‘Não podemos colocar todas as fichas nas receitas’, diz número 2 do Planejamento sobre meta fiscal


Secretário afirma que estratégia de revisão de gastos já está em curso e terá foco inicial no combate a fraudes; objetivo é evitar pressão por contigenciamento em 2024

Por Adriana Fernandes e Bianca Lima
Atualização:
Foto: WILTON JUNIOR
Entrevista comGustavo GuimarãesSecretário-executivo do Ministério do Planejamento e Orçamento

BRASÍLIA - Número 2 da ministra Simone Tebet no Planejamento e Orçamento, o economista Gustavo Guimarães afirma que o governo não pode colocar todas as fichas no aumento das receitas para atingir a meta fiscal de déficit zero em 2024.

Uma estratégia de revisão de gastos, segundo ele, já está em curso. O foco inicial, com efeito mais no curto prazo, será o combate a fraudes, como, por exemplo, nos benefícios da Previdência.

Guimarães afirma que o governo não vai esperar um cenário de frustração do pacote de medidas de aumento de receitas - estimado em R$ 168 bilhões - para atuar.

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'Não vai ficar só em palavras', diz Guimarães sobre plano para revisão de gastos.  Foto: WILTON JUNIOR

Ele diz que o objetivo é evitar a pressão por contingenciamento (bloqueio preventivo) de despesas no Orçamento do ano que vem, quando as regras do novo arcabouço fiscal entram em vigor. O melhor cenário, de acordo com o secretário, é o governo se antecipar.

“Vamos começar a atuar naquilo que tem um impacto maior e indícios de fraudes”, afirma, em entrevista ao Estadão. Segundo ele, são duas agendas em paralelo. Uma mais estrutural, de colocar a avaliação e o monitoramento de políticas públicas dentro do ciclo orçamentário, e outra mais premente, de se ter, já no ano que vem, alternativas de revisão de gastos para evitar o contingenciamento.

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“A gente já vai colocar essa esteira (de revisão dos gastos) para funcionar para termos todos os elementos na mão. Esse trabalho já começou. Não vai ficar só em palavras”, assegurou. No final deste mês, medidas nessa área já serão anunciadas, segundo Guimarães.

Há também um trabalho de inteligência relacionado aos precatórios (dívidas judiciais do governo federal), para mapear temas “sensíveis”, que têm levado a derrotas do governo na Justiça. O objetivo é identificar essas legislações “problemáticas” e, assim, reduzir a judicialização e os desembolsos da União nessa área.

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Numa segunda etapa, segundo Guimarães, haverá a revisão de programas e políticas públicas - mas desde que haja viabilidade política, destaca ele. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O governo não previu reajuste dos salários dos servidores no Orçamento de 2024, o que já tem gerado pressão por parte dos funcionários públicos. Por que não houve?

Tivemos pouca margem de manobra. O reajuste do salário mínimo, que é uma diretriz , tem impacto forte (no aumento de despesas). Tem também os três pisos - de educação, saúde e investimentos - e as emendas parlamentares, que cresceram (em relação a 2023). Elas voltaram à regra de crescer com a receita (o teto de gastos limitava o aumento de despesas à variação da inflação).

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Essas são as principais pressões sobre o Orçamento de 2024?

Sim. A ampliação das despesas, de R$ 129 bilhões em 2024, foi quase toda consumida por esses aumentos. E aí, todos os outros ministérios, se fizermos a visão de órgão, ficaram limitados por esse crescimento, principalmente (do piso) da saúde. A saúde foi a que mais ganhou nesse desenho novo.

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Por quê?

O piso voltou a ter como base o crescimento das receitas, e não da inflação, como era no antigo teto de gastos. Portanto, voltou a ter pressão pró-cíclica. Temos que lembrar que, no arcabouço, para cumprir as metas, a gente depende de receitas. Só que, quando subimos a receita, isso impacta também as despesas. E, se os pisos crescem com a receita, teremos uma situação em que a saúde pode pressionar ainda mais o espaço das outras políticas públicas.

Esse será o grande debate fiscal daqui para frente. As receitas crescem e, consequentemente, puxam os pisos para cima?

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É o que chamamos de pró-cíclico. É o que o teto (de gastos) tentou acabar.

A ideia de fazer uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para rever os pisos de saúde e educação caiu por terra?

Vai ser uma discussão agora. Colocado o novo arcabouço, todas as restrições das regras fiscais e o desafio que temos para manter o fiscal equilibrado, essa discussão vai ter de vir. Faz sentido voltar para regras pró-cíclicas num arcabouço que tem estímulos ao crescimento da receita? Vamos lembrar que o arcabouço tem um dispositivo para aumentar a arrecadação com dois objetivos: permitir que a despesa cresça, mas reservar uma parte para o superávit, para conter o crescimento da dívida. Mas, se dentro da regra há pisos que não vão crescer como as demais despesas, isso acaba tomando um espaço. Os pisos crescem a 100% das receitas, e não a 70%, como os demais gastos.

Esse é um problema já contratado?

Ao longo do tempo, sabemos que ele vai pressionar as demais despesas. São duas rubricas das mais importantes (saúde e educação). Agora, a regra tem que continuar a mesma? Tem que ser pró-cíclica? Faz sentido as outras políticas perderem espaço? O debate tem que vir. A questão da PEC é uma questão de timing. Nesse Orçamento (de 2024), ficou claro para todas as outras pastas: saúde cresce e as demais ficam estáveis em relação a 2023. Positivamente, tem o ponto de que várias das políticas foram recompostas com a PEC da Transição. Mas, a partir do ano que vem, haverá pressões por ampliação.

Secretário diz que governo fará trabalho de inteligência relacionado aos precatórios, para mapear temas 'sensíveis'. Foto: WILTON JUNIOR

Qual a solução?

Qualquer regra que não seja pró-cíclica. Pode ser a própria regra do arcabouço. Uma regra que garanta o tamanho da política pública, que proteja ela. Temos que lembrar que o piso é importante para dizer que essa política tem uma proteção constitucional. Mas o piso não é teto. Se a sociedade entende que precisa de mais recursos, pode colocar mais. É uma discussão que a sociedade vai ter de ter no próximo ciclo orçamentário ou nos futuros.

Foi com base nesse cenário que se chegou à conclusão de que não haveria espaço para o reajuste dos servidores?

Foi um Orçamento complicado por conta dessas pressões. Fizemos o melhor trabalho para manter todas as políticas públicas. Não estamos impedindo de ter aumento de servidor. Agora, vamos ter de fazer todo o trabalho ao longo da execução. Temos que lembrar que temos duas travas: a da despesa e a da meta fiscal. No passado, o que estava travando o nosso Orçamento era a regra de despesa do teto. No próximo ano, temos também a pressão da meta. Se tivermos um cenário em que a gente consiga ficar dentro do intervalo de 0,25 % (a margem de tolerância da meta fiscal do ano que vem, que vai de -0,25% a 0,25% do PIB), tem espaço para realocar dentro do Orçamento.

O Congresso não pode aprovar o reajuste dos servidores?

Pode. O Orçamento é uma construção conjunta. A gente manda a proposta original e o Congresso pode trabalhar. Mas ele terá de dizer qual será a fonte (de financiamento).

O que o sr. está querendo dizer é que, ao longo de 2024, se tiver espaço, o governo dará o reajuste?

Aí vem a nossa agenda. Estamos trabalhando com uma agenda de revisão de gastos. É uma agenda que o Ministério do Planejamento vai tocar em conjunto com a Fazenda. Vamos fazer uma revisão de gastos em que vamos focar, principalmente, nos casos de fraudes. Vamos começar a atuar naquilo que tem um impacto maior e indícios de fraudes.

Mas onde?

Tem a política de Previdência. Há um trabalho, inclusive do TCU (Tribunal de Contas da União), apontando que existem muitos indícios de evasão e fraude. Ali, tem um espaço para atuar. Existem várias políticas públicas que sabemos que têm beneficiários que não deveriam estar recebendo. Eu comentei o trabalho que foi feito neste ano no Bolsa Família, com as famílias unipessoais (com uma única pessoa). Vamos continuar fazendo esse trabalho e isso abrirá espaço dentro das despesas.

