‘Não será possível fazer a transição digital sem a transição ecológica’, diz CEO da Capgemini


Segundo Aiman Ezzat, novas tendências mudaram o papel das consultorias, que, em vez de focar em aprimorar os processos das empresas, agora as ajudam a criar novos produtos e serviços

Por Carlos Eduardo Valim
Atualização:
Foto: Divulgação Capgemini
Entrevista comAiman EzzatCEO da Capgemini

Liderando uma empresa com faturamento de € 22,5 bilhões (o equivalente a R$ 129 bilhões) e 340 mil funcionários espalhados por mais de 50 países (apenas no Brasil são 5 mil pessoas), o trabalho do CEO da consultoria francesa Capgemini, o engenheiro químico Aiman Ezzat, consiste não só em administrar uma empresa de imensas proporções. Mas também em ajudar diversas outras grandes empresas globais a atravessarem as mudanças tecnológicas que estão pela frente.

Atualmente, cerca de 170 das 200 maiores empresas privadas do mundo estão entre as clientes da Capgemini, que comprou o braço de consultoria da Ernst & Young em 2000 e a brasileira CPM Braxis, em 2010. Mas, enquanto nas últimas décadas muito do trabalho das consultorias, estava em ajudar as companhias a serem mais eficientes, aprimorando processos, digitalizando tarefas internas e o relacionamento com os clientes, além de terceirizar atividades que não eram as principais para os seus negócios, uma mudança recente tem redirecionado as demandas.

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A introdução da inteligência artificial generativa e a tendência global de digitalização e de transição energética estão incentivando as consultorias a diversificarem seus trabalho e ajudarem as empresas a criarem novos produtos e serviços, que podem trazer novas fontes de receitas. Para Ezzat, está em curso uma revolução eco-digital, que são duas transições interligadas, que causará impactos econômicos e sociais equivalentes ao da Revolução Industrial.

Leia a seguir os principais pontos da entrevista:

O trabalho das consultorias como a Capgemini mudou nos últimos anos?

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Durante muito tempo, o foco ficava em dar mais eficiência para as empresas, em construir aplicações de infraestrutura financeira e melhorar processos. Em resumo, estava em ajudar a administrar melhor as empresas. Atualmente, estamos construindo produtos, administrando a relação com os clientes ou trabalhando em melhorar a eficiência energética. Estamos combinando os mundos físico e digital. Por exemplo, nos últimos tempos, investimos fortemente em engenharia, e hoje somos a maior empresa de serviços de engenharia do mundo. Isso porque precisamos ter pessoas com conhecimentos mecânicos, de eletrônica e de estruturas. Se queremos trabalhar na construção de uma nova plataforma digital de um carro, precisamos entender como um veículo opera, mesmo que a maior parte das inovações deles agora estejam no software. Não existe o digital sem o físico.

Isso não vai na contramão do que se diz que tudo está ficando mais digital?

Uma coisa que tendo a discordar é quando as pessoas dizem que hoje toda empresa é uma empresa de tecnologia. De fato, toda empresa precisa incorporar tecnologia. Nem todas as empresas podem ser montadoras de veículos, bancos ou farmacêuticas, mas todas precisam aprender a usar tecnologia. Isso não significa que sejam empresas de tecnologia. O nosso papel, no entanto, está mudando. Nós começamos levando o uso de internet e a mobilidade para dentro das empresas. Depois, entramos no relacionamento delas com os clientes, uma vez que esse contato passou a ser digital. Então, começamos a mostrar como utilizar os dados coletados pelos canais digitais para vender mais serviços e fazer vendas cruzadas de produtos. Agora, estamos construindo produtos. Os carros são construídos em torno da arquitetura de software. Em serviços elétricos, os grids são digitais para atender às necessidades atuais. No futuro, no coração de cada produto ou serviço, estará algo digital, que permite administrar dados e otimizar as operações. Mas essas plataformas precisam ser construídas, para se chegar ao conceito de indústria inteligente.

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De certa forma, toda essa revolução digital significa uma volta para as origens, apesar de ser sob uma luz diferente, em que o mais importante para as empresas é a oferta de bons produtos e serviços?

