Minas terrestres espalhadas por russos na Ucrânia impedem volta da agricultura


‘Herança’ da guerra impõe dilema mortal a agricultores ucranianos antes da temporada de plantio da primavera

Por Michael Schwirtz e Stanislav Kozliuk
Atualização:

BERYSLAV, UCRÂNIA - Oleksandr Hordienko andava com cuidado numa plantação de trigo que tinha sido ocupada recentemente por um tanque russo, ficando bem atrás e seguindo um assistente com um detector de metais. Ele parou ao se deparar com uma fileira de discos de metal brilhando com o sol do final do inverno. Eram minas antitanques, centenas delas, espalhadas pelo solo como se formassem um tabuleiro de xadrez e impondo um dilema mortal antes da temporada de plantio da primavera.

Os agricultores que decidem subir em seus tratores para cultivar a terra se arriscam a morrer ou perder partes do corpo por conta das minas, bombas e outras munições distribuídas pelo solo. E isso sem contar o risco de uma crise econômica: o conflito já custou à região de Kherson, no sul da Ucrânia, três safras, e não há sinais de que a agricultura retomará seu papel de motor da economia ucraniana tão cedo.

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Produzindo melancias, cevada, óleo de girassol e milho, as terras férteis da Ucrânia sustentaram gerações, ofereceram quantidades enormes de alimentos ao mundo e agora poderiam fornecer uma tábua de salvação desesperadamente necessária ao país.

No entanto, embora as tropas russas que ocuparam várias das plantações no sul da Ucrânia tenham partido há muito tempo, elas deixaram para trás uma variedade gigantesca de explosivos, alguns abandonados e outros preparados como armadilhas.

Guerra da Ucrânia se prolonga há mais de um ano sem resultados conclusivos.  Foto: Sergey Shestak/EFE/EPA
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“Eles colocaram minas por todos os lados, não sei por quantas dezenas de quilômetros”, disse Hordienko, que cultiva trigo e colza em 600 hectares em Kherson. “Como vamos remover todas elas ninguém sabe ainda.”

Os militares ucranianos expulsaram o Exército russo de grande parte da região no ano passado, entretanto a recuperação após oito meses de ocupação tem sido lenta.

As tropas russas ainda controlam o território a leste do Rio Dnipro, o que significa que uma grande parcela das terras recém-libertadas permanece ao alcance da artilharia russa. Em áreas a uma distância mais segura, como a fazenda de Hordienko, aqueles que removem minas e são conhecidos como sapadores ainda precisam inspecionar e remover milhares de minas terrestres e munições não detonadas antes de qualquer pessoa voltar à vida normal.

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Contaminação

A Halo Trust, uma organização sem fins lucrativos global de remoção de escombros de guerra, estima que minas e explosivos podem estar em um território do tamanho do Reino Unido. Em nenhuma região o problema é mais grave do que na de Kherson, onde o Exército russo deixou explosivos espalhados depois que as tropas ucranianas forçaram sua retirada no ano passado.

“Os russos colocaram minas em todos os lugares, desde cidades e fios da rede elétrica até brinquedos para crianças, casinhas de cachorro e colmeias”, disse Oleksandr Dvoretskyi, chefe de desminagem na região do serviço de emergência estatal da Ucrânia. “O objetivo era nos impedir de recuperar uma vida estável para as pessoas.”

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Segundo Dvoretskyi, desde outubro, os sapadores – agentes responsáveis por cavar fossos, trincheiras e galerias subterrâneas – chefiados por ele já destruíram mais de 16 mil minas e munições, inclusive bombas de fragmentação. Essa é apenas uma fração insignificante do total, disse ele.

Remover as minas dos campos agrícolas imensos e montanhosos da região representa um desafio singular. Dvoretskyi estima que cerca de 300 mil hectares precisarão passar pelo processo de desminagem antes de voltarem a ser adequados para a agricultura. Para os agricultores do país, isso é devastador e a crise está repercutindo em todo o mundo.