Qual o potencial de corte de despesas com o combate às fraudes?

Estamos levantando. Não tem o número ainda.

Há uma crítica de que o governo não corta gastos. O que será feito pelo lado das despesas?

Eu sei que tem uma demanda muito grande do lado das despesas. O paradigma é o seguinte: desde o teto, ficamos bastante focados na ótica da despesa. Fazia o ajuste via despesa, o que foi uma coisa que enfraqueceu a própria meta fiscal. A meta poderia ter sido um instrumento para não abrir mão de receitas. Mas não podemos ser totalmente enviesados agora, e cometer o erro para o outro lado, que é o de colocar todas as fichas nas receitas. Claro, iniciamos pelas receitas com todo o trabalho de encaminhar as medidas para poder fazer a meta fiscal de déficit zero. Mas vamos deixar pronto todo um trabalho de revisão de gastos para ser uma estratégia caso haja frustração de receitas. A meta está definida. Se não fizermos nada e tivermos qualquer dificuldade com aumento de receitas, vamos ter de fazer o que em 2024? Contigenciar.

É melhor se antecipar?

Isso. Um ponto importante é que o novo arcabouço tem vários mecanismos automáticos (para corte de despesas). Se não agirmos previamente, olha o conjunto de punições que vão vir. O contingenciamento é o primeiro. Vamos ter de contingenciar. Já é ruim. Tem que apagar o incêndio, escolher o que contingencia. E, se não atingirmos a meta, mesmo com os contingenciamentos, aí aciona a regra que reduz de 70% para 50% (da variação de arrecadação, que serve de base para o aumento real das despesas).

Em que estágio está essa agenda de revisão de gastos?

Começamos a fazer o mapeamento e agora vamos conversar com os gestores das políticas, porque será um trabalho conjunto. Há uma equipe dedicada a isso dentro do ministério (a secretaria de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas e Assuntos Econômicos).

Mas até agora essa secretaria não disse onde vai cortar…

É o começo. Isso está sendo construído. São duas agendas em paralelo. Uma mais estrutural, de colocar a avaliação e o monitoramento de políticas públicas dentro do ciclo orçamentário. E uma necessidade mais premente, que é ter, já para o ano que vem, alternativas (de revisão de gastos) para evitar contingenciamento. É melhor a gente atuar antes e ver onde a gente tem espaço (para cortar).

Quando o ministério pretende fechar isso?

Provavelmente esse mês.

Depois do combate às fraudes, qual será a segunda etapa nesse processo de revisão?

Feito o combate às fraudes, aí nós vamos para aquelas outras revisões que têm impacto (fiscal), mas, às vezes, a viabilidade (política) é mais difícil, porque elas dependem, por exemplo, de uma alteração legal. Faremos uma análise, em conjunto com a Fazenda, do que é viável e tem algum tipo de impacto. Podemos, por exemplo, juntar várias medidas de pouco impacto e, no cômputo final, termos uma economia relevante.

Essas avaliações também começam a ser feitas a partir de agora?

Sim, a gente já vai colocar essa esteira (revisão dos gastos) para funcionar para a gente ter todos os elementos na mão. Esse trabalho já começou. Não vai ficar só em palavras.

O discurso de combate à fraude sempre volta como medida de ajuste fiscal. O que é diferente agora?

Primeiro, as instituições foram melhorando. Vamos ter agora não só o arcabouço fiscal, mas também a emenda constitucional 109 (PEC Emergencial, de 2021) que coloca a necessidade de avaliação de políticas públicas no ciclo orçamentário. Agora, na lei do PPA (Plano Plarianual), colocamos que o Cmap (Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas) é o órgão que vai fazer a avaliação. Ele volta a ter o patamar legal. Além disso, no arcabouço fiscal tem duas sementes da orçamentação de médio prazo, que é uma agenda que o mercado conhece pouco e valoriza pouco, mas que eu acho que dali teremos uma mudança de paradigma.

Que sementes são essas?

Nós ampliamos as metas da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), colocamos um ano a mais. Antes, era o exercício seguinte mais dois anos. Agora, são mais quatro anos. E colocamos que o governo vai ter de fazer a projeção, que hoje é indicativa, de receitas e despesas e fazer a trajetória da dívida pública para dez anos. Hoje, o Tesouro faz relatório de projeções, só que pode mostrar um cenário que a dívida não converge, é só um alerta. O arcabouço diz que a dívida tem que ser sustentável.

O que essa mudança significa na prática?

O governo ficará preso a essa trajetória. A pergunta será: como faço para a dívida se estabilizar? Eu vou ter de dizer agora o que eu vou escolher (para corte de gastos, por exemplo). Porque a gente sempre empurra com a barriga a revisão (de despesas).

A reforma administrativa entra nesse pacote de melhoria dos gastos públicos? Seria um terceiro passo?

A discussão sobre a reforma administrativa está sendo liderada pelo Ministério da Gestão e Inovação. Nós vamos dar todo o subsídio de avaliação de políticas públicas, mas é necessário pensar o que é uma reforma administrativa. É fazer o Estado ser mais eficiente? Se sim, nós já temos várias medidas em curso, como as mudanças recentes na Comissão de Financiamentos Externos (Cofiex). Agora, claro que tem o viés da reforma pelo lado do gasto. É um dos vetores que tem de entrar mesmo, nas áreas que são ineficientes. Mas já há uma série de dispositivos para avaliar e até mesmo demitir servidor, então por que a gente não regulamenta isso via lei complementar? Será que a gente precisa mexer na Constituição? A reforma administrativa pode ser um conjunto de medidas (infraconstitucionais).

O Conselho de Acompanhamento e Monitoramento de Riscos Fiscais Judiciais se reuniu pela 1ª vez nesta semana. Qual será o papel do órgão nessa avaliação das despesas?

Nós juntamos Fazenda, Planejamento e AGU (Advocacia Geral da União) para ver o que era risco fiscal judicial na visão de cada órgã, e percebemos que cada um falava uma língua. Enquanto que o lado de lá está super preparado e organizado: há milhões de advogados bem pagos para conseguir ganho de causa contra a União. Então, a primeira coisa foi organizar e uniformizar o entendimento de onde estão os riscos fiscais judiciais. O segundo passo, agora, é a base de dados. Nós vamos juntar todos esses dados (do Tesouro, AGU, PGFN e Secretaria de Orçamento Federal), compartilhar e passar a atuar em conjunto, criando uma inteligência.

Essa inteligência vai ser usada para tentar resolver a questão dos precatórios?

Em relação aos precatórios, vamos fazer duas coisas: construir uma solução para o estoque e achar um caminho para que esse passado não volte. Porque não adianta ficar resolvendo estoque e deixar o fluxo crescer. Olhando para o futuro, nós teremos de atuar na causa. E esse conselho vai dar suporte para a gente construir soluções para conter esse fluxo.

Mas o fluxo depende das decisões da Justiça. Como o governo pretende conter isso?

Claro, eu não tenho controle da decisão do juiz. Mas, por meio dessa inteligência, eu posso começar a ver que o governo está sempre perdendo os julgamentos ligados a determinado dispositivo de uma lei X. A partir disso, vamos ver se há uma falta de entendimento da legislação ou se ela está mal escrita. Se estiver mal escrita, vamos ajustar, fazer uma regulamentação ou tentar alterar no Congresso.

A questão da subvenção para investimento e custeio das grandes empresas, que foi alvo de decisão do STJ e depois de Medida Provisória do governo, é um exemplo disso?

Com certeza. Não se trata de um precatório, mas é um litígio importante. E nós não vamos focar apenas em precatórios.

Às vésperas da entrega do Orçamento de 2024 ao Congresso, chegou-se a aventar a possibilidade de uma mudança na meta de déficit zero, o que não aconteceu. Como o sr. avalia a decisão de manter esse alvo, que é considerado desafiador pelo próprio governo?

