Atualmente, a gestão fiscal do governo federal está subordinada a duas metas. Uma delas é o limite para o montante das despesas primárias, estabelecido nos termos da Emenda Constitucional n.º 95 (Emenda do Teto). A outra é a meta de resultado primário da União, que, em 2017, corresponde a um déficit de R$ 139 bilhões.
Nas últimas semanas tem crescido o debate sobre esse modelo de gestão fiscal. Num contexto em que o governo vem reduzindo fortemente as suas despesas – abaixo, inclusive, do limite fixado pela Emenda do Teto –, e ainda assim provavelmente terá de rever para pior a meta de déficit primário fixada para o ano, vários analistas passaram a questionar as atuais metas fiscais.
Para alguns, a meta de resultado primário se tornou desnecessária, pois bastaria o limite à expansão das despesas para garantir o equilíbrio fiscal de longo prazo. Para outros, a meta de resultado primário ainda é necessária, mas deveria ser ajustada ao ciclo econômico, de modo a evitar um ajuste excessivo e irracional em períodos de contração da receita, exigindo, em contrapartida, um resultado primário mais elevado em períodos de forte crescimento.
Minha avaliação é de que, apesar dos avanços importantes, a qualidade do debate sobre os objetivos e os instrumentos da política fiscal do Brasil ainda é muito pobre.
É inequívoco que a introdução, pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), da exigência da fixação anual de meta de resultado primário foi um avanço importante. Tal mudança não impediu, no entanto, que nos 16 anos subsequentes à publicação da LRF (de 2001 a 2016), a despesa primária da União tenha crescido, em média, 5,8% ao ano acima da inflação.
Por vários anos, foi possível gerar um bom superávit primário, a despeito do forte crescimento das despesas, por meio do aumento da carga tributária ou porque a arrecadação foi beneficiada pelo crescimento acelerado da economia em um ambiente internacional favorável. Nos últimos anos, no entanto, o custo fiscal do crescimento acelerado das despesas se tornou claro, em um cenário de menor crescimento e de maior dificuldade em aumentar a carga tributária (sendo potenciado por uma gestão fiscal desastrosa entre 2012 e 2014).
Neste contexto, o estabelecimento de um limite para a expansão das despesas da União, por meio da Emenda do Teto, foi outro avanço importante. Mas este também não é o modelo ideal de gestão fiscal de longo prazo, pois, ao fixar um limite para a expansão da despesa total, criou o risco de que todo o limite seja consumido pela expansão das despesas obrigatórias, exigindo o corte irracional de despesas discricionárias importantes, como investimentos públicos e despesas essenciais de custeio.
O ideal é que o teto global para a expansão das despesas da União fosse decomposto em limites específicos para cada uma das principais categorias de despesa – previdência e assistência, pessoal, subsídios, investimento e custeio – e para cada Poder. Isto permitiria preservar um espaço mínimo para despesas discricionárias essenciais e tornaria clara a necessidade de conter a expansão das despesas obrigatórias.
O modelo deveria ser complementado por metas plurianuais (fixadas a cada mandato presidencial) para o resultado primário ajustado pelo ciclo. Para cumprir tais metas, eventuais frustrações na contenção do crescimento de despesas obrigatórias deveriam ser compensadas por aumentos de arrecadação.
Trata-se de um modelo que torna claras as escolhas na gestão de longo prazo da política fiscal, sem, no entanto, conduzir a situações irracionais de contenção de despesas.
Não creio que esta seja uma agenda para este governo (que já avançou bastante na melhoria da gestão fiscal). Mas é uma agenda importante. Sem as mudanças sugeridas, o corte excessivo de despesas discricionárias pode ser usado como argumento para derrubar todo o modelo de limitação do crescimento das despesas da União, que é essencial para termos uma trajetória fiscal sustentável no longo prazo.
*Diretor do Centro de Cidadania Fiscal