Montadoras querem fim de subsídios para a Stellantis no Nordeste, que chegam a R$ 5 bi ao ano


Beneficiários tentam incluir a prorrogação do incentivo, que deveria terminar em 2025, no texto da reforma triburária e mantê-lo por mais sete anos

Por Cleide Silva
Atualização:

Em uma ação inédita no setor, as principais fabricantes de veículos do País estão unidas no propósito de evitar a prorrogação de incentivos fiscais para montadoras instaladas no Nordeste e Centro-Oeste. O principal alvo é a Stellantis, dona das marcas Fiat, Peugeot, Citroën e Jeep, essa última com fábrica em Goiana (PE), inaugurada em 2015.

O grupo recebe cerca de R$ 5 bilhões ao ano em créditos de impostos. Com o benefício, modelos da marca fabricados na região ficam até 20% mais baratos na hora da venda. Só para comparação, o valor equivale a quase 12% dos R$ 40 bilhões que o texto da reforma tributária propõe para um fundo regional de desenvolvimento a ser repartido entre os 27 Estados brasileiros. “Já deu”, desabafa o executivo de uma das empresas, para quem o incentivo já cumpriu sua função.

Criado no fim dos anos 90 e previsto para durar até 2010, o benefício já foi prorrogado duas vezes, uma delas para incluir a Jeep. A última data estabelecida é até 2025, mas nas últimas semanas teve início um movimento para estender o prazo até 2032 por meio de adendo no texto da Reforma Tributária. A proposta foi rejeitada no Congresso por apenas um voto, mas deve voltar ao texto, com apoio do presidente Lula, para a votação do Senado que deve ocorrer até novembro.

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“Hoje a competição já é totalmente desproporcional e desleal porque uma única empresa fica com quase todo o benefício”, ressalta o executivo. Além da Stellantis, é beneficiada pelo programa a fabricante de autopeças Moura, também de Pernambuco. Outras duas montadoras, Caoa/Chery e HPE/Mitsubishi, ambas de Goiás, passaram a receber incentivos em 2020 quando o Centro-Oeste foi incluído no regime especial, porém em condições bem mais modestas.

Atualmente, detentora de 31,5% das vendas de automóveis e comerciais leves do País, a Stellantis só produz em Goiana modelos de maior valor agregado, como utilitários esportivos (SUVs) e picapes. Um SUV como o Jeep Compass recolhe 2% em IPI e ICMS, enquanto modelos da categoria feitos no Sul e Sudeste pagam 23%. O dado está em um relatório que as empresas estão apresentando ao governo e a parlamentares para convencê-los a não prorrogar os incentivos. Um veículo vendido a R$ 317 mil tem abatimento de R$ 66 mil em impostos, por exemplo.

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Auditoria feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU) para avaliar a maturidade das políticas e dos resultados da concessão de benefícios tributários dos regimes automotivos indica que, desde 2010, o volume acumulado de recursos às empresas automobilísticas do Nordeste ultrapassou R$ 50 bilhões.

Com subsídios, carros feitos pela Jeep em Goiana (PE) têm vantagens de 20% nos preços  Foto: Jeep/Divulgação

O estudo do TCU verificou que os regimes “entregam pouco de desenvolvimento regional aos territórios beneficiados”. Segundo o relatório, “quando comparados aos locais que não receberam os benefícios, as regiões beneficiadas não apresentaram perfil superior de desenvolvimento econômico.”

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O TCU avaliou que as empresas não promoveram a aglomeração industrial ao redor das fábricas e que a maior parte dos insumos de fornecedores continua vindo do Sul e do Sudeste. Como resultado, cada emprego gerado na fábrica em Pernambuco equivale à renúncia de R$ 34,4 mil mensais, cita o texto.

Guerra fiscal

Fernando Trujillo, consultor da S&P Global Brasil, vê os incentivos como “a famosa guerra fiscal em que poucos ganham e muitos saem perdendo”. Em sua opinião, o benefício fiscal é válido para desenvolver uma região ou Estado, mas com prazo de validade determinado para não impactar a competitividade entre regiões e empresas. “Uma vez que o benefício se estende ciclo após ciclo, não é benéfico para grande parte dos stakeholders envolvidos, dando uma vantagem competitiva para poucos players do mercado”.

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A Stellantis rebate afirmando que o regime especial é um mecanismo de desenvolvimento regional para compensar o gap logístico e competitivo, que ainda não foi equacionado. “Hoje, a operação instalada em uma região sem tradição industrial no setor continua sendo punida pela baixa formação da cadeia de fornecedores e pela distância em relação aos maiores centros consumidores”, afirma, em nota.

O grupo também alega que, para cada real de incentivo retornam outros R$ 5 de arrecadação para o Estado e o governo federal. A empresa informa que esses dados fazem parte de estudo feito no ano passado pela Consultoria Econômica e Planejamento (Ceplan), a pedido da Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco (Fiepe).

Os incentivos já cumpriram a função de desenvolvimento regional, de levar as indústrias a se instalarem no Nordeste”

Ricardo Bastos, diretor da GWM

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O estudo também mostra que, em 2015 o grupo tinha 2.551 funcionários diretos e 7.619 indiretos (nos fornecedores). No ano passado eram 5 mil diretos e 9.849 indiretos, somando 14.849 trabalhadores. O total de fornecedores no complexo automotivo e nas cidades e Estados vizinhos saltou de 22 para 34 no período. A previsão da Stellantis é de chegar a 50 ainda neste ano e 100 nos próximos cinco anos.

