As mudanças incluídas na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, na terça-feira, 6, abrem o caminho para acabar com o teto de gastos em 2023 por meio de lei complementar e ampliam as despesas que podem ser executadas fora do limite da atual âncora fiscal.
Com as novas exceções, tornou-se uma incógnita o quanto de despesas ficará fora do teto com as alterações feitas pelo relator. Ou seja, ficou muito mais difícil calcular o real impacto da PEC, que poderá superar os R$ 168 bilhões aprovados pela comissão, na primeira etapa do processo no Congresso. O texto prevê a ampliação do teto em R$ 145 bilhões nos dois próximos anos para bancar o novo Bolsa Família.
Numa costura política com o governo eleito, a PEC também incluiu o lado do governo Bolsonaro e seus aliados do Centrão ao abrir espaço de até R$ 23 bilhões de despesas deste ano fora do teto de gastos atrelada à arrecadação extra. Se aprovada, a medida desafoga o Orçamento deste ano e permitirá desbloquear emendas do orçamento secreto, esquema revelado pelo Estadão que consiste na transferência de verba a parlamentares sem critérios de transferência em troca de apoio político.
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Entre as despesas que serão retiradas do teto estão aquelas custeadas com recursos de empréstimos e outras operações financeiras feitas por organismos multilaterais, como BID, Bird e CAF, para financiar projetos de investimento em infraestrutura que fazem parte do Plano Integrado de Transportes.
“Agora, não sabemos quanto ficará fora do teto, com despesas lastreadas em dívida, em geral indexadas ao câmbio”, disse ao Estadão o ex-secretário do Tesouro Nacional, Jeferson Bittencourt, atual economista da gestora de investimento ASA Investiments.
A PEC tira também do teto transferências feitas à União por Estados e municípios destinados à execução direta de obras e serviços de engenharia.
O texto da PEC original já tinha retirado do teto despesas feitas com doações a fundos de meio ambiente e às universidades ou feitas com receitas próprias. Investimentos poderão ser feitos fora do teto até o valor de R$ 23 bilhões quando houver arrecadação extraordinária (não prevista). A medida já vale para 2022, de acordo com mudança no texto introduzida pelo relator. Esse dispositivo permite desbloquear as despesas deste ano.
Para o ex-secretário do Tesouro, a retirada de despesas do teto, via de regra, é ruim, mas excetuar despesas financiadas com recursos de financiamento de organismos multilaterais é pior do que os gastos financiados com doações e receitas próprias. No primeiro caso, o parecer tira do teto despesas financiadas com endividamento. No segundo, são gastos lastreados em receitas.
“Uma coisa é ir atrás de parceiros que te doem dinheiro, ou de receitas próprias, porque poderão gastar livremente. Outra coisa é ir atrás de tomar dívida cambial porque não terá limite para a despesa”, alerta.
O ponto considerado positivo do parecer do senador Alexandre Silveira (PSD-MG) foi a decisão de não retirar o Bolsa Família do teto de gastos, como previa o texto protocolado e negociado pelo governo de transição. A solução foi elevar o limite do teto em R$ 175 bilhões, valor que depois caiu para R$ 145 bilhões, num desenho parecido com a PEC apresentada pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE).
Essa alteração dá segurança que o programa social não vai ser ampliado fora do teto indefinidamente, principalmente, em ano eleitoral. Esse espaço maior para gastos, porém, ainda é considerado muito excessivo por integrantes do mercado e também lideranças do Congresso.
Pelo texto aprovado, as comissões permanentes do Congresso vão poder fazer sugestões do destino dos recursos do Orçamento abertos com a ampliação do teto, como antecipou o Estadão. Com a ampliação, os recursos previstos inicialmente para bancar o Auxílio Brasil em 2023 devem ficar livres para serem remanejados. A equipe de Lula queria que fossem atendidas apenas as solicitações do novo governo, que não detalhou como pretende gastar esses recursos, embora tenha dito que o dinheiro vá para Farmácia Popular, livros didáticos e reforço de outros programas, além do aumento do salário mínimo.
Fim do teto
O parecer da PEC contém um dispositivo que prevê a criação de um novo arcabouço fiscal por meio de lei complementar. O prazo para essa medida ser encaminhada é 31 de dezembro do ano que vem, mas o PT se comprometeu a entregar a proposta até agosto de 2023. Mas a PEC não obriga a aprovação de uma nova regra para substituir a norma atual, que atrela o crescimento das despesas à inflação.
Na prática, o dispositivo permite a revogação do teto de gastos por meio de lei complementar, que tem quórum mais baixo do que emenda constitucional para ser aprovada. A costura política para a inclusão desse dispositivo foi antecipada pelo Estadão em 18 de novembro passado.
O próprio ex-presidente Michel Temer, ao conseguir aprovar o teto de gastos, já tinha contratado uma reforma para depois de 10 anos por meio de lei complementar. A emenda constitucional 95, aprovada em 2016, previu a reforma da regra em 2026 por meio de lei complementar, sem precisar mexer na Constituição.
Mas esse comando foi retirado na votação da PEC dos Precatórios, em 2021, sob o argumento de que a reforma já estava feita. Nessa PEC, os parlamentares de maneira casuística mudaram a forma de correção do IPCA no limite do teto para abrir mais espaço para gastos em 2022, ano de eleições. Uma mudança classificada de “puxadinho” para ampliar o Orçamento em 2022. Se aprovada a PEC da Transição, esta será a sexta mudança no teto de gastos -- as outras cinco foram feitas no governo Jair Bolsonaro.
“Caso não seja aprovada em 2024, o nível da despesa obrigatória terá crescido tanto que será necessário nova PEC de waiver (licença para gastar) para 2025 em diante”, previu o ex-secretário do Tesouro.