A meta é importante para ancorar. É o que eu sempre digo: o teto de gastos foi furado várias vezes, mas imagina se não tivesse o teto? Políticas às vezes mal desenhadas poderiam ter sido aprovadas e a gente teria poucos resultados. Uma meta desafiadora torna o custo-benefício mais visível, ou seja, faz o gestor público repensar e reavaliar as suas políticas, para torná-las mais eficientes.

BRASÍLIA - Número 2 da ministra Simone Tebet no Planejamento e Orçamento, o economista Gustavo Guimarães afirma que o governo não pode colocar todas as fichas no aumento das receitas para atingir a meta fiscal de déficit zero em 2024.

Uma estratégia de revisão de gastos, segundo ele, já está em curso. O foco inicial, com efeito mais no curto prazo, será o combate a fraudes, como, por exemplo, nos benefícios da Previdência.

Guimarães afirma que o governo não vai esperar um cenário de frustração do pacote de medidas de aumento de receitas - estimado em R$ 168 bilhões - para atuar.

'Não vai ficar só em palavras', diz Guimarães sobre plano para revisão de gastos.  Foto: WILTON JUNIOR

Ele diz que o objetivo é evitar a pressão por contingenciamento (bloqueio preventivo) de despesas no Orçamento do ano que vem, quando as regras do novo arcabouço fiscal entram em vigor. O melhor cenário, de acordo com o secretário, é o governo se antecipar.

“Vamos começar a atuar naquilo que tem um impacto maior e indícios de fraudes”, afirma, em entrevista ao Estadão. Segundo ele, são duas agendas em paralelo. Uma mais estrutural, de colocar a avaliação e o monitoramento de políticas públicas dentro do ciclo orçamentário, e outra mais premente, de se ter, já no ano que vem, alternativas de revisão de gastos para evitar o contingenciamento.

“A gente já vai colocar essa esteira (de revisão dos gastos) para funcionar para termos todos os elementos na mão. Esse trabalho já começou. Não vai ficar só em palavras”, assegurou. No final deste mês, medidas nessa área já serão anunciadas, segundo Guimarães.

Há também um trabalho de inteligência relacionado aos precatórios (dívidas judiciais do governo federal), para mapear temas “sensíveis”, que têm levado a derrotas do governo na Justiça. O objetivo é identificar essas legislações “problemáticas” e, assim, reduzir a judicialização e os desembolsos da União nessa área.

Numa segunda etapa, segundo Guimarães, haverá a revisão de programas e políticas públicas - mas desde que haja viabilidade política, destaca ele. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O governo não previu reajuste dos salários dos servidores no Orçamento de 2024, o que já tem gerado pressão por parte dos funcionários públicos. Por que não houve?

Tivemos pouca margem de manobra. O reajuste do salário mínimo, que é uma diretriz , tem impacto forte (no aumento de despesas). Tem também os três pisos - de educação, saúde e investimentos - e as emendas parlamentares, que cresceram (em relação a 2023). Elas voltaram à regra de crescer com a receita (o teto de gastos limitava o aumento de despesas à variação da inflação).

Essas são as principais pressões sobre o Orçamento de 2024?

Sim. A ampliação das despesas, de R$ 129 bilhões em 2024, foi quase toda consumida por esses aumentos. E aí, todos os outros ministérios, se fizermos a visão de órgão, ficaram limitados por esse crescimento, principalmente (do piso) da saúde. A saúde foi a que mais ganhou nesse desenho novo.

Por quê?

O piso voltou a ter como base o crescimento das receitas, e não da inflação, como era no antigo teto de gastos. Portanto, voltou a ter pressão pró-cíclica. Temos que lembrar que, no arcabouço, para cumprir as metas, a gente depende de receitas. Só que, quando subimos a receita, isso impacta também as despesas. E, se os pisos crescem com a receita, teremos uma situação em que a saúde pode pressionar ainda mais o espaço das outras políticas públicas.

Esse será o grande debate fiscal daqui para frente. As receitas crescem e, consequentemente, puxam os pisos para cima?

É o que chamamos de pró-cíclico. É o que o teto (de gastos) tentou acabar.

A ideia de fazer uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para rever os pisos de saúde e educação caiu por terra?

Vai ser uma discussão agora. Colocado o novo arcabouço, todas as restrições das regras fiscais e o desafio que temos para manter o fiscal equilibrado, essa discussão vai ter de vir. Faz sentido voltar para regras pró-cíclicas num arcabouço que tem estímulos ao crescimento da receita? Vamos lembrar que o arcabouço tem um dispositivo para aumentar a arrecadação com dois objetivos: permitir que a despesa cresça, mas reservar uma parte para o superávit, para conter o crescimento da dívida. Mas, se dentro da regra há pisos que não vão crescer como as demais despesas, isso acaba tomando um espaço. Os pisos crescem a 100% das receitas, e não a 70%, como os demais gastos.

Esse é um problema já contratado?

Ao longo do tempo, sabemos que ele vai pressionar as demais despesas. São duas rubricas das mais importantes (saúde e educação). Agora, a regra tem que continuar a mesma? Tem que ser pró-cíclica? Faz sentido as outras políticas perderem espaço? O debate tem que vir. A questão da PEC é uma questão de timing. Nesse Orçamento (de 2024), ficou claro para todas as outras pastas: saúde cresce e as demais ficam estáveis em relação a 2023. Positivamente, tem o ponto de que várias das políticas foram recompostas com a PEC da Transição. Mas, a partir do ano que vem, haverá pressões por ampliação.

Secretário diz que governo fará trabalho de inteligência relacionado aos precatórios, para mapear temas 'sensíveis'. Foto: WILTON JUNIOR

Qual a solução?

Qualquer regra que não seja pró-cíclica. Pode ser a própria regra do arcabouço. Uma regra que garanta o tamanho da política pública, que proteja ela. Temos que lembrar que o piso é importante para dizer que essa política tem uma proteção constitucional. Mas o piso não é teto. Se a sociedade entende que precisa de mais recursos, pode colocar mais. É uma discussão que a sociedade vai ter de ter no próximo ciclo orçamentário ou nos futuros.

Foi com base nesse cenário que se chegou à conclusão de que não haveria espaço para o reajuste dos servidores?

Foi um Orçamento complicado por conta dessas pressões. Fizemos o melhor trabalho para manter todas as políticas públicas. Não estamos impedindo de ter aumento de servidor. Agora, vamos ter de fazer todo o trabalho ao longo da execução. Temos que lembrar que temos duas travas: a da despesa e a da meta fiscal. No passado, o que estava travando o nosso Orçamento era a regra de despesa do teto. No próximo ano, temos também a pressão da meta. Se tivermos um cenário em que a gente consiga ficar dentro do intervalo de 0,25 % (a margem de tolerância da meta fiscal do ano que vem, que vai de -0,25% a 0,25% do PIB), tem espaço para realocar dentro do Orçamento.

O Congresso não pode aprovar o reajuste dos servidores?

Pode. O Orçamento é uma construção conjunta. A gente manda a proposta original e o Congresso pode trabalhar. Mas ele terá de dizer qual será a fonte (de financiamento).

O que o sr. está querendo dizer é que, ao longo de 2024, se tiver espaço, o governo dará o reajuste?

Aí vem a nossa agenda. Estamos trabalhando com uma agenda de revisão de gastos. É uma agenda que o Ministério do Planejamento vai tocar em conjunto com a Fazenda. Vamos fazer uma revisão de gastos em que vamos focar, principalmente, nos casos de fraudes. Vamos começar a atuar naquilo que tem um impacto maior e indícios de fraudes.

Mas onde?

Tem a política de Previdência. Há um trabalho, inclusive do TCU (Tribunal de Contas da União), apontando que existem muitos indícios de evasão e fraude. Ali, tem um espaço para atuar. Existem várias políticas públicas que sabemos que têm beneficiários que não deveriam estar recebendo. Eu comentei o trabalho que foi feito neste ano no Bolsa Família, com as famílias unipessoais (com uma única pessoa). Vamos continuar fazendo esse trabalho e isso abrirá espaço dentro das despesas.

Qual o potencial de corte de despesas com o combate às fraudes?

Estamos levantando. Não tem o número ainda.