”Os incentivos já cumpriram a função de desenvolvimento regional, de levar as indústrias a se instalarem lá e nesse momento não deve haver incentivo exclusivo no formato como está hoje”, diz Ricardo Bastos, diretor de Relações Governamentais da GWM, grupo chinês recém instalado em Iracemápolis (SP).

Segundo Bastos, a empresa não é contra incentivos regionais, mas eles teriam de entrar dentro da política automotiva de todo o setor, por meio do programa Rota 2030, que está em discussão no governo e estabelece benefícios para empresas que investirem em pesquisa, desenvolvimento e engenharia. “Do jeito que é hoje (o incentivo) cria distorções dentro do mercado.”

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O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Moisés Selerges, também tem falado com ministros e parlamentares sobre as distorções que os incentivos a uma única fábrica no Nordeste causa às demais. “Política que gera desenvolvimento em uma determinada região é positiva, mas não pode prejudicar outra região”, afirma.

Selerges defende que os recursos hoje destinados a esse tipo de incentivo sejam alocados para o programa Rota 2030, seja para incentivar projetos de inovação, independente da região, e até mesmo para a renovação da frota de veículos velhos.

Complexo automotivo da Stellantis em PE terá 50 fornecedores locais neste ano Foto: DIV

As montadoras contrárias à prorrogação dos incentivos para a Stellantis concordam com o apoio a fabricantes que chegam ao País para desenvolver novas tecnologias, caso da chinesa BYD, que recentemente anunciou três fábricas na Bahia, uma de automóveis, outra de chassi de ônibus e uma de caminhões, todos com propulsões elétricas ou híbridas.

O grupo tem planos de investir R$ 3 bilhões em Camaçari e negocia a compra das instalações da Ford, o que lhe garantiria os incentivos até 2025, mas também conta com a extensão do prazo por meio da reforma tributária.

Alexandre Baldy, presidente do conselho da empresa, afirma serem necessários incentivos para produzir carros no Nordeste para poder competir com empresas de outras regiões com mais infraestrutura e mercado consumidor próximo às plantas. Ele não condiciona os investimentos anunciados à extensão dos benefícios na Bahia, mas diz que “poderão ser ampliados significativamente” se isso ocorrer.

Embora atuem de forma independente, dirigentes da General Motors, Toyota e Volkswagen se reuniram com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no fim de julho e um dos temas do encontro foi os incentivos.

Futuros investimentos

Cinco fabricantes ouvidas pelo Estadão confirmam estarem agindo para tentar barrar mais sete anos de incentivo aos grupos do Nordeste e Centro-Oeste e duas delas informam que a medida pode influenciar em futuras decisões de investimentos, principalmente num momento em que a transição energética exige elevados aportes das companhias. Outras quatro não quiseram se posicionar ou não deram retorno.

Para o grupo contrário, seria contraditório incluir a medida na reforma tributária que é apoiada pelo setor em razão da expectativa de proporcionar mais competitividade, previsibilidade e isonomia às indústrias, com a simplificação de impostos, redução de entraves para exportações e fim de acúmulo de créditos fiscais retidos.

Outro motivo que revolta essas montadoras é o fato de, em 2021, uma decisão monocrática do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ter permitido à Stellantis usar o benefício dos créditos do incentivo para pagar tributos de outras plantas, como a de Betim (MG). “É mais um estímulo para que a empresa gere lucros e remeta para a Itália”, alfineta o diretor de uma importante montadora.

Além de governos, parlamentares e sindicatos, as empresam têm levado a preocupação a governadores - entre os quais os de São Paulo, Rio Grande do Sul e Parará e a federações de indústrias e associações. Segundo os executivos, todos têm se interessado em ampliar esse debate.

A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) diz que não comenta esse tipo de assunto por se tratar de tema específico que não envolve todas as associadas.

Em uma ação inédita no setor, as principais fabricantes de veículos do País estão unidas no propósito de evitar a prorrogação de incentivos fiscais para montadoras instaladas no Nordeste e Centro-Oeste. O principal alvo é a Stellantis, dona das marcas Fiat, Peugeot, Citroën e Jeep, essa última com fábrica em Goiana (PE), inaugurada em 2015.

O grupo recebe cerca de R$ 5 bilhões ao ano em créditos de impostos. Com o benefício, modelos da marca fabricados na região ficam até 20% mais baratos na hora da venda. Só para comparação, o valor equivale a quase 12% dos R$ 40 bilhões que o texto da reforma tributária propõe para um fundo regional de desenvolvimento a ser repartido entre os 27 Estados brasileiros. “Já deu”, desabafa o executivo de uma das empresas, para quem o incentivo já cumpriu sua função.

Criado no fim dos anos 90 e previsto para durar até 2010, o benefício já foi prorrogado duas vezes, uma delas para incluir a Jeep. A última data estabelecida é até 2025, mas nas últimas semanas teve início um movimento para estender o prazo até 2032 por meio de adendo no texto da Reforma Tributária. A proposta foi rejeitada no Congresso por apenas um voto, mas deve voltar ao texto, com apoio do presidente Lula, para a votação do Senado que deve ocorrer até novembro.

“Hoje a competição já é totalmente desproporcional e desleal porque uma única empresa fica com quase todo o benefício”, ressalta o executivo. Além da Stellantis, é beneficiada pelo programa a fabricante de autopeças Moura, também de Pernambuco. Outras duas montadoras, Caoa/Chery e HPE/Mitsubishi, ambas de Goiás, passaram a receber incentivos em 2020 quando o Centro-Oeste foi incluído no regime especial, porém em condições bem mais modestas.