Sim. Falamos agora sobre produção baseada em dados, digitalização, busca pela qualidade, cadeia de fornecimento inteligente, sobre como a tecnologia ajuda em toda a cadeia de valor da empresa, em pesquisa e desenvolvimento, sobre como administrar uma empresa e em como atrair consumidores. Tudo isso tem como base a transformação digital da economia. Para mim, é algo equivalente à Revolução Industrial. A revolução digital vai ter o mesmo impacto para a evolução da economia e da sociedade que teve a Revolução Industrial. Ao mesmo tempo, o maior desafio da atual geração e da próxima é a mudança climática. Como vamos lidar com o fato de que existem recursos escassos e, se utilizarmos eles mal, vamos acabar com tudo? Então, se vamos investir trilhões de dólares para migrarmos para uma economia digital, é melhor que façamos isso de forma que seja também sustentável. Então, falamos na verdade de uma transição gêmea, para uma economia eco-digital. Não será possível fazer uma sem a outra. Elas estão interligadas.

Como isso deve acontecer?

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Quando se constrói uma nova fábrica, deve-se pensar nas duas coisas. O local vai ser digital, mas deve ser sustentável ao mesmo tempo, trazendo eficiência energética e formas de reduzir os resíduos. Uma empresa de produtos de beleza precisa considerar quais ingredientes podem ser usados para causar menor impacto para o ecossistema. Quando se trata de uma fábrica nova, é fácil pensar assim. O grande desafio é com as estruturas já existentes: como melhorar a eficiência energética de uma construção antiga. Temos uma grande operação na Índia, com 170 mil pessoas. Em muitas cidades e nos campi que operamos, criamos centros de controle de energia, assim gerenciamos o uso da energia a partir de um único local. Então, utilizamos energia solar, gerenciamento de temperatura centralizado e conseguimos ganhar, em 12 meses, uma eficiência de 29%. Com inteligência artificial, é possível perceber momentos com poucas pessoas trabalhando, em que a refrigeração pode ser diminuída em 50%. E tudo isso é feito automaticamente, sem a necessidade de atuação humana.

Painéis solares na Costa do Marfim: tecnologia vem se tornando cada vez mais acessível Foto: Sia Kambou/AFP

Durante muito tempo, se reclamava que muitas empresas falavam de sustentabilidade apenas como forma de marketing. Isso mudou?

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Todo mundo quer parecer bem. Então, às vezes, algumas pessoas podem ter utilizado o conceito como uma forma de marketing. Mas muitas pessoas estão trabalhando duro e investindo muito dinheiro para realmente estimular uma transição sustentável.

Há uma pressão em cima dos CEOs para realmente fazerem isso?

A pressão vem da sociedade como um todo, de reguladores, e em especial por parte dos investidores, mas também dos funcionários. Pouco se fala dos funcionários. Eles têm expectativas de que suas empresas sejam éticas, façam as coisas certas para o planeta, ou então vão evitar trabalhar para a empresa. A pressão estimula o uso de soluções disponíveis atualmente, mas também a busca por mais inovação. Por exemplo, o hidrogênio verde pode não ser uma solução econômica atual, mas em 15 ou 20 anos, se a produção se acelerar, pode ser algo relevante. As fontes renováveis não eram economicamente viáveis há 20 anos, e agora são. Mas governos e o setor público também devem ajudar, provendo incentivos, créditos fiscais ou outras formas de estímulos para os investimentos iniciais, para que novas tecnologias sejam rentáveis no futuro e ajudem toda a sociedade.

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Como a inteligência artificial pode ajudar nessa transição?

O que está se chamando de inteligência artificial generativa (que permite a interação com os humanos) ajuda o trabalho com dados de forma a termos uma grande fonte para tirar conclusões e para tomarmos as melhores decisões para resolver problemas e prever cenários. Podemos analisar informações num volume que era impossível anteriormente. E ela permite irmos além dos dados, por que podem tratar de imagens e vídeos também. Uma empresa farmacêutica, por exemplo, pode analisar, de forma simples, dados de pesquisas coletados por 30 anos. Com isso, pode criar modelos para refinar essas informações e mais rapidamente descobrir a molécula com maior porcentagem de funcionar para certa doença. Isso pode reduzir os custos de desenvolvimento de novos medicamentos. Com esta nova geração de inteligência artificial, ficou muito palpável a capacidade de benefícios da tecnologia. Os executivos entenderam o que é possível fazer, e isso acelerou o apetite dos clientes pelo uso de tecnologias.