Há uma crítica de que o governo não corta gastos. O que será feito pelo lado das despesas?

Eu sei que tem uma demanda muito grande do lado das despesas. O paradigma é o seguinte: desde o teto, ficamos bastante focados na ótica da despesa. Fazia o ajuste via despesa, o que foi uma coisa que enfraqueceu a própria meta fiscal. A meta poderia ter sido um instrumento para não abrir mão de receitas. Mas não podemos ser totalmente enviesados agora, e cometer o erro para o outro lado, que é o de colocar todas as fichas nas receitas. Claro, iniciamos pelas receitas com todo o trabalho de encaminhar as medidas para poder fazer a meta fiscal de déficit zero. Mas vamos deixar pronto todo um trabalho de revisão de gastos para ser uma estratégia caso haja frustração de receitas. A meta está definida. Se não fizermos nada e tivermos qualquer dificuldade com aumento de receitas, vamos ter de fazer o que em 2024? Contigenciar.

É melhor se antecipar?

Isso. Um ponto importante é que o novo arcabouço tem vários mecanismos automáticos (para corte de despesas). Se não agirmos previamente, olha o conjunto de punições que vão vir. O contingenciamento é o primeiro. Vamos ter de contingenciar. Já é ruim. Tem que apagar o incêndio, escolher o que contingencia. E, se não atingirmos a meta, mesmo com os contingenciamentos, aí aciona a regra que reduz de 70% para 50% (da variação de arrecadação, que serve de base para o aumento real das despesas).

Em que estágio está essa agenda de revisão de gastos?

Começamos a fazer o mapeamento e agora vamos conversar com os gestores das políticas, porque será um trabalho conjunto. Há uma equipe dedicada a isso dentro do ministério (a secretaria de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas e Assuntos Econômicos).

Mas até agora essa secretaria não disse onde vai cortar…

É o começo. Isso está sendo construído. São duas agendas em paralelo. Uma mais estrutural, de colocar a avaliação e o monitoramento de políticas públicas dentro do ciclo orçamentário. E uma necessidade mais premente, que é ter, já para o ano que vem, alternativas (de revisão de gastos) para evitar contingenciamento. É melhor a gente atuar antes e ver onde a gente tem espaço (para cortar).

Quando o ministério pretende fechar isso?

Provavelmente esse mês.

Depois do combate às fraudes, qual será a segunda etapa nesse processo de revisão?

Feito o combate às fraudes, aí nós vamos para aquelas outras revisões que têm impacto (fiscal), mas, às vezes, a viabilidade (política) é mais difícil, porque elas dependem, por exemplo, de uma alteração legal. Faremos uma análise, em conjunto com a Fazenda, do que é viável e tem algum tipo de impacto. Podemos, por exemplo, juntar várias medidas de pouco impacto e, no cômputo final, termos uma economia relevante.

Essas avaliações também começam a ser feitas a partir de agora?

Sim, a gente já vai colocar essa esteira (revisão dos gastos) para funcionar para a gente ter todos os elementos na mão. Esse trabalho já começou. Não vai ficar só em palavras.

O discurso de combate à fraude sempre volta como medida de ajuste fiscal. O que é diferente agora?

Primeiro, as instituições foram melhorando. Vamos ter agora não só o arcabouço fiscal, mas também a emenda constitucional 109 (PEC Emergencial, de 2021) que coloca a necessidade de avaliação de políticas públicas no ciclo orçamentário. Agora, na lei do PPA (Plano Plarianual), colocamos que o Cmap (Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas) é o órgão que vai fazer a avaliação. Ele volta a ter o patamar legal. Além disso, no arcabouço fiscal tem duas sementes da orçamentação de médio prazo, que é uma agenda que o mercado conhece pouco e valoriza pouco, mas que eu acho que dali teremos uma mudança de paradigma.

Que sementes são essas?

Nós ampliamos as metas da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), colocamos um ano a mais. Antes, era o exercício seguinte mais dois anos. Agora, são mais quatro anos. E colocamos que o governo vai ter de fazer a projeção, que hoje é indicativa, de receitas e despesas e fazer a trajetória da dívida pública para dez anos. Hoje, o Tesouro faz relatório de projeções, só que pode mostrar um cenário que a dívida não converge, é só um alerta. O arcabouço diz que a dívida tem que ser sustentável.

O que essa mudança significa na prática?

O governo ficará preso a essa trajetória. A pergunta será: como faço para a dívida se estabilizar? Eu vou ter de dizer agora o que eu vou escolher (para corte de gastos, por exemplo). Porque a gente sempre empurra com a barriga a revisão (de despesas).

A reforma administrativa entra nesse pacote de melhoria dos gastos públicos? Seria um terceiro passo?

A discussão sobre a reforma administrativa está sendo liderada pelo Ministério da Gestão e Inovação. Nós vamos dar todo o subsídio de avaliação de políticas públicas, mas é necessário pensar o que é uma reforma administrativa. É fazer o Estado ser mais eficiente? Se sim, nós já temos várias medidas em curso, como as mudanças recentes na Comissão de Financiamentos Externos (Cofiex). Agora, claro que tem o viés da reforma pelo lado do gasto. É um dos vetores que tem de entrar mesmo, nas áreas que são ineficientes. Mas já há uma série de dispositivos para avaliar e até mesmo demitir servidor, então por que a gente não regulamenta isso via lei complementar? Será que a gente precisa mexer na Constituição? A reforma administrativa pode ser um conjunto de medidas (infraconstitucionais).

O Conselho de Acompanhamento e Monitoramento de Riscos Fiscais Judiciais se reuniu pela 1ª vez nesta semana. Qual será o papel do órgão nessa avaliação das despesas?

Nós juntamos Fazenda, Planejamento e AGU (Advocacia Geral da União) para ver o que era risco fiscal judicial na visão de cada órgã, e percebemos que cada um falava uma língua. Enquanto que o lado de lá está super preparado e organizado: há milhões de advogados bem pagos para conseguir ganho de causa contra a União. Então, a primeira coisa foi organizar e uniformizar o entendimento de onde estão os riscos fiscais judiciais. O segundo passo, agora, é a base de dados. Nós vamos juntar todos esses dados (do Tesouro, AGU, PGFN e Secretaria de Orçamento Federal), compartilhar e passar a atuar em conjunto, criando uma inteligência.

Essa inteligência vai ser usada para tentar resolver a questão dos precatórios?

Em relação aos precatórios, vamos fazer duas coisas: construir uma solução para o estoque e achar um caminho para que esse passado não volte. Porque não adianta ficar resolvendo estoque e deixar o fluxo crescer. Olhando para o futuro, nós teremos de atuar na causa. E esse conselho vai dar suporte para a gente construir soluções para conter esse fluxo.

Mas o fluxo depende das decisões da Justiça. Como o governo pretende conter isso?

Claro, eu não tenho controle da decisão do juiz. Mas, por meio dessa inteligência, eu posso começar a ver que o governo está sempre perdendo os julgamentos ligados a determinado dispositivo de uma lei X. A partir disso, vamos ver se há uma falta de entendimento da legislação ou se ela está mal escrita. Se estiver mal escrita, vamos ajustar, fazer uma regulamentação ou tentar alterar no Congresso.

A questão da subvenção para investimento e custeio das grandes empresas, que foi alvo de decisão do STJ e depois de Medida Provisória do governo, é um exemplo disso?

Com certeza. Não se trata de um precatório, mas é um litígio importante. E nós não vamos focar apenas em precatórios.

Às vésperas da entrega do Orçamento de 2024 ao Congresso, chegou-se a aventar a possibilidade de uma mudança na meta de déficit zero, o que não aconteceu. Como o sr. avalia a decisão de manter esse alvo, que é considerado desafiador pelo próprio governo?

A meta é importante para ancorar. É o que eu sempre digo: o teto de gastos foi furado várias vezes, mas imagina se não tivesse o teto? Políticas às vezes mal desenhadas poderiam ter sido aprovadas e a gente teria poucos resultados. Uma meta desafiadora torna o custo-benefício mais visível, ou seja, faz o gestor público repensar e reavaliar as suas políticas, para torná-las mais eficientes.

