Pesquisa aplicada no dia a dia (FGV-EESP)

Opinião|O capítulo ambiental do Acordo Europa-Mercosul


Por mosaicodeeconomia

Daniel Vargas*

 

O conteúdo integral do Acordo União Europeia-Mercosul foi divulgado há pouco pelos blocos. Lá, está o capítulo com exigências ambientais (e trabalhistas). Em 2019, o tema paralisou as negociações entre as partes. Agora, foi renegociado e aprovado. Mas o que exatamente diz a parte ambiental?

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O eixo central deste capítulo, intitulado Comércio e Desenvolvimento Sustentável, é definir as bases comuns, sobre as quais as relações comerciais fluirão entre as partes. O capítulo reconhece a autonomia dos países para promover seus projetos de desenvolvimento sustentável. Mas, ao mesmo tempo, delimita esta competência com base em critérios.

 

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1. Critério jurídico. O Acordo fixa uma linha de base formal, identificada com a lei em vigor. As exigências ambientais previstas em cada país são "congeladas". O que a lei nacional exige, na vigência do Acordo, não pode mais ser diminuído ou flexibilizado (art 2.3-5).

 

2. Critério científico. A partir daí, a análise das ações de proteção ambiental de cada região devem seguir dados e parâmetros globais (art 10.1). Os "standards, diretrizes e recomendações" são internacionais, não aqueles eventualmente desenvolvidos por um ou outro país.

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3. Critério social. Além disso, governos se comprometem a colaborar entre si (e com o terceiro setor) em projetos de fiscalização e certificação privada (art 13, d). É um reconhecimento sobre importância das ONGs nesta troca de informações sobre a qualidade do comércio.

 

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4. Critério moral. Se dúvidas graves persistirem, as partes podem invocar "princípio da precaução" (art 10.2) para justificar uma ação unilateral. É dizer: a parte reassume poder de restringir o comércio entre os blocos, para garantir o equilíbrio do meio ambiente.

5. Critério setorial. Por fim, o capítulo traz ainda uma espécie de critério oculto, subentendido no texto. Ele se aplica, basicamente, ao "uso da terra"--e, mais especificamente, à produção e comércio de alimentos provenientes do Mercosul--não ao setor de energia, com características próprias.

Por fim, para assegurar efetividade das exigências, um Subcomitê de Comércio e Desenvolvimento Sustentável, integrado por representantes das partes, deve ser constituído para acompanhar e monitorar a implementação do capítulo adicional (art 14). 

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No conjunto, a nova base de "desenvolvimento sustentável" acordada pelos blocos forma um regime ambicioso e sistemático de regulação do comércio e da produção, segundo padrões globais, complementados por ONGs e acompanhados periodicamente por Subcomitê representativo.

 

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A ambição e rigor do capítulo relevam o grau de preocupação que a Europa possui com a produção no Mercosul. Por um lado, não quer ser co-responsável por danos ambientais. Por outro, precisa agir para "limitar" perfis de produção contra os quais não consegue competir. 

 

Seja como for, todo acordo comercial é uma negociação em muitas frentes. A sabedoria, ao fim, é saber avaliar o conjunto, para abrir mão de um "custo", em troca de outro "benefício". O que importa é o saldo da obra. Mas, cá entre nós, os europeus sabem negociar muito bem!

 

* Daniel Vargas é Professor da FGV EESP

Daniel Vargas*

 

O conteúdo integral do Acordo União Europeia-Mercosul foi divulgado há pouco pelos blocos. Lá, está o capítulo com exigências ambientais (e trabalhistas). Em 2019, o tema paralisou as negociações entre as partes. Agora, foi renegociado e aprovado. Mas o que exatamente diz a parte ambiental?

 

O eixo central deste capítulo, intitulado Comércio e Desenvolvimento Sustentável, é definir as bases comuns, sobre as quais as relações comerciais fluirão entre as partes. O capítulo reconhece a autonomia dos países para promover seus projetos de desenvolvimento sustentável. Mas, ao mesmo tempo, delimita esta competência com base em critérios.

 

1. Critério jurídico. O Acordo fixa uma linha de base formal, identificada com a lei em vigor. As exigências ambientais previstas em cada país são "congeladas". O que a lei nacional exige, na vigência do Acordo, não pode mais ser diminuído ou flexibilizado (art 2.3-5).

 

2. Critério científico. A partir daí, a análise das ações de proteção ambiental de cada região devem seguir dados e parâmetros globais (art 10.1). Os "standards, diretrizes e recomendações" são internacionais, não aqueles eventualmente desenvolvidos por um ou outro país.

 

3. Critério social. Além disso, governos se comprometem a colaborar entre si (e com o terceiro setor) em projetos de fiscalização e certificação privada (art 13, d). É um reconhecimento sobre importância das ONGs nesta troca de informações sobre a qualidade do comércio.