Liderando uma empresa com faturamento de € 22,5 bilhões (o equivalente a R$ 129 bilhões) e 340 mil funcionários espalhados por mais de 50 países (apenas no Brasil são 5 mil pessoas), o trabalho do CEO da consultoria francesa Capgemini, o engenheiro químico Aiman Ezzat, consiste não só em administrar uma empresa de imensas proporções. Mas também em ajudar diversas outras grandes empresas globais a atravessarem as mudanças tecnológicas que estão pela frente.

Atualmente, cerca de 170 das 200 maiores empresas privadas do mundo estão entre as clientes da Capgemini, que comprou o braço de consultoria da Ernst & Young em 2000 e a brasileira CPM Braxis, em 2010. Mas, enquanto nas últimas décadas muito do trabalho das consultorias, estava em ajudar as companhias a serem mais eficientes, aprimorando processos, digitalizando tarefas internas e o relacionamento com os clientes, além de terceirizar atividades que não eram as principais para os seus negócios, uma mudança recente tem redirecionado as demandas.

A introdução da inteligência artificial generativa e a tendência global de digitalização e de transição energética estão incentivando as consultorias a diversificarem seus trabalho e ajudarem as empresas a criarem novos produtos e serviços, que podem trazer novas fontes de receitas. Para Ezzat, está em curso uma revolução eco-digital, que são duas transições interligadas, que causará impactos econômicos e sociais equivalentes ao da Revolução Industrial.

Leia a seguir os principais pontos da entrevista:

O trabalho das consultorias como a Capgemini mudou nos últimos anos?

Durante muito tempo, o foco ficava em dar mais eficiência para as empresas, em construir aplicações de infraestrutura financeira e melhorar processos. Em resumo, estava em ajudar a administrar melhor as empresas. Atualmente, estamos construindo produtos, administrando a relação com os clientes ou trabalhando em melhorar a eficiência energética. Estamos combinando os mundos físico e digital. Por exemplo, nos últimos tempos, investimos fortemente em engenharia, e hoje somos a maior empresa de serviços de engenharia do mundo. Isso porque precisamos ter pessoas com conhecimentos mecânicos, de eletrônica e de estruturas. Se queremos trabalhar na construção de uma nova plataforma digital de um carro, precisamos entender como um veículo opera, mesmo que a maior parte das inovações deles agora estejam no software. Não existe o digital sem o físico.

Isso não vai na contramão do que se diz que tudo está ficando mais digital?

Uma coisa que tendo a discordar é quando as pessoas dizem que hoje toda empresa é uma empresa de tecnologia. De fato, toda empresa precisa incorporar tecnologia. Nem todas as empresas podem ser montadoras de veículos, bancos ou farmacêuticas, mas todas precisam aprender a usar tecnologia. Isso não significa que sejam empresas de tecnologia. O nosso papel, no entanto, está mudando. Nós começamos levando o uso de internet e a mobilidade para dentro das empresas. Depois, entramos no relacionamento delas com os clientes, uma vez que esse contato passou a ser digital. Então, começamos a mostrar como utilizar os dados coletados pelos canais digitais para vender mais serviços e fazer vendas cruzadas de produtos. Agora, estamos construindo produtos. Os carros são construídos em torno da arquitetura de software. Em serviços elétricos, os grids são digitais para atender às necessidades atuais. No futuro, no coração de cada produto ou serviço, estará algo digital, que permite administrar dados e otimizar as operações. Mas essas plataformas precisam ser construídas, para se chegar ao conceito de indústria inteligente.

De certa forma, toda essa revolução digital significa uma volta para as origens, apesar de ser sob uma luz diferente, em que o mais importante para as empresas é a oferta de bons produtos e serviços?