BRASÍLIA - Número 2 da ministra Simone Tebet no Planejamento e Orçamento, o economista Gustavo Guimarães afirma que o governo não pode colocar todas as fichas no aumento das receitas para atingir a meta fiscal de déficit zero em 2024.

Uma estratégia de revisão de gastos, segundo ele, já está em curso. O foco inicial, com efeito mais no curto prazo, será o combate a fraudes, como, por exemplo, nos benefícios da Previdência.

Guimarães afirma que o governo não vai esperar um cenário de frustração do pacote de medidas de aumento de receitas - estimado em R$ 168 bilhões - para atuar.

'Não vai ficar só em palavras', diz Guimarães sobre plano para revisão de gastos.  Foto: WILTON JUNIOR

Ele diz que o objetivo é evitar a pressão por contingenciamento (bloqueio preventivo) de despesas no Orçamento do ano que vem, quando as regras do novo arcabouço fiscal entram em vigor. O melhor cenário, de acordo com o secretário, é o governo se antecipar.

“Vamos começar a atuar naquilo que tem um impacto maior e indícios de fraudes”, afirma, em entrevista ao Estadão. Segundo ele, são duas agendas em paralelo. Uma mais estrutural, de colocar a avaliação e o monitoramento de políticas públicas dentro do ciclo orçamentário, e outra mais premente, de se ter, já no ano que vem, alternativas de revisão de gastos para evitar o contingenciamento.

“A gente já vai colocar essa esteira (de revisão dos gastos) para funcionar para termos todos os elementos na mão. Esse trabalho já começou. Não vai ficar só em palavras”, assegurou. No final deste mês, medidas nessa área já serão anunciadas, segundo Guimarães.

Há também um trabalho de inteligência relacionado aos precatórios (dívidas judiciais do governo federal), para mapear temas “sensíveis”, que têm levado a derrotas do governo na Justiça. O objetivo é identificar essas legislações “problemáticas” e, assim, reduzir a judicialização e os desembolsos da União nessa área.

Numa segunda etapa, segundo Guimarães, haverá a revisão de programas e políticas públicas - mas desde que haja viabilidade política, destaca ele. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O governo não previu reajuste dos salários dos servidores no Orçamento de 2024, o que já tem gerado pressão por parte dos funcionários públicos. Por que não houve?

Tivemos pouca margem de manobra. O reajuste do salário mínimo, que é uma diretriz , tem impacto forte (no aumento de despesas). Tem também os três pisos - de educação, saúde e investimentos - e as emendas parlamentares, que cresceram (em relação a 2023). Elas voltaram à regra de crescer com a receita (o teto de gastos limitava o aumento de despesas à variação da inflação).

Essas são as principais pressões sobre o Orçamento de 2024?

Sim. A ampliação das despesas, de R$ 129 bilhões em 2024, foi quase toda consumida por esses aumentos. E aí, todos os outros ministérios, se fizermos a visão de órgão, ficaram limitados por esse crescimento, principalmente (do piso) da saúde. A saúde foi a que mais ganhou nesse desenho novo.

Por quê?

O piso voltou a ter como base o crescimento das receitas, e não da inflação, como era no antigo teto de gastos. Portanto, voltou a ter pressão pró-cíclica. Temos que lembrar que, no arcabouço, para cumprir as metas, a gente depende de receitas. Só que, quando subimos a receita, isso impacta também as despesas. E, se os pisos crescem com a receita, teremos uma situação em que a saúde pode pressionar ainda mais o espaço das outras políticas públicas.

Esse será o grande debate fiscal daqui para frente. As receitas crescem e, consequentemente, puxam os pisos para cima?

É o que chamamos de pró-cíclico. É o que o teto (de gastos) tentou acabar.

A ideia de fazer uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para rever os pisos de saúde e educação caiu por terra?

Vai ser uma discussão agora. Colocado o novo arcabouço, todas as restrições das regras fiscais e o desafio que temos para manter o fiscal equilibrado, essa discussão vai ter de vir. Faz sentido voltar para regras pró-cíclicas num arcabouço que tem estímulos ao crescimento da receita? Vamos lembrar que o arcabouço tem um dispositivo para aumentar a arrecadação com dois objetivos: permitir que a despesa cresça, mas reservar uma parte para o superávit, para conter o crescimento da dívida. Mas, se dentro da regra há pisos que não vão crescer como as demais despesas, isso acaba tomando um espaço. Os pisos crescem a 100% das receitas, e não a 70%, como os demais gastos.

Esse é um problema já contratado?

Ao longo do tempo, sabemos que ele vai pressionar as demais despesas. São duas rubricas das mais importantes (saúde e educação). Agora, a regra tem que continuar a mesma? Tem que ser pró-cíclica? Faz sentido as outras políticas perderem espaço? O debate tem que vir. A questão da PEC é uma questão de timing. Nesse Orçamento (de 2024), ficou claro para todas as outras pastas: saúde cresce e as demais ficam estáveis em relação a 2023. Positivamente, tem o ponto de que várias das políticas foram recompostas com a PEC da Transição. Mas, a partir do ano que vem, haverá pressões por ampliação.

Secretário diz que governo fará trabalho de inteligência relacionado aos precatórios, para mapear temas 'sensíveis'. Foto: WILTON JUNIOR

Qual a solução?

Qualquer regra que não seja pró-cíclica. Pode ser a própria regra do arcabouço. Uma regra que garanta o tamanho da política pública, que proteja ela. Temos que lembrar que o piso é importante para dizer que essa política tem uma proteção constitucional. Mas o piso não é teto. Se a sociedade entende que precisa de mais recursos, pode colocar mais. É uma discussão que a sociedade vai ter de ter no próximo ciclo orçamentário ou nos futuros.

Foi com base nesse cenário que se chegou à conclusão de que não haveria espaço para o reajuste dos servidores?

Foi um Orçamento complicado por conta dessas pressões. Fizemos o melhor trabalho para manter todas as políticas públicas. Não estamos impedindo de ter aumento de servidor. Agora, vamos ter de fazer todo o trabalho ao longo da execução. Temos que lembrar que temos duas travas: a da despesa e a da meta fiscal. No passado, o que estava travando o nosso Orçamento era a regra de despesa do teto. No próximo ano, temos também a pressão da meta. Se tivermos um cenário em que a gente consiga ficar dentro do intervalo de 0,25 % (a margem de tolerância da meta fiscal do ano que vem, que vai de -0,25% a 0,25% do PIB), tem espaço para realocar dentro do Orçamento.

O Congresso não pode aprovar o reajuste dos servidores?

Pode. O Orçamento é uma construção conjunta. A gente manda a proposta original e o Congresso pode trabalhar. Mas ele terá de dizer qual será a fonte (de financiamento).

O que o sr. está querendo dizer é que, ao longo de 2024, se tiver espaço, o governo dará o reajuste?

Aí vem a nossa agenda. Estamos trabalhando com uma agenda de revisão de gastos. É uma agenda que o Ministério do Planejamento vai tocar em conjunto com a Fazenda. Vamos fazer uma revisão de gastos em que vamos focar, principalmente, nos casos de fraudes. Vamos começar a atuar naquilo que tem um impacto maior e indícios de fraudes.

Mas onde?

Tem a política de Previdência. Há um trabalho, inclusive do TCU (Tribunal de Contas da União), apontando que existem muitos indícios de evasão e fraude. Ali, tem um espaço para atuar. Existem várias políticas públicas que sabemos que têm beneficiários que não deveriam estar recebendo. Eu comentei o trabalho que foi feito neste ano no Bolsa Família, com as famílias unipessoais (com uma única pessoa). Vamos continuar fazendo esse trabalho e isso abrirá espaço dentro das despesas.

Qual o potencial de corte de despesas com o combate às fraudes?

Estamos levantando. Não tem o número ainda.

Há uma crítica de que o governo não corta gastos. O que será feito pelo lado das despesas?