A região é um dos celeiros agrícolas da Ucrânia, famosa antes da guerra por suas melancias e tomates e como uma grande produtora de grãos e de óleo de girassol. Antes da invasão da Rússia, Kherson produzia mais vegetais em volume do que qualquer outra região ucraniana, de acordo com as estatísticas do governo.

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Corredor marítimo

Um corredor marítimo, negociado pela Organização das Nações Unidas (ONU) no ano passado para permitir que grãos ucranianos já colhidos contornassem um bloqueio russo e fossem enviados para o exterior, aliviou parcialmente a crise alimentar global desencadeada pela guerra. O acordo é válido até 18 de março, mas, mesmo que seja prorrogado, os agricultores ucranianos precisam conseguir plantar e colher novamente os grãos para que os envios continuem.

Especialistas dizem que é cedo demais para fazer estimativas sobre quanto tempo pode levar para remover todas as minas da região de Kherson. Grande parte do território libertado permanece sob a mira das armas russas e são bombardeadas diariamente, inclusive com artefatos de fragmentação, que podem espalhar bombas menores não detonadas por uma vasta área. Um ataque com bomba de fragmentação pode afetar um perímetro de 20 hectares, disse Dvoretskyi.

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‘Inspeção’

Nesse meio tempo, agricultores como Hordienko começaram, com muito cuidado, a inspecionar suas próprias terras. Usando um detector de metais portátil, assim como um aparelho maior acoplado a um trator, ele encontrou até agora 1,5 mil minas, entretanto acredita que pode haver outras centenas delas.

Ele fez uma visita recente a suas plantações, nos arredores de Beryslav, a cerca de 64 quilômetros rio acima da cidade de Kherson, ao lado do Rio Dnipro. Embora distante, o estrondo da artilharia era audível dali, e partes da cauda dos mísseis eram vistas. Um tanque russo, queimado até virar uma carcaça laranja enferrujada, estava em um matagal de árvores de pequeno porte, com um buraco pequeno em seu casco onde uma munição perfurante o atingiu.

Hordienko, que é membro do conselho regional e presidente da Associação de Agricultores da Região de Kherson, disse que queimou cerca de 200 hectares de suas próprias plantações quando os russos chegaram para evitar que elas caíssem nas mãos deles. Ele disse que não esperava conseguir começar a plantar antes do segundo semestre e, mesmo assim, apenas na parte de suas terras que constatou estar livre de explosivos.

Ele se tornou uma espécie de especialista em tipos diferentes de minas. As minas antitanques de metal grandes, do tamanho de uma pizza pequena de quatro fatias, são facilmente detectadas. Ele disse que há outras, feitas de plástico, que seu detector de metal mal identifica. Também há minúsculas, que lembram brinquedos, as minas antipessoal, que são quase impossíveis de ver antes que seja tarde demais.

Elas já fizeram vítimas. Desde o início da guerra, aproximadamente 200 civis morreram em acidentes envolvendo minas, de acordo com dados de fontes abertas coletados pela Halo, embora esse número provavelmente seja maior. Centenas ficaram feridos.

Na beira da estrada, Hordienko apontou para pedaços de metal retorcido que já foram um carro. Mais ou menos na virada do ano, marido e mulher e seus dois filhos foram mortos quando passaram por cima de uma mina antitanque. “Não sobrou nada”, disse. / NYT, TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

BERYSLAV, UCRÂNIA - Oleksandr Hordienko andava com cuidado numa plantação de trigo que tinha sido ocupada recentemente por um tanque russo, ficando bem atrás e seguindo um assistente com um detector de metais. Ele parou ao se deparar com uma fileira de discos de metal brilhando com o sol do final do inverno. Eram minas antitanques, centenas delas, espalhadas pelo solo como se formassem um tabuleiro de xadrez e impondo um dilema mortal antes da temporada de plantio da primavera.

Os agricultores que decidem subir em seus tratores para cultivar a terra se arriscam a morrer ou perder partes do corpo por conta das minas, bombas e outras munições distribuídas pelo solo. E isso sem contar o risco de uma crise econômica: o conflito já custou à região de Kherson, no sul da Ucrânia, três safras, e não há sinais de que a agricultura retomará seu papel de motor da economia ucraniana tão cedo.