Sim. Falamos agora sobre produção baseada em dados, digitalização, busca pela qualidade, cadeia de fornecimento inteligente, sobre como a tecnologia ajuda em toda a cadeia de valor da empresa, em pesquisa e desenvolvimento, sobre como administrar uma empresa e em como atrair consumidores. Tudo isso tem como base a transformação digital da economia. Para mim, é algo equivalente à Revolução Industrial. A revolução digital vai ter o mesmo impacto para a evolução da economia e da sociedade que teve a Revolução Industrial. Ao mesmo tempo, o maior desafio da atual geração e da próxima é a mudança climática. Como vamos lidar com o fato de que existem recursos escassos e, se utilizarmos eles mal, vamos acabar com tudo? Então, se vamos investir trilhões de dólares para migrarmos para uma economia digital, é melhor que façamos isso de forma que seja também sustentável. Então, falamos na verdade de uma transição gêmea, para uma economia eco-digital. Não será possível fazer uma sem a outra. Elas estão interligadas.

Como isso deve acontecer?

Quando se constrói uma nova fábrica, deve-se pensar nas duas coisas. O local vai ser digital, mas deve ser sustentável ao mesmo tempo, trazendo eficiência energética e formas de reduzir os resíduos. Uma empresa de produtos de beleza precisa considerar quais ingredientes podem ser usados para causar menor impacto para o ecossistema. Quando se trata de uma fábrica nova, é fácil pensar assim. O grande desafio é com as estruturas já existentes: como melhorar a eficiência energética de uma construção antiga. Temos uma grande operação na Índia, com 170 mil pessoas. Em muitas cidades e nos campi que operamos, criamos centros de controle de energia, assim gerenciamos o uso da energia a partir de um único local. Então, utilizamos energia solar, gerenciamento de temperatura centralizado e conseguimos ganhar, em 12 meses, uma eficiência de 29%. Com inteligência artificial, é possível perceber momentos com poucas pessoas trabalhando, em que a refrigeração pode ser diminuída em 50%. E tudo isso é feito automaticamente, sem a necessidade de atuação humana.

Painéis solares na Costa do Marfim: tecnologia vem se tornando cada vez mais acessível Foto: Sia Kambou/AFP

Durante muito tempo, se reclamava que muitas empresas falavam de sustentabilidade apenas como forma de marketing. Isso mudou?

Todo mundo quer parecer bem. Então, às vezes, algumas pessoas podem ter utilizado o conceito como uma forma de marketing. Mas muitas pessoas estão trabalhando duro e investindo muito dinheiro para realmente estimular uma transição sustentável.

Há uma pressão em cima dos CEOs para realmente fazerem isso?

A pressão vem da sociedade como um todo, de reguladores, e em especial por parte dos investidores, mas também dos funcionários. Pouco se fala dos funcionários. Eles têm expectativas de que suas empresas sejam éticas, façam as coisas certas para o planeta, ou então vão evitar trabalhar para a empresa. A pressão estimula o uso de soluções disponíveis atualmente, mas também a busca por mais inovação. Por exemplo, o hidrogênio verde pode não ser uma solução econômica atual, mas em 15 ou 20 anos, se a produção se acelerar, pode ser algo relevante. As fontes renováveis não eram economicamente viáveis há 20 anos, e agora são. Mas governos e o setor público também devem ajudar, provendo incentivos, créditos fiscais ou outras formas de estímulos para os investimentos iniciais, para que novas tecnologias sejam rentáveis no futuro e ajudem toda a sociedade.

Como a inteligência artificial pode ajudar nessa transição?

O que está se chamando de inteligência artificial generativa (que permite a interação com os humanos) ajuda o trabalho com dados de forma a termos uma grande fonte para tirar conclusões e para tomarmos as melhores decisões para resolver problemas e prever cenários. Podemos analisar informações num volume que era impossível anteriormente. E ela permite irmos além dos dados, por que podem tratar de imagens e vídeos também. Uma empresa farmacêutica, por exemplo, pode analisar, de forma simples, dados de pesquisas coletados por 30 anos. Com isso, pode criar modelos para refinar essas informações e mais rapidamente descobrir a molécula com maior porcentagem de funcionar para certa doença. Isso pode reduzir os custos de desenvolvimento de novos medicamentos. Com esta nova geração de inteligência artificial, ficou muito palpável a capacidade de benefícios da tecnologia. Os executivos entenderam o que é possível fazer, e isso acelerou o apetite dos clientes pelo uso de tecnologias.