Atualmente, detentora de 31,5% das vendas de automóveis e comerciais leves do País, a Stellantis só produz em Goiana modelos de maior valor agregado, como utilitários esportivos (SUVs) e picapes. Um SUV como o Jeep Compass recolhe 2% em IPI e ICMS, enquanto modelos da categoria feitos no Sul e Sudeste pagam 23%. O dado está em um relatório que as empresas estão apresentando ao governo e a parlamentares para convencê-los a não prorrogar os incentivos. Um veículo vendido a R$ 317 mil tem abatimento de R$ 66 mil em impostos, por exemplo.

Auditoria feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU) para avaliar a maturidade das políticas e dos resultados da concessão de benefícios tributários dos regimes automotivos indica que, desde 2010, o volume acumulado de recursos às empresas automobilísticas do Nordeste ultrapassou R$ 50 bilhões.

Com subsídios, carros feitos pela Jeep em Goiana (PE) têm vantagens de 20% nos preços  Foto: Jeep/Divulgação

O estudo do TCU verificou que os regimes “entregam pouco de desenvolvimento regional aos territórios beneficiados”. Segundo o relatório, “quando comparados aos locais que não receberam os benefícios, as regiões beneficiadas não apresentaram perfil superior de desenvolvimento econômico.”

O TCU avaliou que as empresas não promoveram a aglomeração industrial ao redor das fábricas e que a maior parte dos insumos de fornecedores continua vindo do Sul e do Sudeste. Como resultado, cada emprego gerado na fábrica em Pernambuco equivale à renúncia de R$ 34,4 mil mensais, cita o texto.

Guerra fiscal

Fernando Trujillo, consultor da S&P Global Brasil, vê os incentivos como “a famosa guerra fiscal em que poucos ganham e muitos saem perdendo”. Em sua opinião, o benefício fiscal é válido para desenvolver uma região ou Estado, mas com prazo de validade determinado para não impactar a competitividade entre regiões e empresas. “Uma vez que o benefício se estende ciclo após ciclo, não é benéfico para grande parte dos stakeholders envolvidos, dando uma vantagem competitiva para poucos players do mercado”.

A Stellantis rebate afirmando que o regime especial é um mecanismo de desenvolvimento regional para compensar o gap logístico e competitivo, que ainda não foi equacionado. “Hoje, a operação instalada em uma região sem tradição industrial no setor continua sendo punida pela baixa formação da cadeia de fornecedores e pela distância em relação aos maiores centros consumidores”, afirma, em nota.

O grupo também alega que, para cada real de incentivo retornam outros R$ 5 de arrecadação para o Estado e o governo federal. A empresa informa que esses dados fazem parte de estudo feito no ano passado pela Consultoria Econômica e Planejamento (Ceplan), a pedido da Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco (Fiepe).

Os incentivos já cumpriram a função de desenvolvimento regional, de levar as indústrias a se instalarem no Nordeste”

Ricardo Bastos, diretor da GWM

O estudo também mostra que, em 2015 o grupo tinha 2.551 funcionários diretos e 7.619 indiretos (nos fornecedores). No ano passado eram 5 mil diretos e 9.849 indiretos, somando 14.849 trabalhadores. O total de fornecedores no complexo automotivo e nas cidades e Estados vizinhos saltou de 22 para 34 no período. A previsão da Stellantis é de chegar a 50 ainda neste ano e 100 nos próximos cinco anos.

”Os incentivos já cumpriram a função de desenvolvimento regional, de levar as indústrias a se instalarem lá e nesse momento não deve haver incentivo exclusivo no formato como está hoje”, diz Ricardo Bastos, diretor de Relações Governamentais da GWM, grupo chinês recém instalado em Iracemápolis (SP).

Segundo Bastos, a empresa não é contra incentivos regionais, mas eles teriam de entrar dentro da política automotiva de todo o setor, por meio do programa Rota 2030, que está em discussão no governo e estabelece benefícios para empresas que investirem em pesquisa, desenvolvimento e engenharia. “Do jeito que é hoje (o incentivo) cria distorções dentro do mercado.”

O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Moisés Selerges, também tem falado com ministros e parlamentares sobre as distorções que os incentivos a uma única fábrica no Nordeste causa às demais. “Política que gera desenvolvimento em uma determinada região é positiva, mas não pode prejudicar outra região”, afirma.

Selerges defende que os recursos hoje destinados a esse tipo de incentivo sejam alocados para o programa Rota 2030, seja para incentivar projetos de inovação, independente da região, e até mesmo para a renovação da frota de veículos velhos.

Complexo automotivo da Stellantis em PE terá 50 fornecedores locais neste ano Foto: DIV

As montadoras contrárias à prorrogação dos incentivos para a Stellantis concordam com o apoio a fabricantes que chegam ao País para desenvolver novas tecnologias, caso da chinesa BYD, que recentemente anunciou três fábricas na Bahia, uma de automóveis, outra de chassi de ônibus e uma de caminhões, todos com propulsões elétricas ou híbridas.

O grupo tem planos de investir R$ 3 bilhões em Camaçari e negocia a compra das instalações da Ford, o que lhe garantiria os incentivos até 2025, mas também conta com a extensão do prazo por meio da reforma tributária.

Alexandre Baldy, presidente do conselho da empresa, afirma serem necessários incentivos para produzir carros no Nordeste para poder competir com empresas de outras regiões com mais infraestrutura e mercado consumidor próximo às plantas. Ele não condiciona os investimentos anunciados à extensão dos benefícios na Bahia, mas diz que “poderão ser ampliados significativamente” se isso ocorrer.

Embora atuem de forma independente, dirigentes da General Motors, Toyota e Volkswagen se reuniram com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no fim de julho e um dos temas do encontro foi os incentivos.