Produzindo melancias, cevada, óleo de girassol e milho, as terras férteis da Ucrânia sustentaram gerações, ofereceram quantidades enormes de alimentos ao mundo e agora poderiam fornecer uma tábua de salvação desesperadamente necessária ao país.

No entanto, embora as tropas russas que ocuparam várias das plantações no sul da Ucrânia tenham partido há muito tempo, elas deixaram para trás uma variedade gigantesca de explosivos, alguns abandonados e outros preparados como armadilhas.

Guerra da Ucrânia se prolonga há mais de um ano sem resultados conclusivos.  Foto: Sergey Shestak/EFE/EPA

“Eles colocaram minas por todos os lados, não sei por quantas dezenas de quilômetros”, disse Hordienko, que cultiva trigo e colza em 600 hectares em Kherson. “Como vamos remover todas elas ninguém sabe ainda.”

Os militares ucranianos expulsaram o Exército russo de grande parte da região no ano passado, entretanto a recuperação após oito meses de ocupação tem sido lenta.

As tropas russas ainda controlam o território a leste do Rio Dnipro, o que significa que uma grande parcela das terras recém-libertadas permanece ao alcance da artilharia russa. Em áreas a uma distância mais segura, como a fazenda de Hordienko, aqueles que removem minas e são conhecidos como sapadores ainda precisam inspecionar e remover milhares de minas terrestres e munições não detonadas antes de qualquer pessoa voltar à vida normal.

Contaminação

A Halo Trust, uma organização sem fins lucrativos global de remoção de escombros de guerra, estima que minas e explosivos podem estar em um território do tamanho do Reino Unido. Em nenhuma região o problema é mais grave do que na de Kherson, onde o Exército russo deixou explosivos espalhados depois que as tropas ucranianas forçaram sua retirada no ano passado.

“Os russos colocaram minas em todos os lugares, desde cidades e fios da rede elétrica até brinquedos para crianças, casinhas de cachorro e colmeias”, disse Oleksandr Dvoretskyi, chefe de desminagem na região do serviço de emergência estatal da Ucrânia. “O objetivo era nos impedir de recuperar uma vida estável para as pessoas.”

Segundo Dvoretskyi, desde outubro, os sapadores – agentes responsáveis por cavar fossos, trincheiras e galerias subterrâneas – chefiados por ele já destruíram mais de 16 mil minas e munições, inclusive bombas de fragmentação. Essa é apenas uma fração insignificante do total, disse ele.

Remover as minas dos campos agrícolas imensos e montanhosos da região representa um desafio singular. Dvoretskyi estima que cerca de 300 mil hectares precisarão passar pelo processo de desminagem antes de voltarem a ser adequados para a agricultura. Para os agricultores do país, isso é devastador e a crise está repercutindo em todo o mundo.

A região é um dos celeiros agrícolas da Ucrânia, famosa antes da guerra por suas melancias e tomates e como uma grande produtora de grãos e de óleo de girassol. Antes da invasão da Rússia, Kherson produzia mais vegetais em volume do que qualquer outra região ucraniana, de acordo com as estatísticas do governo.

Corredor marítimo

Um corredor marítimo, negociado pela Organização das Nações Unidas (ONU) no ano passado para permitir que grãos ucranianos já colhidos contornassem um bloqueio russo e fossem enviados para o exterior, aliviou parcialmente a crise alimentar global desencadeada pela guerra. O acordo é válido até 18 de março, mas, mesmo que seja prorrogado, os agricultores ucranianos precisam conseguir plantar e colher novamente os grãos para que os envios continuem.

Especialistas dizem que é cedo demais para fazer estimativas sobre quanto tempo pode levar para remover todas as minas da região de Kherson. Grande parte do território libertado permanece sob a mira das armas russas e são bombardeadas diariamente, inclusive com artefatos de fragmentação, que podem espalhar bombas menores não detonadas por uma vasta área. Um ataque com bomba de fragmentação pode afetar um perímetro de 20 hectares, disse Dvoretskyi.