Liderando uma empresa com faturamento de € 22,5 bilhões (o equivalente a R$ 129 bilhões) e 340 mil funcionários espalhados por mais de 50 países (apenas no Brasil são 5 mil pessoas), o trabalho do CEO da consultoria francesa Capgemini, o engenheiro químico Aiman Ezzat, consiste não só em administrar uma empresa de imensas proporções. Mas também em ajudar diversas outras grandes empresas globais a atravessarem as mudanças tecnológicas que estão pela frente.

Atualmente, cerca de 170 das 200 maiores empresas privadas do mundo estão entre as clientes da Capgemini, que comprou o braço de consultoria da Ernst & Young em 2000 e a brasileira CPM Braxis, em 2010. Mas, enquanto nas últimas décadas muito do trabalho das consultorias, estava em ajudar as companhias a serem mais eficientes, aprimorando processos, digitalizando tarefas internas e o relacionamento com os clientes, além de terceirizar atividades que não eram as principais para os seus negócios, uma mudança recente tem redirecionado as demandas.

A introdução da inteligência artificial generativa e a tendência global de digitalização e de transição energética estão incentivando as consultorias a diversificarem seus trabalho e ajudarem as empresas a criarem novos produtos e serviços, que podem trazer novas fontes de receitas. Para Ezzat, está em curso uma revolução eco-digital, que são duas transições interligadas, que causará impactos econômicos e sociais equivalentes ao da Revolução Industrial.

Leia a seguir os principais pontos da entrevista:

O trabalho das consultorias como a Capgemini mudou nos últimos anos?

Durante muito tempo, o foco ficava em dar mais eficiência para as empresas, em construir aplicações de infraestrutura financeira e melhorar processos. Em resumo, estava em ajudar a administrar melhor as empresas. Atualmente, estamos construindo produtos, administrando a relação com os clientes ou trabalhando em melhorar a eficiência energética. Estamos combinando os mundos físico e digital. Por exemplo, nos últimos tempos, investimos fortemente em engenharia, e hoje somos a maior empresa de serviços de engenharia do mundo. Isso porque precisamos ter pessoas com conhecimentos mecânicos, de eletrônica e de estruturas. Se queremos trabalhar na construção de uma nova plataforma digital de um carro, precisamos entender como um veículo opera, mesmo que a maior parte das inovações deles agora estejam no software. Não existe o digital sem o físico.

Isso não vai na contramão do que se diz que tudo está ficando mais digital?

Uma coisa que tendo a discordar é quando as pessoas dizem que hoje toda empresa é uma empresa de tecnologia. De fato, toda empresa precisa incorporar tecnologia. Nem todas as empresas podem ser montadoras de veículos, bancos ou farmacêuticas, mas todas precisam aprender a usar tecnologia. Isso não significa que sejam empresas de tecnologia. O nosso papel, no entanto, está mudando. Nós começamos levando o uso de internet e a mobilidade para dentro das empresas. Depois, entramos no relacionamento delas com os clientes, uma vez que esse contato passou a ser digital. Então, começamos a mostrar como utilizar os dados coletados pelos canais digitais para vender mais serviços e fazer vendas cruzadas de produtos. Agora, estamos construindo produtos. Os carros são construídos em torno da arquitetura de software. Em serviços elétricos, os grids são digitais para atender às necessidades atuais. No futuro, no coração de cada produto ou serviço, estará algo digital, que permite administrar dados e otimizar as operações. Mas essas plataformas precisam ser construídas, para se chegar ao conceito de indústria inteligente.

De certa forma, toda essa revolução digital significa uma volta para as origens, apesar de ser sob uma luz diferente, em que o mais importante para as empresas é a oferta de bons produtos e serviços?