Eu sei que tem uma demanda muito grande do lado das despesas. O paradigma é o seguinte: desde o teto, ficamos bastante focados na ótica da despesa. Fazia o ajuste via despesa, o que foi uma coisa que enfraqueceu a própria meta fiscal. A meta poderia ter sido um instrumento para não abrir mão de receitas. Mas não podemos ser totalmente enviesados agora, e cometer o erro para o outro lado, que é o de colocar todas as fichas nas receitas. Claro, iniciamos pelas receitas com todo o trabalho de encaminhar as medidas para poder fazer a meta fiscal de déficit zero. Mas vamos deixar pronto todo um trabalho de revisão de gastos para ser uma estratégia caso haja frustração de receitas. A meta está definida. Se não fizermos nada e tivermos qualquer dificuldade com aumento de receitas, vamos ter de fazer o que em 2024? Contigenciar.

É melhor se antecipar?

Isso. Um ponto importante é que o novo arcabouço tem vários mecanismos automáticos (para corte de despesas). Se não agirmos previamente, olha o conjunto de punições que vão vir. O contingenciamento é o primeiro. Vamos ter de contingenciar. Já é ruim. Tem que apagar o incêndio, escolher o que contingencia. E, se não atingirmos a meta, mesmo com os contingenciamentos, aí aciona a regra que reduz de 70% para 50% (da variação de arrecadação, que serve de base para o aumento real das despesas).

Em que estágio está essa agenda de revisão de gastos?

Começamos a fazer o mapeamento e agora vamos conversar com os gestores das políticas, porque será um trabalho conjunto. Há uma equipe dedicada a isso dentro do ministério (a secretaria de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas e Assuntos Econômicos).

Mas até agora essa secretaria não disse onde vai cortar…

É o começo. Isso está sendo construído. São duas agendas em paralelo. Uma mais estrutural, de colocar a avaliação e o monitoramento de políticas públicas dentro do ciclo orçamentário. E uma necessidade mais premente, que é ter, já para o ano que vem, alternativas (de revisão de gastos) para evitar contingenciamento. É melhor a gente atuar antes e ver onde a gente tem espaço (para cortar).

Quando o ministério pretende fechar isso?

Provavelmente esse mês.

Depois do combate às fraudes, qual será a segunda etapa nesse processo de revisão?

Feito o combate às fraudes, aí nós vamos para aquelas outras revisões que têm impacto (fiscal), mas, às vezes, a viabilidade (política) é mais difícil, porque elas dependem, por exemplo, de uma alteração legal. Faremos uma análise, em conjunto com a Fazenda, do que é viável e tem algum tipo de impacto. Podemos, por exemplo, juntar várias medidas de pouco impacto e, no cômputo final, termos uma economia relevante.

Essas avaliações também começam a ser feitas a partir de agora?

Sim, a gente já vai colocar essa esteira (revisão dos gastos) para funcionar para a gente ter todos os elementos na mão. Esse trabalho já começou. Não vai ficar só em palavras.

O discurso de combate à fraude sempre volta como medida de ajuste fiscal. O que é diferente agora?

Primeiro, as instituições foram melhorando. Vamos ter agora não só o arcabouço fiscal, mas também a emenda constitucional 109 (PEC Emergencial, de 2021) que coloca a necessidade de avaliação de políticas públicas no ciclo orçamentário. Agora, na lei do PPA (Plano Plarianual), colocamos que o Cmap (Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas) é o órgão que vai fazer a avaliação. Ele volta a ter o patamar legal. Além disso, no arcabouço fiscal tem duas sementes da orçamentação de médio prazo, que é uma agenda que o mercado conhece pouco e valoriza pouco, mas que eu acho que dali teremos uma mudança de paradigma.

Que sementes são essas?

Nós ampliamos as metas da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), colocamos um ano a mais. Antes, era o exercício seguinte mais dois anos. Agora, são mais quatro anos. E colocamos que o governo vai ter de fazer a projeção, que hoje é indicativa, de receitas e despesas e fazer a trajetória da dívida pública para dez anos. Hoje, o Tesouro faz relatório de projeções, só que pode mostrar um cenário que a dívida não converge, é só um alerta. O arcabouço diz que a dívida tem que ser sustentável.

O que essa mudança significa na prática?

O governo ficará preso a essa trajetória. A pergunta será: como faço para a dívida se estabilizar? Eu vou ter de dizer agora o que eu vou escolher (para corte de gastos, por exemplo). Porque a gente sempre empurra com a barriga a revisão (de despesas).

A reforma administrativa entra nesse pacote de melhoria dos gastos públicos? Seria um terceiro passo?

A discussão sobre a reforma administrativa está sendo liderada pelo Ministério da Gestão e Inovação. Nós vamos dar todo o subsídio de avaliação de políticas públicas, mas é necessário pensar o que é uma reforma administrativa. É fazer o Estado ser mais eficiente? Se sim, nós já temos várias medidas em curso, como as mudanças recentes na Comissão de Financiamentos Externos (Cofiex). Agora, claro que tem o viés da reforma pelo lado do gasto. É um dos vetores que tem de entrar mesmo, nas áreas que são ineficientes. Mas já há uma série de dispositivos para avaliar e até mesmo demitir servidor, então por que a gente não regulamenta isso via lei complementar? Será que a gente precisa mexer na Constituição? A reforma administrativa pode ser um conjunto de medidas (infraconstitucionais).

O Conselho de Acompanhamento e Monitoramento de Riscos Fiscais Judiciais se reuniu pela 1ª vez nesta semana. Qual será o papel do órgão nessa avaliação das despesas?

Nós juntamos Fazenda, Planejamento e AGU (Advocacia Geral da União) para ver o que era risco fiscal judicial na visão de cada órgã, e percebemos que cada um falava uma língua. Enquanto que o lado de lá está super preparado e organizado: há milhões de advogados bem pagos para conseguir ganho de causa contra a União. Então, a primeira coisa foi organizar e uniformizar o entendimento de onde estão os riscos fiscais judiciais. O segundo passo, agora, é a base de dados. Nós vamos juntar todos esses dados (do Tesouro, AGU, PGFN e Secretaria de Orçamento Federal), compartilhar e passar a atuar em conjunto, criando uma inteligência.

Essa inteligência vai ser usada para tentar resolver a questão dos precatórios?

Em relação aos precatórios, vamos fazer duas coisas: construir uma solução para o estoque e achar um caminho para que esse passado não volte. Porque não adianta ficar resolvendo estoque e deixar o fluxo crescer. Olhando para o futuro, nós teremos de atuar na causa. E esse conselho vai dar suporte para a gente construir soluções para conter esse fluxo.

Mas o fluxo depende das decisões da Justiça. Como o governo pretende conter isso?

Claro, eu não tenho controle da decisão do juiz. Mas, por meio dessa inteligência, eu posso começar a ver que o governo está sempre perdendo os julgamentos ligados a determinado dispositivo de uma lei X. A partir disso, vamos ver se há uma falta de entendimento da legislação ou se ela está mal escrita. Se estiver mal escrita, vamos ajustar, fazer uma regulamentação ou tentar alterar no Congresso.

A questão da subvenção para investimento e custeio das grandes empresas, que foi alvo de decisão do STJ e depois de Medida Provisória do governo, é um exemplo disso?

Com certeza. Não se trata de um precatório, mas é um litígio importante. E nós não vamos focar apenas em precatórios.

Às vésperas da entrega do Orçamento de 2024 ao Congresso, chegou-se a aventar a possibilidade de uma mudança na meta de déficit zero, o que não aconteceu. Como o sr. avalia a decisão de manter esse alvo, que é considerado desafiador pelo próprio governo?

A meta é importante para ancorar. É o que eu sempre digo: o teto de gastos foi furado várias vezes, mas imagina se não tivesse o teto? Políticas às vezes mal desenhadas poderiam ter sido aprovadas e a gente teria poucos resultados. Uma meta desafiadora torna o custo-benefício mais visível, ou seja, faz o gestor público repensar e reavaliar as suas políticas, para torná-las mais eficientes.

BRASÍLIA - Número 2 da ministra Simone Tebet no Planejamento e Orçamento, o economista Gustavo Guimarães afirma que o governo não pode colocar todas as fichas no aumento das receitas para atingir a meta fiscal de déficit zero em 2024.