‘Inspeção’

Nesse meio tempo, agricultores como Hordienko começaram, com muito cuidado, a inspecionar suas próprias terras. Usando um detector de metais portátil, assim como um aparelho maior acoplado a um trator, ele encontrou até agora 1,5 mil minas, entretanto acredita que pode haver outras centenas delas.

Ele fez uma visita recente a suas plantações, nos arredores de Beryslav, a cerca de 64 quilômetros rio acima da cidade de Kherson, ao lado do Rio Dnipro. Embora distante, o estrondo da artilharia era audível dali, e partes da cauda dos mísseis eram vistas. Um tanque russo, queimado até virar uma carcaça laranja enferrujada, estava em um matagal de árvores de pequeno porte, com um buraco pequeno em seu casco onde uma munição perfurante o atingiu.

Hordienko, que é membro do conselho regional e presidente da Associação de Agricultores da Região de Kherson, disse que queimou cerca de 200 hectares de suas próprias plantações quando os russos chegaram para evitar que elas caíssem nas mãos deles. Ele disse que não esperava conseguir começar a plantar antes do segundo semestre e, mesmo assim, apenas na parte de suas terras que constatou estar livre de explosivos.

Ele se tornou uma espécie de especialista em tipos diferentes de minas. As minas antitanques de metal grandes, do tamanho de uma pizza pequena de quatro fatias, são facilmente detectadas. Ele disse que há outras, feitas de plástico, que seu detector de metal mal identifica. Também há minúsculas, que lembram brinquedos, as minas antipessoal, que são quase impossíveis de ver antes que seja tarde demais.

Elas já fizeram vítimas. Desde o início da guerra, aproximadamente 200 civis morreram em acidentes envolvendo minas, de acordo com dados de fontes abertas coletados pela Halo, embora esse número provavelmente seja maior. Centenas ficaram feridos.

Na beira da estrada, Hordienko apontou para pedaços de metal retorcido que já foram um carro. Mais ou menos na virada do ano, marido e mulher e seus dois filhos foram mortos quando passaram por cima de uma mina antitanque. “Não sobrou nada”, disse. / NYT, TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

BERYSLAV, UCRÂNIA - Oleksandr Hordienko andava com cuidado numa plantação de trigo que tinha sido ocupada recentemente por um tanque russo, ficando bem atrás e seguindo um assistente com um detector de metais. Ele parou ao se deparar com uma fileira de discos de metal brilhando com o sol do final do inverno. Eram minas antitanques, centenas delas, espalhadas pelo solo como se formassem um tabuleiro de xadrez e impondo um dilema mortal antes da temporada de plantio da primavera.

Os agricultores que decidem subir em seus tratores para cultivar a terra se arriscam a morrer ou perder partes do corpo por conta das minas, bombas e outras munições distribuídas pelo solo. E isso sem contar o risco de uma crise econômica: o conflito já custou à região de Kherson, no sul da Ucrânia, três safras, e não há sinais de que a agricultura retomará seu papel de motor da economia ucraniana tão cedo.

Produzindo melancias, cevada, óleo de girassol e milho, as terras férteis da Ucrânia sustentaram gerações, ofereceram quantidades enormes de alimentos ao mundo e agora poderiam fornecer uma tábua de salvação desesperadamente necessária ao país.

No entanto, embora as tropas russas que ocuparam várias das plantações no sul da Ucrânia tenham partido há muito tempo, elas deixaram para trás uma variedade gigantesca de explosivos, alguns abandonados e outros preparados como armadilhas.

Guerra da Ucrânia se prolonga há mais de um ano sem resultados conclusivos.  Foto: Sergey Shestak/EFE/EPA

“Eles colocaram minas por todos os lados, não sei por quantas dezenas de quilômetros”, disse Hordienko, que cultiva trigo e colza em 600 hectares em Kherson. “Como vamos remover todas elas ninguém sabe ainda.”

Os militares ucranianos expulsaram o Exército russo de grande parte da região no ano passado, entretanto a recuperação após oito meses de ocupação tem sido lenta.