Sim. Falamos agora sobre produção baseada em dados, digitalização, busca pela qualidade, cadeia de fornecimento inteligente, sobre como a tecnologia ajuda em toda a cadeia de valor da empresa, em pesquisa e desenvolvimento, sobre como administrar uma empresa e em como atrair consumidores. Tudo isso tem como base a transformação digital da economia. Para mim, é algo equivalente à Revolução Industrial. A revolução digital vai ter o mesmo impacto para a evolução da economia e da sociedade que teve a Revolução Industrial. Ao mesmo tempo, o maior desafio da atual geração e da próxima é a mudança climática. Como vamos lidar com o fato de que existem recursos escassos e, se utilizarmos eles mal, vamos acabar com tudo? Então, se vamos investir trilhões de dólares para migrarmos para uma economia digital, é melhor que façamos isso de forma que seja também sustentável. Então, falamos na verdade de uma transição gêmea, para uma economia eco-digital. Não será possível fazer uma sem a outra. Elas estão interligadas.

Como isso deve acontecer?

Quando se constrói uma nova fábrica, deve-se pensar nas duas coisas. O local vai ser digital, mas deve ser sustentável ao mesmo tempo, trazendo eficiência energética e formas de reduzir os resíduos. Uma empresa de produtos de beleza precisa considerar quais ingredientes podem ser usados para causar menor impacto para o ecossistema. Quando se trata de uma fábrica nova, é fácil pensar assim. O grande desafio é com as estruturas já existentes: como melhorar a eficiência energética de uma construção antiga. Temos uma grande operação na Índia, com 170 mil pessoas. Em muitas cidades e nos campi que operamos, criamos centros de controle de energia, assim gerenciamos o uso da energia a partir de um único local. Então, utilizamos energia solar, gerenciamento de temperatura centralizado e conseguimos ganhar, em 12 meses, uma eficiência de 29%. Com inteligência artificial, é possível perceber momentos com poucas pessoas trabalhando, em que a refrigeração pode ser diminuída em 50%. E tudo isso é feito automaticamente, sem a necessidade de atuação humana.

Painéis solares na Costa do Marfim: tecnologia vem se tornando cada vez mais acessível Foto: Sia Kambou/AFP

Durante muito tempo, se reclamava que muitas empresas falavam de sustentabilidade apenas como forma de marketing. Isso mudou?

Todo mundo quer parecer bem. Então, às vezes, algumas pessoas podem ter utilizado o conceito como uma forma de marketing. Mas muitas pessoas estão trabalhando duro e investindo muito dinheiro para realmente estimular uma transição sustentável.

Há uma pressão em cima dos CEOs para realmente fazerem isso?

A pressão vem da sociedade como um todo, de reguladores, e em especial por parte dos investidores, mas também dos funcionários. Pouco se fala dos funcionários. Eles têm expectativas de que suas empresas sejam éticas, façam as coisas certas para o planeta, ou então vão evitar trabalhar para a empresa. A pressão estimula o uso de soluções disponíveis atualmente, mas também a busca por mais inovação. Por exemplo, o hidrogênio verde pode não ser uma solução econômica atual, mas em 15 ou 20 anos, se a produção se acelerar, pode ser algo relevante. As fontes renováveis não eram economicamente viáveis há 20 anos, e agora são. Mas governos e o setor público também devem ajudar, provendo incentivos, créditos fiscais ou outras formas de estímulos para os investimentos iniciais, para que novas tecnologias sejam rentáveis no futuro e ajudem toda a sociedade.

Como a inteligência artificial pode ajudar nessa transição?

O que está se chamando de inteligência artificial generativa (que permite a interação com os humanos) ajuda o trabalho com dados de forma a termos uma grande fonte para tirar conclusões e para tomarmos as melhores decisões para resolver problemas e prever cenários. Podemos analisar informações num volume que era impossível anteriormente. E ela permite irmos além dos dados, por que podem tratar de imagens e vídeos também. Uma empresa farmacêutica, por exemplo, pode analisar, de forma simples, dados de pesquisas coletados por 30 anos. Com isso, pode criar modelos para refinar essas informações e mais rapidamente descobrir a molécula com maior porcentagem de funcionar para certa doença. Isso pode reduzir os custos de desenvolvimento de novos medicamentos. Com esta nova geração de inteligência artificial, ficou muito palpável a capacidade de benefícios da tecnologia. Os executivos entenderam o que é possível fazer, e isso acelerou o apetite dos clientes pelo uso de tecnologias.

