Depois de um ano sem aumentar preços, a microempresária Paula Rocha, dona de um salão que beleza que leva seu nome, no bairro de Perdizes, na Zona Oeste da capital paulista, reajustou em 10% o valor do serviço de manicure. Desde 1º de fevereiro, as clientes estão desembolsando R$ 44 para “fazer a mão”. No ano passado, o reajuste tinha sido menor, de R$ 2, ou seja, 5%.
“Aumentamos em 10% por causa de um montante (de reajustes): aluguel, serviço de lavanderia de toalhas, materiais – esmalte, acetona, lixa, envelope de autoclave –, IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) e até a dose do café que eu sirvo aqui”, explica Paula.
Antes de o preço aumentar, as clientes foram avisadas, e somente duas reclamaram. Por enquanto, Paula diz que não sentiu um recuo no movimento, até porque a demanda está aquecida em razão do Carnaval.
Nas suas contas, seria necessário um reajuste maior, de 15%, para equilibrar o negócio. “Não fiz isso porque acho muito, já aumentei 10%.”
Já Claudio Florio, dono do Fix Atelier, de serviços de costura, também localizado em Perdizes, reajustou em 12%, em média, os preços dos mais de 200 serviços que presta. Em 2022, o aumento médio havia sido de 10%, mas ainda tinha restado uma defasagem de cerca de 8% entre custos e preços.
“Em 2023, consegui um reajuste de 12%, em média, e, como a inflação foi bem menor do que isso, recuperei os preços antigos”, diz Florio. Ele destaca que o aumento ocorreu, sobretudo, por causa da alta do valor da mão de obra, que representa metade dos seus custos.
Os aumentos dos preços promovidos por Florio e por Paula em 2023 foram captados pelo índice oficial de inflação do País, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Nos últimos 12 meses até janeiro de 2024, o IPCA fechou com alta de 4,51%, enquanto a inflação dos serviços subiu 5,62%.
Além das passagens aéreas, com aumento médio de 25,48% em 12 meses até janeiro de 2024, e do preço da hospedagem que ficou em média 10,86% mais alto no mesmo período – ambos relacionados à forte demanda em razão do fim da pandemia –, serviços de costura e de manicure se destacaram no ranking dos reajustes anuais, com aumentos de 8,07% e 7,82%, respectivamente.
Também constam na lista de maiores altas dos preços dos serviços, transporte por aplicativo (9,47%), aluguel de veículo (13,14%), pintura de veículo (8,98%), mensalidade de clube (9,11%), cursos regulares (8,36%), dentista (8,55%) e condomínio (6,81%). Todos esses aumentos foram superiores à inflação geral acumulada no período e também acima da inflação de serviços.
Nos últimos tempos, no entanto, o cenário para inflação como um todo tem ficado cada vez mais favorável. Por três semanas seguidas, projeções do mercado financeiro para o IPCA de 2024, captadas pelo Boletim Focus, do Banco Central (BC), recuaram e encerraram a primeira semana de fevereiro estáveis em 3,81%.
Apesar de as projeções indicarem perda de fôlego da inflação como um todo, existe uma preocupação com a alta de preços de serviços, que é alimentada principalmente pela recuperação do mercado de trabalho.
O ano de 2023 fechou com taxa média de desemprego de 7,8%, o menor resultado desde 2014. Há no País 100,7 milhões de ocupados, uma marca recorde. No ano passado, a massa real de rendimentos do trabalho ficou em R$ 295,6 bilhões, a maior da série do IBGE, com alta de 11,7% ante 2022.
Segundo o ex-diretor de Política Monetária do Banco Central (BC), o economista Luis Eduardo Assis, a inflação de serviços não está tão tranquila quanto poderia. Isso porque, ela tem forte correlação com o desemprego, que está historicamente muito baixo, e com o nível de atividade que, por sua vez, depende da taxa de juros. “Isso que desanima o Banco Central a ser mais ousado no corte dos juros”, afirma Assis.