As tropas russas ainda controlam o território a leste do Rio Dnipro, o que significa que uma grande parcela das terras recém-libertadas permanece ao alcance da artilharia russa. Em áreas a uma distância mais segura, como a fazenda de Hordienko, aqueles que removem minas e são conhecidos como sapadores ainda precisam inspecionar e remover milhares de minas terrestres e munições não detonadas antes de qualquer pessoa voltar à vida normal.

Contaminação

A Halo Trust, uma organização sem fins lucrativos global de remoção de escombros de guerra, estima que minas e explosivos podem estar em um território do tamanho do Reino Unido. Em nenhuma região o problema é mais grave do que na de Kherson, onde o Exército russo deixou explosivos espalhados depois que as tropas ucranianas forçaram sua retirada no ano passado.

“Os russos colocaram minas em todos os lugares, desde cidades e fios da rede elétrica até brinquedos para crianças, casinhas de cachorro e colmeias”, disse Oleksandr Dvoretskyi, chefe de desminagem na região do serviço de emergência estatal da Ucrânia. “O objetivo era nos impedir de recuperar uma vida estável para as pessoas.”

Segundo Dvoretskyi, desde outubro, os sapadores – agentes responsáveis por cavar fossos, trincheiras e galerias subterrâneas – chefiados por ele já destruíram mais de 16 mil minas e munições, inclusive bombas de fragmentação. Essa é apenas uma fração insignificante do total, disse ele.

Remover as minas dos campos agrícolas imensos e montanhosos da região representa um desafio singular. Dvoretskyi estima que cerca de 300 mil hectares precisarão passar pelo processo de desminagem antes de voltarem a ser adequados para a agricultura. Para os agricultores do país, isso é devastador e a crise está repercutindo em todo o mundo.

A região é um dos celeiros agrícolas da Ucrânia, famosa antes da guerra por suas melancias e tomates e como uma grande produtora de grãos e de óleo de girassol. Antes da invasão da Rússia, Kherson produzia mais vegetais em volume do que qualquer outra região ucraniana, de acordo com as estatísticas do governo.

Corredor marítimo

Um corredor marítimo, negociado pela Organização das Nações Unidas (ONU) no ano passado para permitir que grãos ucranianos já colhidos contornassem um bloqueio russo e fossem enviados para o exterior, aliviou parcialmente a crise alimentar global desencadeada pela guerra. O acordo é válido até 18 de março, mas, mesmo que seja prorrogado, os agricultores ucranianos precisam conseguir plantar e colher novamente os grãos para que os envios continuem.

Especialistas dizem que é cedo demais para fazer estimativas sobre quanto tempo pode levar para remover todas as minas da região de Kherson. Grande parte do território libertado permanece sob a mira das armas russas e são bombardeadas diariamente, inclusive com artefatos de fragmentação, que podem espalhar bombas menores não detonadas por uma vasta área. Um ataque com bomba de fragmentação pode afetar um perímetro de 20 hectares, disse Dvoretskyi.

‘Inspeção’

Nesse meio tempo, agricultores como Hordienko começaram, com muito cuidado, a inspecionar suas próprias terras. Usando um detector de metais portátil, assim como um aparelho maior acoplado a um trator, ele encontrou até agora 1,5 mil minas, entretanto acredita que pode haver outras centenas delas.

Ele fez uma visita recente a suas plantações, nos arredores de Beryslav, a cerca de 64 quilômetros rio acima da cidade de Kherson, ao lado do Rio Dnipro. Embora distante, o estrondo da artilharia era audível dali, e partes da cauda dos mísseis eram vistas. Um tanque russo, queimado até virar uma carcaça laranja enferrujada, estava em um matagal de árvores de pequeno porte, com um buraco pequeno em seu casco onde uma munição perfurante o atingiu.

Hordienko, que é membro do conselho regional e presidente da Associação de Agricultores da Região de Kherson, disse que queimou cerca de 200 hectares de suas próprias plantações quando os russos chegaram para evitar que elas caíssem nas mãos deles. Ele disse que não esperava conseguir começar a plantar antes do segundo semestre e, mesmo assim, apenas na parte de suas terras que constatou estar livre de explosivos.