Liderando uma empresa com faturamento de € 22,5 bilhões (o equivalente a R$ 129 bilhões) e 340 mil funcionários espalhados por mais de 50 países (apenas no Brasil são 5 mil pessoas), o trabalho do CEO da consultoria francesa Capgemini, o engenheiro químico Aiman Ezzat, consiste não só em administrar uma empresa de imensas proporções. Mas também em ajudar diversas outras grandes empresas globais a atravessarem as mudanças tecnológicas que estão pela frente.

Atualmente, cerca de 170 das 200 maiores empresas privadas do mundo estão entre as clientes da Capgemini, que comprou o braço de consultoria da Ernst & Young em 2000 e a brasileira CPM Braxis, em 2010. Mas, enquanto nas últimas décadas muito do trabalho das consultorias, estava em ajudar as companhias a serem mais eficientes, aprimorando processos, digitalizando tarefas internas e o relacionamento com os clientes, além de terceirizar atividades que não eram as principais para os seus negócios, uma mudança recente tem redirecionado as demandas.

A introdução da inteligência artificial generativa e a tendência global de digitalização e de transição energética estão incentivando as consultorias a diversificarem seus trabalho e ajudarem as empresas a criarem novos produtos e serviços, que podem trazer novas fontes de receitas. Para Ezzat, está em curso uma revolução eco-digital, que são duas transições interligadas, que causará impactos econômicos e sociais equivalentes ao da Revolução Industrial.

Leia a seguir os principais pontos da entrevista:

O trabalho das consultorias como a Capgemini mudou nos últimos anos?

Durante muito tempo, o foco ficava em dar mais eficiência para as empresas, em construir aplicações de infraestrutura financeira e melhorar processos. Em resumo, estava em ajudar a administrar melhor as empresas. Atualmente, estamos construindo produtos, administrando a relação com os clientes ou trabalhando em melhorar a eficiência energética. Estamos combinando os mundos físico e digital. Por exemplo, nos últimos tempos, investimos fortemente em engenharia, e hoje somos a maior empresa de serviços de engenharia do mundo. Isso porque precisamos ter pessoas com conhecimentos mecânicos, de eletrônica e de estruturas. Se queremos trabalhar na construção de uma nova plataforma digital de um carro, precisamos entender como um veículo opera, mesmo que a maior parte das inovações deles agora estejam no software. Não existe o digital sem o físico.

Isso não vai na contramão do que se diz que tudo está ficando mais digital?

Uma coisa que tendo a discordar é quando as pessoas dizem que hoje toda empresa é uma empresa de tecnologia. De fato, toda empresa precisa incorporar tecnologia. Nem todas as empresas podem ser montadoras de veículos, bancos ou farmacêuticas, mas todas precisam aprender a usar tecnologia. Isso não significa que sejam empresas de tecnologia. O nosso papel, no entanto, está mudando. Nós começamos levando o uso de internet e a mobilidade para dentro das empresas. Depois, entramos no relacionamento delas com os clientes, uma vez que esse contato passou a ser digital. Então, começamos a mostrar como utilizar os dados coletados pelos canais digitais para vender mais serviços e fazer vendas cruzadas de produtos. Agora, estamos construindo produtos. Os carros são construídos em torno da arquitetura de software. Em serviços elétricos, os grids são digitais para atender às necessidades atuais. No futuro, no coração de cada produto ou serviço, estará algo digital, que permite administrar dados e otimizar as operações. Mas essas plataformas precisam ser construídas, para se chegar ao conceito de indústria inteligente.

De certa forma, toda essa revolução digital significa uma volta para as origens, apesar de ser sob uma luz diferente, em que o mais importante para as empresas é a oferta de bons produtos e serviços?

