Em meados de outubro, a Brasil Cacau lançou uma colaboração com a Mauricio de Sousa Produções que chamou a atenção do mercado. Tendo em vista o Dia das Crianças, as marcas reeditaram os tabletes de chocolate com personagens da Turma da Mônica que fez sucesso nos anos 1990. Recentemente, uma variedade de empresas tem anunciado parcerias como essa. Coca-Cola e Oreo, McDonald’s e Riachuelo, Nike e Lego. São uniões em torno de estratégias como atrair novos públicos, reposicionar produtos, agregar novas expertises ou, simplesmente, abrir novas linhas de negócio. Podem incluir licenciamento, embora não seja sua principal característica. O objetivo das collabs é agregar fortes marcas em torno de um objetivo comum, com estratégias de marketing elaboradas que, muito além de converter, visam impactar as conversas e a cultura.
Collabs
“As colaborações recentes da Coca-Cola com marcas icônicas como a Marvel e Oreo são exemplos claros do nosso compromisso com a criatividade e a inovação”, explica Ted Ketterer, head de marketing da Coca-Cola Brasil, citando também a parceria com o estúdio de filmes e quadrinhos da Disney, cujos personagens estamparam latas e podiam interagir com o consumidor por meio de realidade aumentada. “Com estratégia, conseguimos aproximar ainda mais os fãs de ambas as marcas, incentivando a criação de conteúdos e explorando novas tecnologias que colocam o nosso consumidor no centro da experiência” Ambas as parcerias da Coca — com Disney e Mondelez — incluíram pesquisa e desenvolvimento para muito além de produtos colecionáveis, ativando campanhas, experiências e promoções, entre outros recursos.
Há um conceito cada vez mais valorizado na jornada do consumidor que também tem influenciado as collabs: fan service. Marcas, produtos, ferramentas ou personagens que unem identidades simbióticas à cultura pop, sensíveis às tendências, conectadas ao meio. São preditivas, pois se desenvolvem sobre bases aspiracionais. Traduzem como ninguém aquele antigo jargão do marketing sobre criar necessidades que nem os próprios consumidores sabiam que necessitavam.
Segundo Gustavo Viana, diretor de marketing da Fisia, distribuidora oficial Nike no Brasil, as parcerias “são impulsionadas por uma combinação de motivações técnicas, estratégicas e aspiracionais”. Por meio delas, a empresa pode integrar novas perspectivas e inovações de colaboradores externos, alcançar públicos diferentes dos usuais e reforçar posicionamentos dentro de sua expertise. Mas é no aspiracional que reside a mágica da coisa. “Parcerias com figuras influentes ou marcas prestigiadas ajudam a reforçar a imagem da Nike como uma marca que define tendências, conecta-se com a cultura e oferece produtos que transcendem a performance, tornando-se ícones de estilo e desejo. Essas colaborações também geram grande expectativa no mercado, aumentando a visibilidade e a relevância da marca em diferentes segmentos”, explica Viana.
Surpresa e complementariedade
A collab que associa produtos a celebridades — que afinal são marcas — também se expandiu, criando parcerias entre joias e top models, drinques e cantoras, grifes e atores. Anitta, marca principal da Larissa de Macedo Machado S.A., já fez diversas colaborações desde que se tornou nacionalmente famosa — a mais recente é uma linha de sandálias junto à Kenner. Thaís Araújo é embaixadora do banco BV e tem voz nas tomadas de decisões sobre produtos e serviços. Shawn Mendes desenvolveu uma linha de roupas sustentáveis para a Tommy Hilfiger.
São colaborações que funcionam desde que abertas para uma mistura de cores, texturas, sabores e ideias de forma relevante e pouco óbvia, ainda que façam todo sentido. É como calibrar a confiança para ir a um namoro às cegas ou pular de paraquedas: as bases da experiência já são conhecidas. O perfil da pessoa pretendida ou o local de aterrissagem são calculados segundo estimativas honestas, porém imponderáveis.