Futuros investimentos

Cinco fabricantes ouvidas pelo Estadão confirmam estarem agindo para tentar barrar mais sete anos de incentivo aos grupos do Nordeste e Centro-Oeste e duas delas informam que a medida pode influenciar em futuras decisões de investimentos, principalmente num momento em que a transição energética exige elevados aportes das companhias. Outras quatro não quiseram se posicionar ou não deram retorno.

Para o grupo contrário, seria contraditório incluir a medida na reforma tributária que é apoiada pelo setor em razão da expectativa de proporcionar mais competitividade, previsibilidade e isonomia às indústrias, com a simplificação de impostos, redução de entraves para exportações e fim de acúmulo de créditos fiscais retidos.

Outro motivo que revolta essas montadoras é o fato de, em 2021, uma decisão monocrática do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ter permitido à Stellantis usar o benefício dos créditos do incentivo para pagar tributos de outras plantas, como a de Betim (MG). “É mais um estímulo para que a empresa gere lucros e remeta para a Itália”, alfineta o diretor de uma importante montadora.

Além de governos, parlamentares e sindicatos, as empresam têm levado a preocupação a governadores - entre os quais os de São Paulo, Rio Grande do Sul e Parará e a federações de indústrias e associações. Segundo os executivos, todos têm se interessado em ampliar esse debate.

A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) diz que não comenta esse tipo de assunto por se tratar de tema específico que não envolve todas as associadas.

Em uma ação inédita no setor, as principais fabricantes de veículos do País estão unidas no propósito de evitar a prorrogação de incentivos fiscais para montadoras instaladas no Nordeste e Centro-Oeste. O principal alvo é a Stellantis, dona das marcas Fiat, Peugeot, Citroën e Jeep, essa última com fábrica em Goiana (PE), inaugurada em 2015.

O grupo recebe cerca de R$ 5 bilhões ao ano em créditos de impostos. Com o benefício, modelos da marca fabricados na região ficam até 20% mais baratos na hora da venda. Só para comparação, o valor equivale a quase 12% dos R$ 40 bilhões que o texto da reforma tributária propõe para um fundo regional de desenvolvimento a ser repartido entre os 27 Estados brasileiros. “Já deu”, desabafa o executivo de uma das empresas, para quem o incentivo já cumpriu sua função.

Criado no fim dos anos 90 e previsto para durar até 2010, o benefício já foi prorrogado duas vezes, uma delas para incluir a Jeep. A última data estabelecida é até 2025, mas nas últimas semanas teve início um movimento para estender o prazo até 2032 por meio de adendo no texto da Reforma Tributária. A proposta foi rejeitada no Congresso por apenas um voto, mas deve voltar ao texto, com apoio do presidente Lula, para a votação do Senado que deve ocorrer até novembro.

“Hoje a competição já é totalmente desproporcional e desleal porque uma única empresa fica com quase todo o benefício”, ressalta o executivo. Além da Stellantis, é beneficiada pelo programa a fabricante de autopeças Moura, também de Pernambuco. Outras duas montadoras, Caoa/Chery e HPE/Mitsubishi, ambas de Goiás, passaram a receber incentivos em 2020 quando o Centro-Oeste foi incluído no regime especial, porém em condições bem mais modestas.

Atualmente, detentora de 31,5% das vendas de automóveis e comerciais leves do País, a Stellantis só produz em Goiana modelos de maior valor agregado, como utilitários esportivos (SUVs) e picapes. Um SUV como o Jeep Compass recolhe 2% em IPI e ICMS, enquanto modelos da categoria feitos no Sul e Sudeste pagam 23%. O dado está em um relatório que as empresas estão apresentando ao governo e a parlamentares para convencê-los a não prorrogar os incentivos. Um veículo vendido a R$ 317 mil tem abatimento de R$ 66 mil em impostos, por exemplo.

Auditoria feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU) para avaliar a maturidade das políticas e dos resultados da concessão de benefícios tributários dos regimes automotivos indica que, desde 2010, o volume acumulado de recursos às empresas automobilísticas do Nordeste ultrapassou R$ 50 bilhões.

Com subsídios, carros feitos pela Jeep em Goiana (PE) têm vantagens de 20% nos preços  Foto: Jeep/Divulgação

O estudo do TCU verificou que os regimes “entregam pouco de desenvolvimento regional aos territórios beneficiados”. Segundo o relatório, “quando comparados aos locais que não receberam os benefícios, as regiões beneficiadas não apresentaram perfil superior de desenvolvimento econômico.”

O TCU avaliou que as empresas não promoveram a aglomeração industrial ao redor das fábricas e que a maior parte dos insumos de fornecedores continua vindo do Sul e do Sudeste. Como resultado, cada emprego gerado na fábrica em Pernambuco equivale à renúncia de R$ 34,4 mil mensais, cita o texto.

Guerra fiscal

Fernando Trujillo, consultor da S&P Global Brasil, vê os incentivos como “a famosa guerra fiscal em que poucos ganham e muitos saem perdendo”. Em sua opinião, o benefício fiscal é válido para desenvolver uma região ou Estado, mas com prazo de validade determinado para não impactar a competitividade entre regiões e empresas. “Uma vez que o benefício se estende ciclo após ciclo, não é benéfico para grande parte dos stakeholders envolvidos, dando uma vantagem competitiva para poucos players do mercado”.

A Stellantis rebate afirmando que o regime especial é um mecanismo de desenvolvimento regional para compensar o gap logístico e competitivo, que ainda não foi equacionado. “Hoje, a operação instalada em uma região sem tradição industrial no setor continua sendo punida pela baixa formação da cadeia de fornecedores e pela distância em relação aos maiores centros consumidores”, afirma, em nota.

