8% da população de maior renda. A classe C ascendente que tanto caracterizou o crescimento das vendas no passado ficou para trás.

O sr. acredita ser possível medidas para facilitar o crédito?

Duvido que o setor bancário tenha qualquer interesse em construir sistemas de crédito mais barato, principalmente depois dos sustos com grandes empresas que foram para a recuperação judicial, como a Americanas. E se o governo usar o velho instrumento de botar a Caixa, o BNDES e o Banco do Brasil para subsidiar programas de crédito, tenho a impressão de que nem a equipe econômica ficaria satisfeita. Outra medida comentada é mais uma vez sangrar o FGTS, permitindo algum tipo de saque, mas isso sozinho não é suficiente.

E redução de impostos, como IPI e ICMS, ajudaria?

Acho ainda mais difícil. Os Estados já perderam bilhões com a redução do imposto da gasolina e da energia elétrica e estão discutindo com o governo federal eventuais compensações. Duvido que estejam dispostos a colocar mais um pedaço do ICMS em uma medida como essa. E o IPI dos carros de menor cilindrada já é baixo, na casa dos 5%. E se for aprovada a reforma tributária o IPI sobe de novo.

O que o sr. acha então que pode ser anunciado na quinta-feira, quando é comemorado o Dia da Indústria?

Eu levanto a hipótese até de acabar não saindo nada nessa direção (de redução significativa de preços), pois não há condições concretas de se construir um programa deste tipo nesse momento. Não consigo ver como resolver a questão de limitação de renda do comprador. Talvez o governo esteja pensando como nos primeiros anos do PT na presidência, quando havia situação fiscal favorável, o endividamento do consumidor era muito menor e tinha crescimento econômico. Agora não tem crescimento, não tem orçamento, não tem Tesouro, não tem o sistema financeiro nem as empresas, e as famílias estão super endividadas.

Se todos os envolvidos - governos, montadoras, revendas e bancos – derem uma pequena contribuição, poderia resultar em um programa que ao menos ajudasse o setor a começar a se reerguer?

Mesmo que todos comparecessem com alguma contribuição não seria suficiente para aumentar as vendas, principalmente em 300 mil veículos em um ano, como foi dito. Se conseguirem colocar em pé, vai ser muito modesto e não vai mudar nada no mercado. A volta do mercado de massa de carros e de outros produtos depende da volta do crescimento econômico. Se baratear o preço dos carros fosse algo permanente seria ótimo, mas esse tipo de programa é só emergencial. Pode dar alguma ajuda nas vendas no curtíssimo prazo, mas não resolve o problema nem dos revendedores.

Que futuro o sr. vê para o setor?

Não consigo ver um norte que não tenha algo a ver com o caminho da eletrificação da frota, que no caso é o carro híbrido a etanol. Isso eu acho que faz sentido pensar e dar suporte. A indústria precisa olhar mais para o futuro, qual estratégia deve ter para evitar esse encolhimento permanente do mercado. Não tenho nenhuma dúvida de que tem de ir na direção de alavancar o que temos de vantagem, que é o carro híbrido a etanol e, mais à frente, o carro a célula de combustível a etanol. E se nem todas as montadoras quiserem fazer, paciência. Mas esse é um negócio que pode contribuir para o meio ambiente mais do que já contribui, ter uma demanda mais permanente, maior escala, mais ganho tecnológico. Não resolve, contudo, o problema do mercado de massa pois, neste momento, também é um carro caro.

O governo diz que também vai ter medidas para outros setores da indústria, além do automotivo. Isso é bom?

Se for pensar em incentivos, não, pois não tem dinheiro para isso. O que está faltando é o setor industrial parar e pensar em como construir uma estratégia que se sustente no longo prazo. Temos oportunidade e necessidade de repensar o papel da indústria para valer, e não ficar terceirizando a culpa no custo Brasil. Sei que é complicado, mas está na hora de começar a construir soluções que realmente baixem custos, melhorem a tecnologia, aumentem a competição. É isso que está fazendo falta. Se tirarmos algumas indústrias ligadas ao agronegócio e algumas empresas notáveis, como Weg e Embraer, o resto está estagnado. O governo também tem de parar de falar obviedades, dizer que a indústria é importante, pois todos sabem disso. Quando fala de reindustrialização, tem de explicar o que pretende fazer e porque. A indústria não pode ficar mais uma vez esperando um pacotão ou pedindo benefícios tributários. Tem de construir as bases de uma indústria que tenha condição de permanecer no longo prazo.

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