Sim. Falamos agora sobre produção baseada em dados, digitalização, busca pela qualidade, cadeia de fornecimento inteligente, sobre como a tecnologia ajuda em toda a cadeia de valor da empresa, em pesquisa e desenvolvimento, sobre como administrar uma empresa e em como atrair consumidores. Tudo isso tem como base a transformação digital da economia. Para mim, é algo equivalente à Revolução Industrial. A revolução digital vai ter o mesmo impacto para a evolução da economia e da sociedade que teve a Revolução Industrial. Ao mesmo tempo, o maior desafio da atual geração e da próxima é a mudança climática. Como vamos lidar com o fato de que existem recursos escassos e, se utilizarmos eles mal, vamos acabar com tudo? Então, se vamos investir trilhões de dólares para migrarmos para uma economia digital, é melhor que façamos isso de forma que seja também sustentável. Então, falamos na verdade de uma transição gêmea, para uma economia eco-digital. Não será possível fazer uma sem a outra. Elas estão interligadas.

Como isso deve acontecer?

Quando se constrói uma nova fábrica, deve-se pensar nas duas coisas. O local vai ser digital, mas deve ser sustentável ao mesmo tempo, trazendo eficiência energética e formas de reduzir os resíduos. Uma empresa de produtos de beleza precisa considerar quais ingredientes podem ser usados para causar menor impacto para o ecossistema. Quando se trata de uma fábrica nova, é fácil pensar assim. O grande desafio é com as estruturas já existentes: como melhorar a eficiência energética de uma construção antiga. Temos uma grande operação na Índia, com 170 mil pessoas. Em muitas cidades e nos campi que operamos, criamos centros de controle de energia, assim gerenciamos o uso da energia a partir de um único local. Então, utilizamos energia solar, gerenciamento de temperatura centralizado e conseguimos ganhar, em 12 meses, uma eficiência de 29%. Com inteligência artificial, é possível perceber momentos com poucas pessoas trabalhando, em que a refrigeração pode ser diminuída em 50%. E tudo isso é feito automaticamente, sem a necessidade de atuação humana.

Painéis solares na Costa do Marfim: tecnologia vem se tornando cada vez mais acessível Foto: Sia Kambou/AFP

Durante muito tempo, se reclamava que muitas empresas falavam de sustentabilidade apenas como forma de marketing. Isso mudou?

Todo mundo quer parecer bem. Então, às vezes, algumas pessoas podem ter utilizado o conceito como uma forma de marketing. Mas muitas pessoas estão trabalhando duro e investindo muito dinheiro para realmente estimular uma transição sustentável.

Há uma pressão em cima dos CEOs para realmente fazerem isso?

A pressão vem da sociedade como um todo, de reguladores, e em especial por parte dos investidores, mas também dos funcionários. Pouco se fala dos funcionários. Eles têm expectativas de que suas empresas sejam éticas, façam as coisas certas para o planeta, ou então vão evitar trabalhar para a empresa. A pressão estimula o uso de soluções disponíveis atualmente, mas também a busca por mais inovação. Por exemplo, o hidrogênio verde pode não ser uma solução econômica atual, mas em 15 ou 20 anos, se a produção se acelerar, pode ser algo relevante. As fontes renováveis não eram economicamente viáveis há 20 anos, e agora são. Mas governos e o setor público também devem ajudar, provendo incentivos, créditos fiscais ou outras formas de estímulos para os investimentos iniciais, para que novas tecnologias sejam rentáveis no futuro e ajudem toda a sociedade.

Como a inteligência artificial pode ajudar nessa transição?

O que está se chamando de inteligência artificial generativa (que permite a interação com os humanos) ajuda o trabalho com dados de forma a termos uma grande fonte para tirar conclusões e para tomarmos as melhores decisões para resolver problemas e prever cenários. Podemos analisar informações num volume que era impossível anteriormente. E ela permite irmos além dos dados, por que podem tratar de imagens e vídeos também. Uma empresa farmacêutica, por exemplo, pode analisar, de forma simples, dados de pesquisas coletados por 30 anos. Com isso, pode criar modelos para refinar essas informações e mais rapidamente descobrir a molécula com maior porcentagem de funcionar para certa doença. Isso pode reduzir os custos de desenvolvimento de novos medicamentos. Com esta nova geração de inteligência artificial, ficou muito palpável a capacidade de benefícios da tecnologia. Os executivos entenderam o que é possível fazer, e isso acelerou o apetite dos clientes pelo uso de tecnologias.

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