O grupo também alega que, para cada real de incentivo retornam outros R$ 5 de arrecadação para o Estado e o governo federal. A empresa informa que esses dados fazem parte de estudo feito no ano passado pela Consultoria Econômica e Planejamento (Ceplan), a pedido da Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco (Fiepe).

Os incentivos já cumpriram a função de desenvolvimento regional, de levar as indústrias a se instalarem no Nordeste”

Ricardo Bastos, diretor da GWM

O estudo também mostra que, em 2015 o grupo tinha 2.551 funcionários diretos e 7.619 indiretos (nos fornecedores). No ano passado eram 5 mil diretos e 9.849 indiretos, somando 14.849 trabalhadores. O total de fornecedores no complexo automotivo e nas cidades e Estados vizinhos saltou de 22 para 34 no período. A previsão da Stellantis é de chegar a 50 ainda neste ano e 100 nos próximos cinco anos.

”Os incentivos já cumpriram a função de desenvolvimento regional, de levar as indústrias a se instalarem lá e nesse momento não deve haver incentivo exclusivo no formato como está hoje”, diz Ricardo Bastos, diretor de Relações Governamentais da GWM, grupo chinês recém instalado em Iracemápolis (SP).

Segundo Bastos, a empresa não é contra incentivos regionais, mas eles teriam de entrar dentro da política automotiva de todo o setor, por meio do programa Rota 2030, que está em discussão no governo e estabelece benefícios para empresas que investirem em pesquisa, desenvolvimento e engenharia. “Do jeito que é hoje (o incentivo) cria distorções dentro do mercado.”

O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Moisés Selerges, também tem falado com ministros e parlamentares sobre as distorções que os incentivos a uma única fábrica no Nordeste causa às demais. “Política que gera desenvolvimento em uma determinada região é positiva, mas não pode prejudicar outra região”, afirma.

Selerges defende que os recursos hoje destinados a esse tipo de incentivo sejam alocados para o programa Rota 2030, seja para incentivar projetos de inovação, independente da região, e até mesmo para a renovação da frota de veículos velhos.

Complexo automotivo da Stellantis em PE terá 50 fornecedores locais neste ano Foto: DIV

As montadoras contrárias à prorrogação dos incentivos para a Stellantis concordam com o apoio a fabricantes que chegam ao País para desenvolver novas tecnologias, caso da chinesa BYD, que recentemente anunciou três fábricas na Bahia, uma de automóveis, outra de chassi de ônibus e uma de caminhões, todos com propulsões elétricas ou híbridas.

O grupo tem planos de investir R$ 3 bilhões em Camaçari e negocia a compra das instalações da Ford, o que lhe garantiria os incentivos até 2025, mas também conta com a extensão do prazo por meio da reforma tributária.

Alexandre Baldy, presidente do conselho da empresa, afirma serem necessários incentivos para produzir carros no Nordeste para poder competir com empresas de outras regiões com mais infraestrutura e mercado consumidor próximo às plantas. Ele não condiciona os investimentos anunciados à extensão dos benefícios na Bahia, mas diz que “poderão ser ampliados significativamente” se isso ocorrer.

Embora atuem de forma independente, dirigentes da General Motors, Toyota e Volkswagen se reuniram com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no fim de julho e um dos temas do encontro foi os incentivos.

Futuros investimentos

Cinco fabricantes ouvidas pelo Estadão confirmam estarem agindo para tentar barrar mais sete anos de incentivo aos grupos do Nordeste e Centro-Oeste e duas delas informam que a medida pode influenciar em futuras decisões de investimentos, principalmente num momento em que a transição energética exige elevados aportes das companhias. Outras quatro não quiseram se posicionar ou não deram retorno.

Para o grupo contrário, seria contraditório incluir a medida na reforma tributária que é apoiada pelo setor em razão da expectativa de proporcionar mais competitividade, previsibilidade e isonomia às indústrias, com a simplificação de impostos, redução de entraves para exportações e fim de acúmulo de créditos fiscais retidos.

Outro motivo que revolta essas montadoras é o fato de, em 2021, uma decisão monocrática do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ter permitido à Stellantis usar o benefício dos créditos do incentivo para pagar tributos de outras plantas, como a de Betim (MG). “É mais um estímulo para que a empresa gere lucros e remeta para a Itália”, alfineta o diretor de uma importante montadora.

Além de governos, parlamentares e sindicatos, as empresam têm levado a preocupação a governadores - entre os quais os de São Paulo, Rio Grande do Sul e Parará e a federações de indústrias e associações. Segundo os executivos, todos têm se interessado em ampliar esse debate.

A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) diz que não comenta esse tipo de assunto por se tratar de tema específico que não envolve todas as associadas.

Em uma ação inédita no setor, as principais fabricantes de veículos do País estão unidas no propósito de evitar a prorrogação de incentivos fiscais para montadoras instaladas no Nordeste e Centro-Oeste. O principal alvo é a Stellantis, dona das marcas Fiat, Peugeot, Citroën e Jeep, essa última com fábrica em Goiana (PE), inaugurada em 2015.

O grupo recebe cerca de R$ 5 bilhões ao ano em créditos de impostos. Com o benefício, modelos da marca fabricados na região ficam até 20% mais baratos na hora da venda. Só para comparação, o valor equivale a quase 12% dos R$ 40 bilhões que o texto da reforma tributária propõe para um fundo regional de desenvolvimento a ser repartido entre os 27 Estados brasileiros. “Já deu”, desabafa o executivo de uma das empresas, para quem o incentivo já cumpriu sua função.