Na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC, houve um corte de 0,5 ponto porcentual na taxa básica de juros para 11,25% ao ano. A sinalização do BC é de que os próximos cortes sejam também dessa magnitude. Na ata da reunião, consta que o colegiado ficou mais atento ao cenário doméstico, aos reajustes salariais e ao impacto na inflação de serviços.
“O setor de serviços é realmente um desafio para a política monetária”, afirma André Braz, economista do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).
Resistência dos serviços
Braz explica que uma parte dos serviços tem um certa rigidez de preços. Por isso, torna-se mais difícil uma desaceleração. Entre os fatores que contribuem para essa rigidez, ele aponta uma dose de indexação de alguns tipos de serviço, como despesas de condomínio e mensalidades escolares, por exemplo.
Pesam nos reajustes de preços desses segmentos o comportamento da inflação passada, os aumentos das tarifas, como a de energia elétrica, e os dissídios dos trabalhadores empregados no setor.
Outro ponto que também joga a favor dessa rigidez, segundo o economista, é a taxa de juros. No aluguel, por exemplo, quando o juro básico está em patamares elevados como o atual, as pessoas optam por alugar uma moradia no lugar de comprar um imóvel, por causa do custo elevado do financiamento. Esse é mais um fator que acaba pressionando os preços do aluguel, um serviço importante na inflação, dificultando a desaceleração.
Além disso, pesa nesse quadro o momento favorável do mercado de trabalho. “Isso acaba estimulando a demanda por alguns serviços que começam a fazer parte da cesta de consumo das famílias que tiveram a sua qualidade de vida melhorada”, diz Braz.
Sinal amarelo
De acordo com economistas, a perspectiva da inflação de serviços neste ano é de desaceleração em relação a 2023, mas ainda assim o resultado será superior ao IPCA como um todo.
Nas projeções de Braz, a inflação geral medida pelo IPCA deste ano deve ficar em 3,7%, com os serviços subindo entre 4% e 4,5%. Nas contas do economista da LCA Consultores, Fabio Romão, o IPCA de 2024 deverá ficar em 4%, e os serviços devem subir 4,3%.
Romão pondera que, como os serviços não são itens comercializáveis, isto é, passíveis de importação, normalmente a inflação do setor costuma ficar acima do índice geral de inflação da economia. De toda forma, há um ponto de atenção nas previsões deste ano para a inflação de serviços.
Para 2024, a inflação esperada de serviços subjacentes, que são aqueles que excluem os serviços com grande variação sazonal nos preços, como passagens aéreas, hospedagem, cursos regulares e serviços domésticos, é de 5%, ante 4,8% em 2023, segundo Romão. “A inflação subjacente de serviços praticamente não vai desacelerar em 2024″, ressalta o economista.
Em janeiro de 2024, a inflação subjacente dos serviços, que, na prática, é uma espécie de núcleo e indicador de tendência dos preços desse setor, fechou com alta de 0,76%. O resultado ficou acima da previsão da LCA, que era alta de 0,6%. Também é quase 50% maior que o do mês anterior (0,51%) e ficou acima do de janeiro de 2023 (0,58%).
“O resultado de janeiro incomodou, é um sinal amarelo”, diz Romão. Ele atribui esse número a altas de preços em serviços pessoais que são intensivos em trabalho, como manicure, cabeleireiro e serviço bancário, por exemplo.
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Segundo o economista, esses reajustes podem ter sido fomentados não apenas pelo efeito calendário da virada de ano, quando vários profissionais liberais reajustam seus preços com base na inflação do ano que acaba de se encerrar, mas também pela resiliência da massa real de rendimentos.
Apesar de os serviços incomodarem, para Romão, isso não seria motivo para que o BC pare de cortar os juros antes do que gostaria. De modo geral, o economista da LCA lembra que há outros componentes da inflação, como os preços administrados, que vão desacelerar, e parte dos preços livres devem subir num ritmo mais lento.
Esse movimento deve compensar as pressões dos serviços, advindas do fortalecimento do mercado de trabalho. “Obviamente que o BC está vigilante”, finaliza Romão.