SÃO PAULO E BRASÍLIA - A expectativa de queda da taxa básica de juros (Selic) mais cedo que o esperado anteriormente já figura nos cenários de alguns economistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast. Essa possibilidade decorre do risco de piora do mercado de crédito com a crise da Americanas, em meio à desaceleração já contratada para a atividade econômica.
Segundo analistas, a ameaça ao crédito poderia ser o aceno “técnico” do Banco Central - e não político - ao governo de que o corte de juros não está tão distante. A possibilidade não é majoritária pela incerteza em torno do arcabouço fiscal, ainda mais em meio à chance de mudança das metas de inflação e à desancoragem das expectativas.
Nos últimos dias, o Banco Alfa e o Banco Fibra anteciparam as expectativas de início do ciclo de cortes, citando o risco de piora do mercado de crédito. Saindo de um cenário de juros estáveis em 13,75% até dezembro, o Fibra diminuiu a sua projeção de Selic no fim de 2023 para 12,5%, incorporando à estimativa cinco cortes de 0,25 ponto porcentual a partir de junho.
O economista-chefe do banco, Cristiano Oliveira, afirma que a mudança da projeção leva em conta o aperto das condições financeiras do País, que pode ser amplificado por problemas de crédito em “algumas empresas varejistas”. Isso significa um impulso negativo do crédito em um momento no qual a atividade já desacelera naturalmente, devido ao aperto monetário conduzido pelo BC.
“(O contexto) justifica maior atenção do BC para a intensidade da desaceleração da atividade econômica que está sendo contratada neste momento e, certamente, irá desacelerar ainda mais a demanda e a inflação de preços livres”, afirma Oliveira, em relatório assinado também pela economista do Fibra Ágila Cunha. O cenário básico do banco indica desaceleração do crescimento do PIB a 1,0% este ano, de 2,9% em 2022.
Oliveira alerta, no entanto, que o mais provável é que a nova proposta de arcabouço fiscal seja menos dura que o teto de gastos. Nesse caso, a tendência é de que o mercado precifique incerteza no cenário, de forma a manter a curva de juros futuros inclinada. Ao mesmo tempo, a desancoragem das expectativas impedirá a convergência da inflação a 3% no médio prazo.
“O mercado de juros deve continuar sendo o principal termômetro de risco macroeconômico e o spread entre os vértices curtos e longos deve continuar elevado, limitando o efeito da queda da taxa básica de juros”, afirma o economista.
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O economista-chefe do Banco Alfa, Luís Otávio de Souza Leal, antecipou a projeção de início do ciclo de cortes de setembro para junho, devido à piora dos dados de crédito. Para o analista, esse quadro - combinado à reoneração de combustíveis e à apresentação de um arcabouço fiscal crível - pode levar o BC a sinalizar que a redução dos juros está próxima já na próxima reunião do Copom, no dia 22.
“Parece que o caminho do impacto da política monetária sobre o mercado de crédito está bem encaminhado, seja pelo canal tradicional, seja por uma ‘ajudinha extra’ do caso Americanas”, diz Leal, no relatório semanal de macroeconomia do Alfa. O economista lembra que já se observa um aumento da inadimplência e do spread no crédito para pessoas físicas e que a tendência é de piora também para as empresas.
Mesmo antecipando um início mais rápido do ciclo de cortes, o economista nota que o ritmo da diminuição deve ser menor, de 0,25 ponto porcentual por reunião, ante o 0,5 ponto esperado anteriormente. Leal aumentou a projeção de Selic no fim de 2023 de 12,25% para 12,5%, mas nota que o novo cenário ainda implica juros médios menores no ano - de 13,10%, ante 13,50% na estimativa anterior.
Nelson Abrahão, estrategista-chefe do multi family office Turim, avalia que seria natural o BC começar a ajustar o juro para baixo diante da desaceleração da economia, do aperto no crédito, especialmente depois do caso Americanas, e da desaceleração inflacionária na margem. Mas pondera que o debate que vem sendo colocado pelo governo de revisão de metas é contraproducente nesse sentido e que as questões fiscais também pesam.
Macroprudencial
Diante das incertezas em torno da política fiscal e da desancoragem das expectativas, outros analistas consideram que a chance de antecipação dos cortes da Selic é baixa. Economistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast também argumentam que a desaceleração do crédito é um efeito esperado da política monetária e que os impactos da crise da Americanas sobre o setor podem ser limitados.
“O evento Americanas potencializa marginalmente a desaceleração do ritmo de expansão de crédito, mas a gente não está vendo um evento de crédito que crie um problema sistêmico. Você não pode achar que, se não cortar os juros, a economia vai implodir”, diz o economista da BlueLine Asset Flávio Serrano. “Nesse ambiente, faria mais sentido adotar políticas macroprudenciais, que ataquem o problema microeconômico na margem.”
Na mesma linha, o economista-chefe do Banco Original, Marco Caruso, diz que a ameaça de uma crise de crédito não é condição suficiente para uma queda da Selic. Seria necessário um recuo também das expectativas de inflação. “Mas será que o mercado vai ajustar bem para baixo as projeções de PIB por causa do crédito?”, questiona.
Caruso reconhece que um debate interessante é entre o controle da inflação e a estabilidade financeira. Mas lembra que, para o último caso, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, já argumentou que a solução não é a queda da Selic, mas políticas macroprudenciais. Para o economista, a primeira queda dos juros deve ocorrer em novembro, considerando projeção de PIB de 0,5%.
Hoje, na ata do Comitê de Estabilidade Financeira (Comef), o BC afirmou que, mesmo em um cenário extremo, com contaminação do evento Americanas para toda a cadeia de produção e fornecedores que dependem da empresa de forma relevante, o impacto sobre o Sistema Financeiro Nacional seria “insignificante”. O Comef também avaliou que a política macroprudencial neutra segue adequada ao momento atual.