Criado no fim dos anos 90 e previsto para durar até 2010, o benefício já foi prorrogado duas vezes, uma delas para incluir a Jeep. A última data estabelecida é até 2025, mas nas últimas semanas teve início um movimento para estender o prazo até 2032 por meio de adendo no texto da Reforma Tributária. A proposta foi rejeitada no Congresso por apenas um voto, mas deve voltar ao texto, com apoio do presidente Lula, para a votação do Senado que deve ocorrer até novembro.

“Hoje a competição já é totalmente desproporcional e desleal porque uma única empresa fica com quase todo o benefício”, ressalta o executivo. Além da Stellantis, é beneficiada pelo programa a fabricante de autopeças Moura, também de Pernambuco. Outras duas montadoras, Caoa/Chery e HPE/Mitsubishi, ambas de Goiás, passaram a receber incentivos em 2020 quando o Centro-Oeste foi incluído no regime especial, porém em condições bem mais modestas.

Atualmente, detentora de 31,5% das vendas de automóveis e comerciais leves do País, a Stellantis só produz em Goiana modelos de maior valor agregado, como utilitários esportivos (SUVs) e picapes. Um SUV como o Jeep Compass recolhe 2% em IPI e ICMS, enquanto modelos da categoria feitos no Sul e Sudeste pagam 23%. O dado está em um relatório que as empresas estão apresentando ao governo e a parlamentares para convencê-los a não prorrogar os incentivos. Um veículo vendido a R$ 317 mil tem abatimento de R$ 66 mil em impostos, por exemplo.

Auditoria feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU) para avaliar a maturidade das políticas e dos resultados da concessão de benefícios tributários dos regimes automotivos indica que, desde 2010, o volume acumulado de recursos às empresas automobilísticas do Nordeste ultrapassou R$ 50 bilhões.

Com subsídios, carros feitos pela Jeep em Goiana (PE) têm vantagens de 20% nos preços  Foto: Jeep/Divulgação

O estudo do TCU verificou que os regimes “entregam pouco de desenvolvimento regional aos territórios beneficiados”. Segundo o relatório, “quando comparados aos locais que não receberam os benefícios, as regiões beneficiadas não apresentaram perfil superior de desenvolvimento econômico.”

O TCU avaliou que as empresas não promoveram a aglomeração industrial ao redor das fábricas e que a maior parte dos insumos de fornecedores continua vindo do Sul e do Sudeste. Como resultado, cada emprego gerado na fábrica em Pernambuco equivale à renúncia de R$ 34,4 mil mensais, cita o texto.

Guerra fiscal

Fernando Trujillo, consultor da S&P Global Brasil, vê os incentivos como “a famosa guerra fiscal em que poucos ganham e muitos saem perdendo”. Em sua opinião, o benefício fiscal é válido para desenvolver uma região ou Estado, mas com prazo de validade determinado para não impactar a competitividade entre regiões e empresas. “Uma vez que o benefício se estende ciclo após ciclo, não é benéfico para grande parte dos stakeholders envolvidos, dando uma vantagem competitiva para poucos players do mercado”.

A Stellantis rebate afirmando que o regime especial é um mecanismo de desenvolvimento regional para compensar o gap logístico e competitivo, que ainda não foi equacionado. “Hoje, a operação instalada em uma região sem tradição industrial no setor continua sendo punida pela baixa formação da cadeia de fornecedores e pela distância em relação aos maiores centros consumidores”, afirma, em nota.

O grupo também alega que, para cada real de incentivo retornam outros R$ 5 de arrecadação para o Estado e o governo federal. A empresa informa que esses dados fazem parte de estudo feito no ano passado pela Consultoria Econômica e Planejamento (Ceplan), a pedido da Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco (Fiepe).

Os incentivos já cumpriram a função de desenvolvimento regional, de levar as indústrias a se instalarem no Nordeste”

Ricardo Bastos, diretor da GWM

O estudo também mostra que, em 2015 o grupo tinha 2.551 funcionários diretos e 7.619 indiretos (nos fornecedores). No ano passado eram 5 mil diretos e 9.849 indiretos, somando 14.849 trabalhadores. O total de fornecedores no complexo automotivo e nas cidades e Estados vizinhos saltou de 22 para 34 no período. A previsão da Stellantis é de chegar a 50 ainda neste ano e 100 nos próximos cinco anos.

”Os incentivos já cumpriram a função de desenvolvimento regional, de levar as indústrias a se instalarem lá e nesse momento não deve haver incentivo exclusivo no formato como está hoje”, diz Ricardo Bastos, diretor de Relações Governamentais da GWM, grupo chinês recém instalado em Iracemápolis (SP).

Segundo Bastos, a empresa não é contra incentivos regionais, mas eles teriam de entrar dentro da política automotiva de todo o setor, por meio do programa Rota 2030, que está em discussão no governo e estabelece benefícios para empresas que investirem em pesquisa, desenvolvimento e engenharia. “Do jeito que é hoje (o incentivo) cria distorções dentro do mercado.”

O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Moisés Selerges, também tem falado com ministros e parlamentares sobre as distorções que os incentivos a uma única fábrica no Nordeste causa às demais. “Política que gera desenvolvimento em uma determinada região é positiva, mas não pode prejudicar outra região”, afirma.

Selerges defende que os recursos hoje destinados a esse tipo de incentivo sejam alocados para o programa Rota 2030, seja para incentivar projetos de inovação, independente da região, e até mesmo para a renovação da frota de veículos velhos.

Complexo automotivo da Stellantis em PE terá 50 fornecedores locais neste ano Foto: DIV

As montadoras contrárias à prorrogação dos incentivos para a Stellantis concordam com o apoio a fabricantes que chegam ao País para desenvolver novas tecnologias, caso da chinesa BYD, que recentemente anunciou três fábricas na Bahia, uma de automóveis, outra de chassi de ônibus e uma de caminhões, todos com propulsões elétricas ou híbridas.