Esse fator-surpresa pode ser positivo se as marcas ativarem analogias coerentes e bem-humoradas. Foi o que fizeram, por exemplo, Knorr e Chilli Beans, que lançaram um molho de pimenta em edição limitada. “O projeto foi idealizado para despertar a curiosidade do público e aproximar Knorr de um território atual, contribuindo ainda para posicionar a master brand Knorr como um símbolo de brasilidade contemporânea”, conta Carolina Riotto, CMO da Unilever Nutrição no Brasil. Ao associar-se com a empresa de óculos e acessórios cujo nome e logotipo remetem à pimenta, a marca de temperos se projetou entre um público que não se associa imediatamente com ela.
Outra colisão benéfica de universos díspares foi a collab entre McDonald’s e a Casa Riachuelo, anunciada em fins de agosto. A aquisição de um lençol de elástico nas lojas participantes da marca de decoração vinha acompanhada de um tutorial para aprender a dobrá-lo corretamente, oferecido pelo McDonald’s. O gancho bem-humorado tem relação com a campanha “Novos Brabos. Pros Dias de Glória”, que vinculou o cardápio a pequenas conquistas do dia a dia (como dobrar um lençol de elástico).
“Estamos sempre atentos às oportunidades de parcerias que potencializam o que queremos comunicar em cada momento ou campanha”, diz Sergio Eleuterio, diretor de marketing do McDonald’s Brasil. “Seja com outras empresas de alimentação ou marcas de diferentes setores, buscamos colaborações que nos permitam inserir o Méqui de maneira estratégica e inovadora em novos contextos.” A rede de restaurantes ainda ofereceu gift cards no valor de R$ 50 aos compradores do produto da Casa Riachuelo.
Além das fronteiras “As parcerias nos permitem combinar expertise e recursos, levando a inovações impactantes nos produtos e nas experiências que oferecemos aos nossos consumidores”, explica Eleuterio. “Além disso, essas colaborações nos ajudam a explorar novas narrativas e tendências, mantendo a marca sempre alinhada com os desejos dos nossos clientes.”
Nesse sentido, são considerados outros atributos transversalmente, para além da atividade da marca e seus benefícios. Por exemplo, cultura e conversas sociais: o McDonald’s também fez uma collab com a Turma da Mônica, criando uma série de historinhas que discutiam valores como diversidade, inclusão e incentivo à leitura, que acompanhavam o McLanche Feliz. Numa parceria com a Gerando Falcões, a Hughies lançou uma linha limitada de lenços umedecidos cuja venda seria revertida para os projetos sociais da ONG.
Outra associação de territórios complementares está nos diferentes perfis geracionais. Foi um dos pontos trabalhados nas collabs entre Nike e Lego e Knorr e Chilli Beans, por exemplo.
“Mapeamos, por meio de pesquisas, a necessidade de aproximação com a chamada Geração Z, pessoas com um comportamento de consumo distinto, que buscam autenticidade, inovação e experiências que ressoem com seus valores e estilo de vida”, relata Riotto, da Knorr/Unilever. “Vimos nas collabs uma forma de chegar a esse público, rejuvenescendo a percepção da marca, criando produtos, experiências e novas ocasiões de consumo que atendam a essas expectativas”, destacando que tais parcerias têm sido instrumentais como forma de se manter relevante no mercado.
Não raro, as collabs provocam a imaginação para um caminho, mas vão em outro sentido. Em 2021, a marca de cosméticos masculinos QOD Barber Shop lançou o Beer Shampoo, em parceria com a Budweiser, mas nada de perfume de cerveja aqui: a estética da marca da AmBev foi incorporada ao produto. Linhas de esmalte como Colorama, Quem Disse Berenice e Risqué criaram produtos que agregavam atributos das empresas parceiras, como fragrâncias ou cores — de Fini, Faber-Castell e Doritos, respectivamente.
O valor do novo produto, serviço ou promoção se torna muito mais importante do que as empresas envolvidas ou até mesmo seu processo de criação. Apesar de a criatividade ser um meio, para o consumidor ela deve funcionar como um fim. Segundo Viana, da Fisia/ Nike, a collab precisa destacar os atributos de marca de forma legítima, por meio de parcerias que “agreguem valor à marca e ressoem com seu público, desde que a colaboração seja autêntica e tenha um impacto significativo”.