Uma estratégia de revisão de gastos, segundo ele, já está em curso. O foco inicial, com efeito mais no curto prazo, será o combate a fraudes, como, por exemplo, nos benefícios da Previdência.

Guimarães afirma que o governo não vai esperar um cenário de frustração do pacote de medidas de aumento de receitas - estimado em R$ 168 bilhões - para atuar.

'Não vai ficar só em palavras', diz Guimarães sobre plano para revisão de gastos.  Foto: WILTON JUNIOR

Ele diz que o objetivo é evitar a pressão por contingenciamento (bloqueio preventivo) de despesas no Orçamento do ano que vem, quando as regras do novo arcabouço fiscal entram em vigor. O melhor cenário, de acordo com o secretário, é o governo se antecipar.

“Vamos começar a atuar naquilo que tem um impacto maior e indícios de fraudes”, afirma, em entrevista ao Estadão. Segundo ele, são duas agendas em paralelo. Uma mais estrutural, de colocar a avaliação e o monitoramento de políticas públicas dentro do ciclo orçamentário, e outra mais premente, de se ter, já no ano que vem, alternativas de revisão de gastos para evitar o contingenciamento.

“A gente já vai colocar essa esteira (de revisão dos gastos) para funcionar para termos todos os elementos na mão. Esse trabalho já começou. Não vai ficar só em palavras”, assegurou. No final deste mês, medidas nessa área já serão anunciadas, segundo Guimarães.

Há também um trabalho de inteligência relacionado aos precatórios (dívidas judiciais do governo federal), para mapear temas “sensíveis”, que têm levado a derrotas do governo na Justiça. O objetivo é identificar essas legislações “problemáticas” e, assim, reduzir a judicialização e os desembolsos da União nessa área.

Numa segunda etapa, segundo Guimarães, haverá a revisão de programas e políticas públicas - mas desde que haja viabilidade política, destaca ele. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O governo não previu reajuste dos salários dos servidores no Orçamento de 2024, o que já tem gerado pressão por parte dos funcionários públicos. Por que não houve?

Tivemos pouca margem de manobra. O reajuste do salário mínimo, que é uma diretriz , tem impacto forte (no aumento de despesas). Tem também os três pisos - de educação, saúde e investimentos - e as emendas parlamentares, que cresceram (em relação a 2023). Elas voltaram à regra de crescer com a receita (o teto de gastos limitava o aumento de despesas à variação da inflação).

Essas são as principais pressões sobre o Orçamento de 2024?

Sim. A ampliação das despesas, de R$ 129 bilhões em 2024, foi quase toda consumida por esses aumentos. E aí, todos os outros ministérios, se fizermos a visão de órgão, ficaram limitados por esse crescimento, principalmente (do piso) da saúde. A saúde foi a que mais ganhou nesse desenho novo.

Por quê?

O piso voltou a ter como base o crescimento das receitas, e não da inflação, como era no antigo teto de gastos. Portanto, voltou a ter pressão pró-cíclica. Temos que lembrar que, no arcabouço, para cumprir as metas, a gente depende de receitas. Só que, quando subimos a receita, isso impacta também as despesas. E, se os pisos crescem com a receita, teremos uma situação em que a saúde pode pressionar ainda mais o espaço das outras políticas públicas.

Esse será o grande debate fiscal daqui para frente. As receitas crescem e, consequentemente, puxam os pisos para cima?

É o que chamamos de pró-cíclico. É o que o teto (de gastos) tentou acabar.

A ideia de fazer uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para rever os pisos de saúde e educação caiu por terra?

Vai ser uma discussão agora. Colocado o novo arcabouço, todas as restrições das regras fiscais e o desafio que temos para manter o fiscal equilibrado, essa discussão vai ter de vir. Faz sentido voltar para regras pró-cíclicas num arcabouço que tem estímulos ao crescimento da receita? Vamos lembrar que o arcabouço tem um dispositivo para aumentar a arrecadação com dois objetivos: permitir que a despesa cresça, mas reservar uma parte para o superávit, para conter o crescimento da dívida. Mas, se dentro da regra há pisos que não vão crescer como as demais despesas, isso acaba tomando um espaço. Os pisos crescem a 100% das receitas, e não a 70%, como os demais gastos.

Esse é um problema já contratado?

Ao longo do tempo, sabemos que ele vai pressionar as demais despesas. São duas rubricas das mais importantes (saúde e educação). Agora, a regra tem que continuar a mesma? Tem que ser pró-cíclica? Faz sentido as outras políticas perderem espaço? O debate tem que vir. A questão da PEC é uma questão de timing. Nesse Orçamento (de 2024), ficou claro para todas as outras pastas: saúde cresce e as demais ficam estáveis em relação a 2023. Positivamente, tem o ponto de que várias das políticas foram recompostas com a PEC da Transição. Mas, a partir do ano que vem, haverá pressões por ampliação.

Secretário diz que governo fará trabalho de inteligência relacionado aos precatórios, para mapear temas 'sensíveis'. Foto: WILTON JUNIOR

Qual a solução?

Qualquer regra que não seja pró-cíclica. Pode ser a própria regra do arcabouço. Uma regra que garanta o tamanho da política pública, que proteja ela. Temos que lembrar que o piso é importante para dizer que essa política tem uma proteção constitucional. Mas o piso não é teto. Se a sociedade entende que precisa de mais recursos, pode colocar mais. É uma discussão que a sociedade vai ter de ter no próximo ciclo orçamentário ou nos futuros.

Foi com base nesse cenário que se chegou à conclusão de que não haveria espaço para o reajuste dos servidores?

Foi um Orçamento complicado por conta dessas pressões. Fizemos o melhor trabalho para manter todas as políticas públicas. Não estamos impedindo de ter aumento de servidor. Agora, vamos ter de fazer todo o trabalho ao longo da execução. Temos que lembrar que temos duas travas: a da despesa e a da meta fiscal. No passado, o que estava travando o nosso Orçamento era a regra de despesa do teto. No próximo ano, temos também a pressão da meta. Se tivermos um cenário em que a gente consiga ficar dentro do intervalo de 0,25 % (a margem de tolerância da meta fiscal do ano que vem, que vai de -0,25% a 0,25% do PIB), tem espaço para realocar dentro do Orçamento.

O Congresso não pode aprovar o reajuste dos servidores?

Pode. O Orçamento é uma construção conjunta. A gente manda a proposta original e o Congresso pode trabalhar. Mas ele terá de dizer qual será a fonte (de financiamento).

O que o sr. está querendo dizer é que, ao longo de 2024, se tiver espaço, o governo dará o reajuste?

Aí vem a nossa agenda. Estamos trabalhando com uma agenda de revisão de gastos. É uma agenda que o Ministério do Planejamento vai tocar em conjunto com a Fazenda. Vamos fazer uma revisão de gastos em que vamos focar, principalmente, nos casos de fraudes. Vamos começar a atuar naquilo que tem um impacto maior e indícios de fraudes.

Mas onde?

Tem a política de Previdência. Há um trabalho, inclusive do TCU (Tribunal de Contas da União), apontando que existem muitos indícios de evasão e fraude. Ali, tem um espaço para atuar. Existem várias políticas públicas que sabemos que têm beneficiários que não deveriam estar recebendo. Eu comentei o trabalho que foi feito neste ano no Bolsa Família, com as famílias unipessoais (com uma única pessoa). Vamos continuar fazendo esse trabalho e isso abrirá espaço dentro das despesas.

Qual o potencial de corte de despesas com o combate às fraudes?

Estamos levantando. Não tem o número ainda.

Há uma crítica de que o governo não corta gastos. O que será feito pelo lado das despesas?