O grupo tem planos de investir R$ 3 bilhões em Camaçari e negocia a compra das instalações da Ford, o que lhe garantiria os incentivos até 2025, mas também conta com a extensão do prazo por meio da reforma tributária.

Alexandre Baldy, presidente do conselho da empresa, afirma serem necessários incentivos para produzir carros no Nordeste para poder competir com empresas de outras regiões com mais infraestrutura e mercado consumidor próximo às plantas. Ele não condiciona os investimentos anunciados à extensão dos benefícios na Bahia, mas diz que “poderão ser ampliados significativamente” se isso ocorrer.

Embora atuem de forma independente, dirigentes da General Motors, Toyota e Volkswagen se reuniram com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no fim de julho e um dos temas do encontro foi os incentivos.

Futuros investimentos

Cinco fabricantes ouvidas pelo Estadão confirmam estarem agindo para tentar barrar mais sete anos de incentivo aos grupos do Nordeste e Centro-Oeste e duas delas informam que a medida pode influenciar em futuras decisões de investimentos, principalmente num momento em que a transição energética exige elevados aportes das companhias. Outras quatro não quiseram se posicionar ou não deram retorno.

Para o grupo contrário, seria contraditório incluir a medida na reforma tributária que é apoiada pelo setor em razão da expectativa de proporcionar mais competitividade, previsibilidade e isonomia às indústrias, com a simplificação de impostos, redução de entraves para exportações e fim de acúmulo de créditos fiscais retidos.

Outro motivo que revolta essas montadoras é o fato de, em 2021, uma decisão monocrática do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ter permitido à Stellantis usar o benefício dos créditos do incentivo para pagar tributos de outras plantas, como a de Betim (MG). “É mais um estímulo para que a empresa gere lucros e remeta para a Itália”, alfineta o diretor de uma importante montadora.

Além de governos, parlamentares e sindicatos, as empresam têm levado a preocupação a governadores - entre os quais os de São Paulo, Rio Grande do Sul e Parará e a federações de indústrias e associações. Segundo os executivos, todos têm se interessado em ampliar esse debate.

A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) diz que não comenta esse tipo de assunto por se tratar de tema específico que não envolve todas as associadas.

Em uma ação inédita no setor, as principais fabricantes de veículos do País estão unidas no propósito de evitar a prorrogação de incentivos fiscais para montadoras instaladas no Nordeste e Centro-Oeste. O principal alvo é a Stellantis, dona das marcas Fiat, Peugeot, Citroën e Jeep, essa última com fábrica em Goiana (PE), inaugurada em 2015.

O grupo recebe cerca de R$ 5 bilhões ao ano em créditos de impostos. Com o benefício, modelos da marca fabricados na região ficam até 20% mais baratos na hora da venda. Só para comparação, o valor equivale a quase 12% dos R$ 40 bilhões que o texto da reforma tributária propõe para um fundo regional de desenvolvimento a ser repartido entre os 27 Estados brasileiros. “Já deu”, desabafa o executivo de uma das empresas, para quem o incentivo já cumpriu sua função.

Criado no fim dos anos 90 e previsto para durar até 2010, o benefício já foi prorrogado duas vezes, uma delas para incluir a Jeep. A última data estabelecida é até 2025, mas nas últimas semanas teve início um movimento para estender o prazo até 2032 por meio de adendo no texto da Reforma Tributária. A proposta foi rejeitada no Congresso por apenas um voto, mas deve voltar ao texto, com apoio do presidente Lula, para a votação do Senado que deve ocorrer até novembro.

“Hoje a competição já é totalmente desproporcional e desleal porque uma única empresa fica com quase todo o benefício”, ressalta o executivo. Além da Stellantis, é beneficiada pelo programa a fabricante de autopeças Moura, também de Pernambuco. Outras duas montadoras, Caoa/Chery e HPE/Mitsubishi, ambas de Goiás, passaram a receber incentivos em 2020 quando o Centro-Oeste foi incluído no regime especial, porém em condições bem mais modestas.

Atualmente, detentora de 31,5% das vendas de automóveis e comerciais leves do País, a Stellantis só produz em Goiana modelos de maior valor agregado, como utilitários esportivos (SUVs) e picapes. Um SUV como o Jeep Compass recolhe 2% em IPI e ICMS, enquanto modelos da categoria feitos no Sul e Sudeste pagam 23%. O dado está em um relatório que as empresas estão apresentando ao governo e a parlamentares para convencê-los a não prorrogar os incentivos. Um veículo vendido a R$ 317 mil tem abatimento de R$ 66 mil em impostos, por exemplo.

Auditoria feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU) para avaliar a maturidade das políticas e dos resultados da concessão de benefícios tributários dos regimes automotivos indica que, desde 2010, o volume acumulado de recursos às empresas automobilísticas do Nordeste ultrapassou R$ 50 bilhões.

Com subsídios, carros feitos pela Jeep em Goiana (PE) têm vantagens de 20% nos preços  Foto: Jeep/Divulgação

O estudo do TCU verificou que os regimes “entregam pouco de desenvolvimento regional aos territórios beneficiados”. Segundo o relatório, “quando comparados aos locais que não receberam os benefícios, as regiões beneficiadas não apresentaram perfil superior de desenvolvimento econômico.”

O TCU avaliou que as empresas não promoveram a aglomeração industrial ao redor das fábricas e que a maior parte dos insumos de fornecedores continua vindo do Sul e do Sudeste. Como resultado, cada emprego gerado na fábrica em Pernambuco equivale à renúncia de R$ 34,4 mil mensais, cita o texto.