Ele se tornou uma espécie de especialista em tipos diferentes de minas. As minas antitanques de metal grandes, do tamanho de uma pizza pequena de quatro fatias, são facilmente detectadas. Ele disse que há outras, feitas de plástico, que seu detector de metal mal identifica. Também há minúsculas, que lembram brinquedos, as minas antipessoal, que são quase impossíveis de ver antes que seja tarde demais.

Elas já fizeram vítimas. Desde o início da guerra, aproximadamente 200 civis morreram em acidentes envolvendo minas, de acordo com dados de fontes abertas coletados pela Halo, embora esse número provavelmente seja maior. Centenas ficaram feridos.

Na beira da estrada, Hordienko apontou para pedaços de metal retorcido que já foram um carro. Mais ou menos na virada do ano, marido e mulher e seus dois filhos foram mortos quando passaram por cima de uma mina antitanque. “Não sobrou nada”, disse. / NYT, TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

BERYSLAV, UCRÂNIA - Oleksandr Hordienko andava com cuidado numa plantação de trigo que tinha sido ocupada recentemente por um tanque russo, ficando bem atrás e seguindo um assistente com um detector de metais. Ele parou ao se deparar com uma fileira de discos de metal brilhando com o sol do final do inverno. Eram minas antitanques, centenas delas, espalhadas pelo solo como se formassem um tabuleiro de xadrez e impondo um dilema mortal antes da temporada de plantio da primavera.

Os agricultores que decidem subir em seus tratores para cultivar a terra se arriscam a morrer ou perder partes do corpo por conta das minas, bombas e outras munições distribuídas pelo solo. E isso sem contar o risco de uma crise econômica: o conflito já custou à região de Kherson, no sul da Ucrânia, três safras, e não há sinais de que a agricultura retomará seu papel de motor da economia ucraniana tão cedo.

Produzindo melancias, cevada, óleo de girassol e milho, as terras férteis da Ucrânia sustentaram gerações, ofereceram quantidades enormes de alimentos ao mundo e agora poderiam fornecer uma tábua de salvação desesperadamente necessária ao país.

No entanto, embora as tropas russas que ocuparam várias das plantações no sul da Ucrânia tenham partido há muito tempo, elas deixaram para trás uma variedade gigantesca de explosivos, alguns abandonados e outros preparados como armadilhas.

Guerra da Ucrânia se prolonga há mais de um ano sem resultados conclusivos.  Foto: Sergey Shestak/EFE/EPA

“Eles colocaram minas por todos os lados, não sei por quantas dezenas de quilômetros”, disse Hordienko, que cultiva trigo e colza em 600 hectares em Kherson. “Como vamos remover todas elas ninguém sabe ainda.”

Os militares ucranianos expulsaram o Exército russo de grande parte da região no ano passado, entretanto a recuperação após oito meses de ocupação tem sido lenta.

As tropas russas ainda controlam o território a leste do Rio Dnipro, o que significa que uma grande parcela das terras recém-libertadas permanece ao alcance da artilharia russa. Em áreas a uma distância mais segura, como a fazenda de Hordienko, aqueles que removem minas e são conhecidos como sapadores ainda precisam inspecionar e remover milhares de minas terrestres e munições não detonadas antes de qualquer pessoa voltar à vida normal.

Contaminação

A Halo Trust, uma organização sem fins lucrativos global de remoção de escombros de guerra, estima que minas e explosivos podem estar em um território do tamanho do Reino Unido. Em nenhuma região o problema é mais grave do que na de Kherson, onde o Exército russo deixou explosivos espalhados depois que as tropas ucranianas forçaram sua retirada no ano passado.

“Os russos colocaram minas em todos os lugares, desde cidades e fios da rede elétrica até brinquedos para crianças, casinhas de cachorro e colmeias”, disse Oleksandr Dvoretskyi, chefe de desminagem na região do serviço de emergência estatal da Ucrânia. “O objetivo era nos impedir de recuperar uma vida estável para as pessoas.”