Eu sei que tem uma demanda muito grande do lado das despesas. O paradigma é o seguinte: desde o teto, ficamos bastante focados na ótica da despesa. Fazia o ajuste via despesa, o que foi uma coisa que enfraqueceu a própria meta fiscal. A meta poderia ter sido um instrumento para não abrir mão de receitas. Mas não podemos ser totalmente enviesados agora, e cometer o erro para o outro lado, que é o de colocar todas as fichas nas receitas. Claro, iniciamos pelas receitas com todo o trabalho de encaminhar as medidas para poder fazer a meta fiscal de déficit zero. Mas vamos deixar pronto todo um trabalho de revisão de gastos para ser uma estratégia caso haja frustração de receitas. A meta está definida. Se não fizermos nada e tivermos qualquer dificuldade com aumento de receitas, vamos ter de fazer o que em 2024? Contigenciar.

É melhor se antecipar?

Isso. Um ponto importante é que o novo arcabouço tem vários mecanismos automáticos (para corte de despesas). Se não agirmos previamente, olha o conjunto de punições que vão vir. O contingenciamento é o primeiro. Vamos ter de contingenciar. Já é ruim. Tem que apagar o incêndio, escolher o que contingencia. E, se não atingirmos a meta, mesmo com os contingenciamentos, aí aciona a regra que reduz de 70% para 50% (da variação de arrecadação, que serve de base para o aumento real das despesas).

Em que estágio está essa agenda de revisão de gastos?

Começamos a fazer o mapeamento e agora vamos conversar com os gestores das políticas, porque será um trabalho conjunto. Há uma equipe dedicada a isso dentro do ministério (a secretaria de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas e Assuntos Econômicos).

Mas até agora essa secretaria não disse onde vai cortar…

É o começo. Isso está sendo construído. São duas agendas em paralelo. Uma mais estrutural, de colocar a avaliação e o monitoramento de políticas públicas dentro do ciclo orçamentário. E uma necessidade mais premente, que é ter, já para o ano que vem, alternativas (de revisão de gastos) para evitar contingenciamento. É melhor a gente atuar antes e ver onde a gente tem espaço (para cortar).

Quando o ministério pretende fechar isso?

Provavelmente esse mês.

Depois do combate às fraudes, qual será a segunda etapa nesse processo de revisão?

Feito o combate às fraudes, aí nós vamos para aquelas outras revisões que têm impacto (fiscal), mas, às vezes, a viabilidade (política) é mais difícil, porque elas dependem, por exemplo, de uma alteração legal. Faremos uma análise, em conjunto com a Fazenda, do que é viável e tem algum tipo de impacto. Podemos, por exemplo, juntar várias medidas de pouco impacto e, no cômputo final, termos uma economia relevante.

Essas avaliações também começam a ser feitas a partir de agora?

Sim, a gente já vai colocar essa esteira (revisão dos gastos) para funcionar para a gente ter todos os elementos na mão. Esse trabalho já começou. Não vai ficar só em palavras.

O discurso de combate à fraude sempre volta como medida de ajuste fiscal. O que é diferente agora?

Primeiro, as instituições foram melhorando. Vamos ter agora não só o arcabouço fiscal, mas também a emenda constitucional 109 (PEC Emergencial, de 2021) que coloca a necessidade de avaliação de políticas públicas no ciclo orçamentário. Agora, na lei do PPA (Plano Plarianual), colocamos que o Cmap (Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas) é o órgão que vai fazer a avaliação. Ele volta a ter o patamar legal. Além disso, no arcabouço fiscal tem duas sementes da orçamentação de médio prazo, que é uma agenda que o mercado conhece pouco e valoriza pouco, mas que eu acho que dali teremos uma mudança de paradigma.

Que sementes são essas?

Nós ampliamos as metas da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), colocamos um ano a mais. Antes, era o exercício seguinte mais dois anos. Agora, são mais quatro anos. E colocamos que o governo vai ter de fazer a projeção, que hoje é indicativa, de receitas e despesas e fazer a trajetória da dívida pública para dez anos. Hoje, o Tesouro faz relatório de projeções, só que pode mostrar um cenário que a dívida não converge, é só um alerta. O arcabouço diz que a dívida tem que ser sustentável.

O que essa mudança significa na prática?

O governo ficará preso a essa trajetória. A pergunta será: como faço para a dívida se estabilizar? Eu vou ter de dizer agora o que eu vou escolher (para corte de gastos, por exemplo). Porque a gente sempre empurra com a barriga a revisão (de despesas).

A reforma administrativa entra nesse pacote de melhoria dos gastos públicos? Seria um terceiro passo?

A discussão sobre a reforma administrativa está sendo liderada pelo Ministério da Gestão e Inovação. Nós vamos dar todo o subsídio de avaliação de políticas públicas, mas é necessário pensar o que é uma reforma administrativa. É fazer o Estado ser mais eficiente? Se sim, nós já temos várias medidas em curso, como as mudanças recentes na Comissão de Financiamentos Externos (Cofiex). Agora, claro que tem o viés da reforma pelo lado do gasto. É um dos vetores que tem de entrar mesmo, nas áreas que são ineficientes. Mas já há uma série de dispositivos para avaliar e até mesmo demitir servidor, então por que a gente não regulamenta isso via lei complementar? Será que a gente precisa mexer na Constituição? A reforma administrativa pode ser um conjunto de medidas (infraconstitucionais).

O Conselho de Acompanhamento e Monitoramento de Riscos Fiscais Judiciais se reuniu pela 1ª vez nesta semana. Qual será o papel do órgão nessa avaliação das despesas?

Nós juntamos Fazenda, Planejamento e AGU (Advocacia Geral da União) para ver o que era risco fiscal judicial na visão de cada órgã, e percebemos que cada um falava uma língua. Enquanto que o lado de lá está super preparado e organizado: há milhões de advogados bem pagos para conseguir ganho de causa contra a União. Então, a primeira coisa foi organizar e uniformizar o entendimento de onde estão os riscos fiscais judiciais. O segundo passo, agora, é a base de dados. Nós vamos juntar todos esses dados (do Tesouro, AGU, PGFN e Secretaria de Orçamento Federal), compartilhar e passar a atuar em conjunto, criando uma inteligência.

Essa inteligência vai ser usada para tentar resolver a questão dos precatórios?

Em relação aos precatórios, vamos fazer duas coisas: construir uma solução para o estoque e achar um caminho para que esse passado não volte. Porque não adianta ficar resolvendo estoque e deixar o fluxo crescer. Olhando para o futuro, nós teremos de atuar na causa. E esse conselho vai dar suporte para a gente construir soluções para conter esse fluxo.

Mas o fluxo depende das decisões da Justiça. Como o governo pretende conter isso?

Claro, eu não tenho controle da decisão do juiz. Mas, por meio dessa inteligência, eu posso começar a ver que o governo está sempre perdendo os julgamentos ligados a determinado dispositivo de uma lei X. A partir disso, vamos ver se há uma falta de entendimento da legislação ou se ela está mal escrita. Se estiver mal escrita, vamos ajustar, fazer uma regulamentação ou tentar alterar no Congresso.

A questão da subvenção para investimento e custeio das grandes empresas, que foi alvo de decisão do STJ e depois de Medida Provisória do governo, é um exemplo disso?

Com certeza. Não se trata de um precatório, mas é um litígio importante. E nós não vamos focar apenas em precatórios.

Às vésperas da entrega do Orçamento de 2024 ao Congresso, chegou-se a aventar a possibilidade de uma mudança na meta de déficit zero, o que não aconteceu. Como o sr. avalia a decisão de manter esse alvo, que é considerado desafiador pelo próprio governo?

A meta é importante para ancorar. É o que eu sempre digo: o teto de gastos foi furado várias vezes, mas imagina se não tivesse o teto? Políticas às vezes mal desenhadas poderiam ter sido aprovadas e a gente teria poucos resultados. Uma meta desafiadora torna o custo-benefício mais visível, ou seja, faz o gestor público repensar e reavaliar as suas políticas, para torná-las mais eficientes.

Entrevista por Adriana Fernandes

Repórter especial de Economia em Brasília

Bianca Lima

Repórter especial do Estadão em Brasília, com experiência em macroeconomia, contas públicas e tributação. Foi repórter da GloboNews e do g1 e bolsista do International Center for Journalists (ICFJ), com sede em Washington. Tem MBA em economia e mercado financeiro pela B3. Vencedora dos prêmios CNH, Abecip, FNP e Estadão.

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