BRASÍLIA – A Medida Provisória (MP) que antecipa recursos da privatização da Eletrobras, com o objetivo de reduzir em 3,5% a conta de luz em 2024, também prorroga subsídios que oneram o consumidor final.
A minuta do texto, elaborada pelo Ministério de Minas e Energia e em análise na Casa Civil, prevê que o governo use pagamentos antecipados da Eletrobras para quitar dois empréstimos bilionários contratados pelas distribuidoras ao longo dos últimos anos: a “conta Covid” (feito em 2020, durante a pandemia) e a “conta escassez hídrica” (de 2022, em meio à crise hídrica).
São despesas que foram classificadas pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, como “bombas de efeito retardado” – lançadas pelo então ministro da Economia, Paulo Guedes, durante o governo Jair Bolsonaro. Segundo Silveira, o preço da energia é hoje uma das obsessões do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao lado dos alimentos e dos combustíveis.
A mesma MP, porém, estende por 36 meses o prazo para entrada em operação de projetos de fontes renováveis que contam com descontos nas tarifas de transmissão (Tust) e distribuição (Tusd) – beneficiando, principalmente, a região Nordeste.
Em novembro do ano passado, a Abrace, associação que representa os grandes consumidores de energia, estimou um impacto de R$ 6 bilhões ao ano com a prorrogação do benefício. Isso significa um aumento médio de 2,4% na tarifa de energia.
Procurada, a entidade disse que só vai se manifestar novamente sobre o tema quando a MP for editada pelo governo.
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Esse custo bilionário será embutido na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que reúne os subsídios da conta de luz e é paga por todos os consumidores. Em 2023, a CDE somou R$ 40,3 bilhões, sendo que as fontes incentivadas foram responsáveis por R$ 10,8 bilhões. Neste ano, a expectativa é de que a CDE totalize R$ 37,2 bilhões.
Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), os subsídios representam, atualmente, 13,1% da tarifa dos consumidores residenciais.
Subsídio à energia eólica e solar
A minuta da MP, obtida pelo Estadão, afirma que há um estoque de cerca de 145 GW em projetos, sobretudo eólicos e solares, concentrados no Nordeste. E que, deste montante, 88 GW têm outorgas de autorização emitidas, mas as obras não foram iniciadas.
Não à tôa, a prorrogação do subsídio contou com o apoio dos governadores do Nordeste, que desde 2023 vinham se reunindo com os ministros Silveira (Minas e Energia) e Fernando Haddad (Fazenda) para tratar do tema.
Nesta segunda-feira,1, Silveira e Haddad se reuniram com Lula no Palácio do Planalto para discutir o assunto. Na saída, Haddad afirmou que o objetivo é compatibilizar o cronograma de geração de energia renovável com os investimentos em transmissão.
“Alguns prazos não foram cumpridos em virtude do fato de que não havia licitação das linhas de transmissão. Como esse processo foi concluído agora, você consegue abrir prazo para ver se há manifestação de interesse”, disse o chefe da equipe econômica, destacando que a MP não terá impacto nas contas públicas.
Segundo Silveira, “há uma unanimidade na importância dessa MP”, uma vez que pode viabilizar R$ 250 bilhões em investimentos em geração e mais R$ 60 bilhões em transmissão de energia.
No Congresso Nacional, o pleito ganhou o apoio do deputado Danilo Forte (União), que é do Ceará. Questionado sobre o impacto da medida na conta de luz, o parlamentar alega que “não há subsídio novo” e reforça a necessidade de alinhar os cronogramas.
“O que há é uma compatibilização no cronograma de execução das obras de transmissão e geração renovável no Nordeste. Da forma como está, as obras de geração iriam esperar de dois a três anos para a transmissão, e isso tem um custo. Quem vai arcar esse custo?”, afirma Forte ao Estadão.
Ele diz que essa compatibilização irá assegurar investimentos e cerca de 160 mil empregos na região. “No momento que falamos tanto de transição energética, não podemos retroceder: temos de cortar, aí sim, o subsídio às energias fósseis”, diz.
Antecipação de recursos da Eletrobras
O governo, por meio da MP, pretende antecipar dois tipos de recursos previstos na lei de privatização da Eletrobras. O primeiro é referente a repasses previstos à CDE: R$ 32 bilhões que serão destinados à conta de subsídios, ao longo de 25 anos, para atenuar reajustes tarifários.
Desse total, R$ 5 bilhões foram pagos em 2022. Agora, o governo quer antecipar outra fatia para liquidar a “conta Covid” e a “conta escassez hídrica”. A quitação reduziria o impacto dos reajustes tarifários previstos para este ano - que devem ficar, em média, em 4,67%, segundo estimativa da TR Soluções, empresa de tecnologia especializada em tarifas de energia.
O valor a ser antecipado ainda não está fechado e não consta da minuta da MP, mas Silveira, na semana passada, mencionou a cifra de R$ 26 bilhões.
Segundo o ministro, a antecipação de recursos de outorga da Eletrobrás não precisa de anuência da empresa, uma vez que se trata de uma operação financeira (securitização) de venda de recebíveis futuros no mercado.
O texto da MP também prevê adiantar parte dos valores que seriam destinados pela companhia aos chamados “fundos regionais”. O foco é o Estado do Amapá, cujo reajuste tarifário poderia chegar a 44% neste ano. Silveira e o chefe da Casa Civil, Rui Costa, criticaram o aumento e dizem trabalhar contra a iniciativa.
O Amapá é o estado natal do senador Davi Alcolumbre (União), aliado de Silveira e cotado para suceder Rodrigo Pacheco (PSD-MG) na presidência do Senado.
A questão já provoca ruído nos bastidores e pode gerar conflitos políticos, pois os recursos dos fundos regionais deveriam ser repartidos com outras regiões e usados, prioritariamente, em ações ambientais em bacias hidrográficas afetadas por grandes represas, como é o caso dos rios Madeira, Tocantins e São Francisco.
“O impacto deletério desse reajuste no orçamento das famílias e na economia local demanda que se adotem contramedidas urgentes. Assim, há que se buscar alternativas que se enquadrem na realidade do País, sem prejudicar a segurança jurídica que fundamenta as concessões de distribuição de energia elétrica”, diz o texto da MP sobre a situação no Amapá.
Por fim, o projeto ainda prevê uma terceira fonte de recursos a ser utilizada, mas que não guarda relação com a Eletrobras. Seria o uso recursos excedentes destinados a programas de pesquisa e desenvolvimento da Aneel, que também seriam usados para baratear a CDE.