NOVA YORK - Dados mais fortes do mercado de trabalho nos Estados Unidos no mês de dezembro fizeram Wall Street dar um passo atrás no otimismo com o início precoce do corte de juros. Mas foi por pouco tempo. Alguns componentes, como a revisão em baixa nos dois meses anteriores, e a temperatura mais branda do setor de serviços no país serviram de contraponto e realimentaram temores de recessão na maior economia do mundo, o que fez com que março voltasse ao foco de investidores para o início do esperado processo de flexibilização monetária nos EUA.
O chamado relatório payroll - indicador mensal que traz todos os dados relacionados ao emprego nos EUA, como taxa de desemprego e setores que mais geraram efecharam vagas - apontou a criação de 216 mil empregos em dezembro no país, em termos líquidos, informou o Departamento do Trabalho americano. O resultado ficou bem acima da mediana das expectativas de analistas consultados pelo Projeções Broadcast, de 175 mil novos postos de trabalho.
O salário cresceu um pouco abaixo do esperado, com avanço de 4,1% na comparação anual em dezembro, ante expectativa de alta de 3,9%. Por outro lado, houve revisão para baixo de 71 mil vagas nos meses de outubro e novembro, e vários analistas destacaram que vagas de governos e do setor de saúde puxaram o número para cima, mas não representam setores cíclicos da economia.
A surpresa com o relatório voltou a embaralhar as apostas para o início do corte de juros nos EUA. “Suspeito que tanto o mercado quanto o Federal Reserve vão considerá-lo perturbador”, avaliou o conselheiro econômico da Allianz, Mohamed El-Erian, na esteira da publicação. E foi o que aconteceu. Maio voltou a duelar com março como a data mais provável para o início do corte das taxas nos EUA, conforme apontou levantamento da plataforma CME Group, que monitora o comportamento da curva futura dos juros.
No entanto, a trégua no otimismo de Wall Street teve vida curta, após dados do setor de serviços nos EUA servirem de contraponto aos dados mais forte do mercado de trabalho. O PMI (Purchasing Managers’ Index) do setor de serviços, também conhecido como Índice dos Gerentes de Compras, caiu de 52,7 em novembro para 50,6 em dezembro, abaixo da projeção de 52,6.
Esse indicador econômico mede o desempenho do setor de serviços de uma economia e fornece informações sobre a atividade econômica e o sentimento dos gerentes de compras (ou gerentes de suprimentos) das empresas em relação a fatores-chave, como produção, novos pedidos, emprego, entregas de fornecedores e estoques.
O dado mais fraco foi lido como um sinal de que a maior economia do mundo ainda não está completamente livre dos riscos de recessão ao longo de 2024, na visão de operadoras de Wall Street. Por sua vez, voltou a mexer nas expectativas para os juros nos EUA. As chances de que o primeiro corte dê as caras em março chegaram a superar os 70% novamente após o PMI de serviços, mostrou levantamento da plataforma americana CME Group.
“A queda na componente de emprego do PMI de serviços dos EUA mais do que tirou o brilho de um relatório de emprego dos EUA ligeiramente mais forte do que o esperado”, reforça o economista-chefe de mercados da Capital Economics, John Higgins.
Na visão da consultoria britânica, o PMI de serviços dos EUA é um sinal de que a maior economia do mundo ainda corre o risco de enfrentar uma recessão moderada à frente. Mas, ainda que o país consiga evitá-la, como tem sugerido o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) doméstico, o Fed deve reduzir os juros de “forma substancial” neste ano, diz.
Para o economista-chefe do JPMorgan, Bruce Kasman, o relatório de empregos serve de questionamento ao otimismo do mercado quanto à uma flexibilização monetária agressiva e precoce nos EUA. Ainda assim, os melhores dados da inflação no país atenuam argumentos de que ainda há riscos de uma recessão no front.
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A dúvida não é se os EUA enfrentarão uma recessão, mas se o ambiente na maior economia do mundo é suficiente para uma grande flexibilização monetária no país, segundo Kasman. “E penso que para o Fed o cenário ainda é consistente com a flexibilização monetária”, disse o economista do JPMorgan, ao falar a investidores, semana passada.
O Bank of America pondera que apesar de um relatório de empregos mais forte em dezembro, as revisões para baixo nos meses anteriores reforçam um arrefecimento gradual da atividade laboral nos EUA. Nesse sentido, o cenário é mais consistente com um pouso suave do que com uma recessão no país.
“Mantemos a opinião de que a combinação dos dados da atividade e da inflação apoiará o início de um ciclo de flexibilização gradual em março”, afirma o economista-chefe do Bank of America para os EUA, Michael Gapen. O banco projeta cortes trimestrais de 25 pontos-base, totalizando 100 pontos-base em 2024.
Mais cético, o Citi vê o mercado otimista além da conta com a expectativa de um primeiro corte de juros nos EUA em março, o que não deve se concretizar. “Maio ou mais tarde é mais provável com o nosso cenário base para julho”, avalia o gigante de Wall Street.
Para a Capital Economics, nesta altura do campeonato, o que realmente importa para o Federal Reserve (Fed) são os novos dados da inflação dos EUA, previstos para esta semana. Passado o relatório de empregos, os olhos de Wall Street se voltam aos índices de preços ao consumidor referente o mês de dezembro e que serão divulgados na quinta-feira, 11, e sexta-feira, 12. “Esperamos que os índices apoiem uma ação precoce do Fed”, prevê a Capital, em relatório a clientes.
Para o presidente dos EUA, Joe Biden, o relatório de empregos de dezembro confirmou 2023 como um “grande ano” para os trabalhadores americanos, ainda que pesem preços “muito altos” no país. A secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, reforçou o tom otimista. Em entrevista à rede CNN, disse que a maior economia do mundo já conseguiu o “pouso suave”.