Com a previsão de que seria votado por senadores nesta semana, antes do recesso parlamentar, o projeto de lei que criaria o mercado de crédito de carbono regulado saiu da pauta em meio a uma disputa política entre a Câmara dos Deputados e o Senado e a questionamentos das empresas. Esse é mais um viés para o setor, que espera a lei para ver o mercado avançar e que já teve outras decepções anteriormente. Em 2022 e 2023, houve tentativas de aprovar o texto para apresentá-lo, respectivamente, nas COPs (Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas) do Egito e de Dubai.
“Para o setor, é muito importante essa votação. Ela vai passar o recado de que o Brasil, como signatário do Acordo de Paris, está fazendo a lição de casa. A implementação da lei vai levar pelo menos mais uns três anos. Então precisamos desse primeiro passo que é o PL (projeto de lei)”, diz Janaina Dallan, CEO da Carbonext e presidente da Aliança Brasil NBS (entidade que representa as empresas desenvolvedoras de projetos de carbono).
A nova previsão é de que o projeto de lei seja discutido no Senado entre os dias 13 e 14 de agosto, mas parlamentares desconfiam de que não haverá tempo até lá. As tensões do empresariado vão além de se ter um cronograma para a votação. Há preocupação com a possibilidade de que, após aprovado, o texto seja judicializado por deputados.
A briga no Legislativo em torno de quem será o “pai” do projeto esquentou na semana passada, quando se soube que o Senado pretende votar, em agosto, o PL-412/22 (aprovado na Casa em outubro de 2023, sob influência do Executivo), e não o PL- 2148/15 (aprovado pela Câmara dos Deputados em dezembro).
O PL-412 era mais conciso e havia sido melhor recebido pelo mercado, mas, quando chegou à Câmara dos Deputados após aprovação no Senado, foi “substituído” pelo 2148/15. O deputado Aliel Machado (PV-PR), relator do projeto, usou parte do 412, mas juntou o conteúdo ao texto de outro PL, o 2148, que já estava na Câmara. Com isso, o projeto retornou ao Senado e ainda terá de passar – novamente – pelos deputados.
“Há uma divergência de entendimento entre a Câmara e o Senado. A Câmara entende que o projeto prioritário não é o que foi votado no Senado, mas o mais antigo, que está na Câmara desde 2015″, diz Machado. “O governo não enviou um projeto para o Congresso. Deveria ter feito isso e mandado para a Câmara. Mas aproveitou carona em um projeto do Senado. O início da tramitação e o término de um projeto de interesse nacional é a Câmara”, destaca o deputado.
Machado considera a possibilidade de o Senado votar o 412 “temerária” e “gravíssima”. O deputado afirma que, se ela ocorrer, haverá questionamento no Supremo Tribunal Federal (STF). “Acho que isso não vai acontecer. Tenho dialogado com o (presidente do Senado) Rodrigo Pacheco (PSD-MG). A ideia é encontrar um texto comum. Deixar essa discussão sobre procedimentos para outro momento.” Procurada, a Presidência do Senado não retornou a reportagem.
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A intenção de pautar o 412 agora tem sido vista como um sinal de que a guerra entre as casas está acirrada e que o setor de carbono acabou no meio dessa disputa política. Entre as empresas, há uma preocupação de que, se judicializado, o PL acabe em um limbo jurídico.
“É muito importante que um acordo político seja alcançado. Ninguém gostaria que a tramitação terminasse de maneira que possa abrir qualquer caminho para judicialização”, afirma Natália Renteria, diretora de assuntos regulatórios da Biomas (empresa de créditos de carbono gerados pela regeneração de florestas que tem como sócios Itaú, Santander, Vale e Suzano, entre outros).
O projeto que está em discussão estabelece a criação de um sistema de comércio de emissões de gases semelhante ao adotado na União Europeia. Esse sistema se baseia no mecanismo de “cap and trade” (limite e comércio, em inglês), em que são estabelecidas cotas de emissões para os entes regulados (empresas, por exemplo). Quem emitir menos toneladas de CO₂ que sua cota pode vender, no mercado regulado, a diferença para quem ultrapassou seu limite.
Imposto sobre crédito de carbono
O PL também interfere em alguns pontos do mercado voluntário, no qual os créditos são vendidos para empresas cumprirem compromissos climáticos que não estão sujeitos a obrigações legais de redução de emissões. Empresas que atuam nesse segmento têm questionado algumas regras que o projeto estabelece, sobretudo a que determina que créditos negociados no mercado voluntário e exportados tenham de ser registrados por dois “órgãos” brasileiros (a Autoridade Nacional Designada e o órgão gestor) sempre que o país comprador quiser usar o crédito para reduzir as emissões com as quais se comprometeu no Acordo de Paris. Segunda as empresas, isso torna o mercado voluntário burocrático e encarece o crédito brasileiro, dado que o Imposto sobre Transações Financeiras (IOF) poderia recair sobre ele.
Em outros países, créditos exportados para efeito de cumprimento da meta do Acordo de Paris costumam passar apenas por uma certificadora, que garante a integridade do crédito. Em alguns casos, pode haver um registro nacional do crédito para evitar que haja dupla contagem desse ativo.
De acordo com o PL, porém, após o crédito ser emitido pela certificadora, ele teria de passar pelos dois “órgãos” brasileiros para a exportação ser autorizada. Esse crédito seria considerado um título mobiliário. Na operação de venda desse ativo, portanto, poderia haver cobrança de até 1,5% de IOF.
“O crédito brasileiro será exposto ao mercado internacional e vai competir com outros países. Os compradores vão olhar nosso crédito e os de outros países. Os nossos podem perder competitividade”, acrescenta Renteria, da Biomas.
Diretora de relações institucionais da re.green (empresa de crédito de carbono que atua no mercado voluntário e tem entre seus investidores Arminio Fraga, Guilherme Leal, Fabio Barbosa e a família Moreira Salles), Mariana Barbosa lembra que os projetos desenvolvidos pela companhia são de restauração ecológica. Neles, áreas degradadas recebem mudas de plantas nativas e são completamente reflorestadas. O crédito gerado nessas áreas necessita grandes volumes de investimento e é mais caro. Daí a preocupação que a cobrança de IOF afugente o comprador. “Na nossa área, a necessidade de investimento é maior. Qual vai ser o custo disso (do IOF). Isso vai gerar incerteza no setor”, diz.
Procurado, o Ministério da Fazenda não quis comentar o assunto.