Guerra fiscal

Fernando Trujillo, consultor da S&P Global Brasil, vê os incentivos como “a famosa guerra fiscal em que poucos ganham e muitos saem perdendo”. Em sua opinião, o benefício fiscal é válido para desenvolver uma região ou Estado, mas com prazo de validade determinado para não impactar a competitividade entre regiões e empresas. “Uma vez que o benefício se estende ciclo após ciclo, não é benéfico para grande parte dos stakeholders envolvidos, dando uma vantagem competitiva para poucos players do mercado”.

A Stellantis rebate afirmando que o regime especial é um mecanismo de desenvolvimento regional para compensar o gap logístico e competitivo, que ainda não foi equacionado. “Hoje, a operação instalada em uma região sem tradição industrial no setor continua sendo punida pela baixa formação da cadeia de fornecedores e pela distância em relação aos maiores centros consumidores”, afirma, em nota.

O grupo também alega que, para cada real de incentivo retornam outros R$ 5 de arrecadação para o Estado e o governo federal. A empresa informa que esses dados fazem parte de estudo feito no ano passado pela Consultoria Econômica e Planejamento (Ceplan), a pedido da Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco (Fiepe).

Os incentivos já cumpriram a função de desenvolvimento regional, de levar as indústrias a se instalarem no Nordeste”

Ricardo Bastos, diretor da GWM

O estudo também mostra que, em 2015 o grupo tinha 2.551 funcionários diretos e 7.619 indiretos (nos fornecedores). No ano passado eram 5 mil diretos e 9.849 indiretos, somando 14.849 trabalhadores. O total de fornecedores no complexo automotivo e nas cidades e Estados vizinhos saltou de 22 para 34 no período. A previsão da Stellantis é de chegar a 50 ainda neste ano e 100 nos próximos cinco anos.

”Os incentivos já cumpriram a função de desenvolvimento regional, de levar as indústrias a se instalarem lá e nesse momento não deve haver incentivo exclusivo no formato como está hoje”, diz Ricardo Bastos, diretor de Relações Governamentais da GWM, grupo chinês recém instalado em Iracemápolis (SP).

Segundo Bastos, a empresa não é contra incentivos regionais, mas eles teriam de entrar dentro da política automotiva de todo o setor, por meio do programa Rota 2030, que está em discussão no governo e estabelece benefícios para empresas que investirem em pesquisa, desenvolvimento e engenharia. “Do jeito que é hoje (o incentivo) cria distorções dentro do mercado.”

O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Moisés Selerges, também tem falado com ministros e parlamentares sobre as distorções que os incentivos a uma única fábrica no Nordeste causa às demais. “Política que gera desenvolvimento em uma determinada região é positiva, mas não pode prejudicar outra região”, afirma.

Selerges defende que os recursos hoje destinados a esse tipo de incentivo sejam alocados para o programa Rota 2030, seja para incentivar projetos de inovação, independente da região, e até mesmo para a renovação da frota de veículos velhos.

Complexo automotivo da Stellantis em PE terá 50 fornecedores locais neste ano Foto: DIV

As montadoras contrárias à prorrogação dos incentivos para a Stellantis concordam com o apoio a fabricantes que chegam ao País para desenvolver novas tecnologias, caso da chinesa BYD, que recentemente anunciou três fábricas na Bahia, uma de automóveis, outra de chassi de ônibus e uma de caminhões, todos com propulsões elétricas ou híbridas.

O grupo tem planos de investir R$ 3 bilhões em Camaçari e negocia a compra das instalações da Ford, o que lhe garantiria os incentivos até 2025, mas também conta com a extensão do prazo por meio da reforma tributária.

Alexandre Baldy, presidente do conselho da empresa, afirma serem necessários incentivos para produzir carros no Nordeste para poder competir com empresas de outras regiões com mais infraestrutura e mercado consumidor próximo às plantas. Ele não condiciona os investimentos anunciados à extensão dos benefícios na Bahia, mas diz que “poderão ser ampliados significativamente” se isso ocorrer.

Embora atuem de forma independente, dirigentes da General Motors, Toyota e Volkswagen se reuniram com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no fim de julho e um dos temas do encontro foi os incentivos.

Futuros investimentos

Cinco fabricantes ouvidas pelo Estadão confirmam estarem agindo para tentar barrar mais sete anos de incentivo aos grupos do Nordeste e Centro-Oeste e duas delas informam que a medida pode influenciar em futuras decisões de investimentos, principalmente num momento em que a transição energética exige elevados aportes das companhias. Outras quatro não quiseram se posicionar ou não deram retorno.

Para o grupo contrário, seria contraditório incluir a medida na reforma tributária que é apoiada pelo setor em razão da expectativa de proporcionar mais competitividade, previsibilidade e isonomia às indústrias, com a simplificação de impostos, redução de entraves para exportações e fim de acúmulo de créditos fiscais retidos.

Outro motivo que revolta essas montadoras é o fato de, em 2021, uma decisão monocrática do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ter permitido à Stellantis usar o benefício dos créditos do incentivo para pagar tributos de outras plantas, como a de Betim (MG). “É mais um estímulo para que a empresa gere lucros e remeta para a Itália”, alfineta o diretor de uma importante montadora.

Além de governos, parlamentares e sindicatos, as empresam têm levado a preocupação a governadores - entre os quais os de São Paulo, Rio Grande do Sul e Parará e a federações de indústrias e associações. Segundo os executivos, todos têm se interessado em ampliar esse debate.

A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) diz que não comenta esse tipo de assunto por se tratar de tema específico que não envolve todas as associadas.

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