Segundo Dvoretskyi, desde outubro, os sapadores – agentes responsáveis por cavar fossos, trincheiras e galerias subterrâneas – chefiados por ele já destruíram mais de 16 mil minas e munições, inclusive bombas de fragmentação. Essa é apenas uma fração insignificante do total, disse ele.

Remover as minas dos campos agrícolas imensos e montanhosos da região representa um desafio singular. Dvoretskyi estima que cerca de 300 mil hectares precisarão passar pelo processo de desminagem antes de voltarem a ser adequados para a agricultura. Para os agricultores do país, isso é devastador e a crise está repercutindo em todo o mundo.

A região é um dos celeiros agrícolas da Ucrânia, famosa antes da guerra por suas melancias e tomates e como uma grande produtora de grãos e de óleo de girassol. Antes da invasão da Rússia, Kherson produzia mais vegetais em volume do que qualquer outra região ucraniana, de acordo com as estatísticas do governo.

Corredor marítimo

Um corredor marítimo, negociado pela Organização das Nações Unidas (ONU) no ano passado para permitir que grãos ucranianos já colhidos contornassem um bloqueio russo e fossem enviados para o exterior, aliviou parcialmente a crise alimentar global desencadeada pela guerra. O acordo é válido até 18 de março, mas, mesmo que seja prorrogado, os agricultores ucranianos precisam conseguir plantar e colher novamente os grãos para que os envios continuem.

Especialistas dizem que é cedo demais para fazer estimativas sobre quanto tempo pode levar para remover todas as minas da região de Kherson. Grande parte do território libertado permanece sob a mira das armas russas e são bombardeadas diariamente, inclusive com artefatos de fragmentação, que podem espalhar bombas menores não detonadas por uma vasta área. Um ataque com bomba de fragmentação pode afetar um perímetro de 20 hectares, disse Dvoretskyi.

‘Inspeção’

Nesse meio tempo, agricultores como Hordienko começaram, com muito cuidado, a inspecionar suas próprias terras. Usando um detector de metais portátil, assim como um aparelho maior acoplado a um trator, ele encontrou até agora 1,5 mil minas, entretanto acredita que pode haver outras centenas delas.

Ele fez uma visita recente a suas plantações, nos arredores de Beryslav, a cerca de 64 quilômetros rio acima da cidade de Kherson, ao lado do Rio Dnipro. Embora distante, o estrondo da artilharia era audível dali, e partes da cauda dos mísseis eram vistas. Um tanque russo, queimado até virar uma carcaça laranja enferrujada, estava em um matagal de árvores de pequeno porte, com um buraco pequeno em seu casco onde uma munição perfurante o atingiu.

Hordienko, que é membro do conselho regional e presidente da Associação de Agricultores da Região de Kherson, disse que queimou cerca de 200 hectares de suas próprias plantações quando os russos chegaram para evitar que elas caíssem nas mãos deles. Ele disse que não esperava conseguir começar a plantar antes do segundo semestre e, mesmo assim, apenas na parte de suas terras que constatou estar livre de explosivos.

Ele se tornou uma espécie de especialista em tipos diferentes de minas. As minas antitanques de metal grandes, do tamanho de uma pizza pequena de quatro fatias, são facilmente detectadas. Ele disse que há outras, feitas de plástico, que seu detector de metal mal identifica. Também há minúsculas, que lembram brinquedos, as minas antipessoal, que são quase impossíveis de ver antes que seja tarde demais.

Elas já fizeram vítimas. Desde o início da guerra, aproximadamente 200 civis morreram em acidentes envolvendo minas, de acordo com dados de fontes abertas coletados pela Halo, embora esse número provavelmente seja maior. Centenas ficaram feridos.

Na beira da estrada, Hordienko apontou para pedaços de metal retorcido que já foram um carro. Mais ou menos na virada do ano, marido e mulher e seus dois filhos foram mortos quando passaram por cima de uma mina antitanque. “Não sobrou nada”, disse. / NYT, TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

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