 

4. Critério moral. Se dúvidas graves persistirem, as partes podem invocar "princípio da precaução" (art 10.2) para justificar uma ação unilateral. É dizer: a parte reassume poder de restringir o comércio entre os blocos, para garantir o equilíbrio do meio ambiente.

5. Critério setorial. Por fim, o capítulo traz ainda uma espécie de critério oculto, subentendido no texto. Ele se aplica, basicamente, ao "uso da terra"--e, mais especificamente, à produção e comércio de alimentos provenientes do Mercosul--não ao setor de energia, com características próprias.

Por fim, para assegurar efetividade das exigências, um Subcomitê de Comércio e Desenvolvimento Sustentável, integrado por representantes das partes, deve ser constituído para acompanhar e monitorar a implementação do capítulo adicional (art 14). 

 

No conjunto, a nova base de "desenvolvimento sustentável" acordada pelos blocos forma um regime ambicioso e sistemático de regulação do comércio e da produção, segundo padrões globais, complementados por ONGs e acompanhados periodicamente por Subcomitê representativo.

 

A ambição e rigor do capítulo relevam o grau de preocupação que a Europa possui com a produção no Mercosul. Por um lado, não quer ser co-responsável por danos ambientais. Por outro, precisa agir para "limitar" perfis de produção contra os quais não consegue competir. 

 

Seja como for, todo acordo comercial é uma negociação em muitas frentes. A sabedoria, ao fim, é saber avaliar o conjunto, para abrir mão de um "custo", em troca de outro "benefício". O que importa é o saldo da obra. Mas, cá entre nós, os europeus sabem negociar muito bem!

 

* Daniel Vargas é Professor da FGV EESP

Daniel Vargas*

 

O conteúdo integral do Acordo União Europeia-Mercosul foi divulgado há pouco pelos blocos. Lá, está o capítulo com exigências ambientais (e trabalhistas). Em 2019, o tema paralisou as negociações entre as partes. Agora, foi renegociado e aprovado. Mas o que exatamente diz a parte ambiental?

 

O eixo central deste capítulo, intitulado Comércio e Desenvolvimento Sustentável, é definir as bases comuns, sobre as quais as relações comerciais fluirão entre as partes. O capítulo reconhece a autonomia dos países para promover seus projetos de desenvolvimento sustentável. Mas, ao mesmo tempo, delimita esta competência com base em critérios.

 

1. Critério jurídico. O Acordo fixa uma linha de base formal, identificada com a lei em vigor. As exigências ambientais previstas em cada país são "congeladas". O que a lei nacional exige, na vigência do Acordo, não pode mais ser diminuído ou flexibilizado (art 2.3-5).

 

2. Critério científico. A partir daí, a análise das ações de proteção ambiental de cada região devem seguir dados e parâmetros globais (art 10.1). Os "standards, diretrizes e recomendações" são internacionais, não aqueles eventualmente desenvolvidos por um ou outro país.

 

3. Critério social. Além disso, governos se comprometem a colaborar entre si (e com o terceiro setor) em projetos de fiscalização e certificação privada (art 13, d). É um reconhecimento sobre importância das ONGs nesta troca de informações sobre a qualidade do comércio.

 

4. Critério moral. Se dúvidas graves persistirem, as partes podem invocar "princípio da precaução" (art 10.2) para justificar uma ação unilateral. É dizer: a parte reassume poder de restringir o comércio entre os blocos, para garantir o equilíbrio do meio ambiente.

5. Critério setorial. Por fim, o capítulo traz ainda uma espécie de critério oculto, subentendido no texto. Ele se aplica, basicamente, ao "uso da terra"--e, mais especificamente, à produção e comércio de alimentos provenientes do Mercosul--não ao setor de energia, com características próprias.

Por fim, para assegurar efetividade das exigências, um Subcomitê de Comércio e Desenvolvimento Sustentável, integrado por representantes das partes, deve ser constituído para acompanhar e monitorar a implementação do capítulo adicional (art 14). 

 

No conjunto, a nova base de "desenvolvimento sustentável" acordada pelos blocos forma um regime ambicioso e sistemático de regulação do comércio e da produção, segundo padrões globais, complementados por ONGs e acompanhados periodicamente por Subcomitê representativo.

 

A ambição e rigor do capítulo relevam o grau de preocupação que a Europa possui com a produção no Mercosul. Por um lado, não quer ser co-responsável por danos ambientais. Por outro, precisa agir para "limitar" perfis de produção contra os quais não consegue competir. 

 

Seja como for, todo acordo comercial é uma negociação em muitas frentes. A sabedoria, ao fim, é saber avaliar o conjunto, para abrir mão de um "custo", em troca de outro "benefício". O que importa é o saldo da obra. Mas, cá entre nós, os europeus sabem negociar muito bem!

 

* Daniel Vargas é Professor da FGV EESP

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