Depois de se refletir nos balanços dos bancos, o caso Americanas começa a aparecer também nos resultados de empresas de outros setores. Grandes companhias têm relatado a investidores que as linhas de risco sacado - uma espécie de antecipação de recebíveis, isenta do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), e que está no centro da fraude contábil que envolveu a rede varejista - encareceram. E, com isso, tem compensado mais trocá-las por outras modalidades de crédito, em geral mais caras.
Nos bancos, operações de curto prazo para empresas também estão sob pressão. Nesta semana, a Ultrapar, dona da rede de postos de combustíveis Ipiranga, informou ter reduzido em cerca de R$ 1 bilhão as linhas de risco sacado no primeiro trimestre deste ano. Por outro lado, recorreu a outras linhas de crédito em um trimestre de menor geração de caixa, o que fez a alavancagem (quanto do capital está sendo comprometido com pagamento de juros) da empresa aumentar.
“Após o caso Americanas, o custo de risco sacado aumentou muito, e achamos mais vantajoso substituir por outras dívidas”, disse o diretor Financeiro e de Relações com Investidores da Ultrapar, Rodrigo Pizzinatto, a analistas. Ele afirmou que nos próximos meses, a exposição do grupo ao risco sacado pode cair mais, a depender de outros indicadores financeiros.
Na Via, a redução foi parecida, de R$ 1,1 bilhão no primeiro trimestre de 2023 em relação ao mesmo período de 2022. Segundo o CFO da empresa, Orivaldo Padilha, já estava considerada no planejamento anual uma redução de R$ 1,5 bilhão até o final deste ano. “O que aconteceu no primeiro trimestre foi uma variação, em parte, sazonal, ligada a capital de giro e financiamento de fornecedores. O segundo efeito foi a menor oferta da linha de crédito no mercado brasileiro. Muitos bancos deixaram de trabalhar com essa linha e isso impactou aqui também”, afirmou.
Ele disse, porém, que a companhia ainda carrega um valor importante nessa modalidade. “As linhas estão mantidas e estão dentro do nosso plano”, disse. Para lidar com a diminuição vista no trimestre, a companhia optou por usar mais desconto de recebíveis de cartão de crédito.
Do outro lado do balcão, os bancos estão cobrando mais por esse tipo de financiamento, diante dos riscos mais elevados. O Bradesco informou ao Estadão/Broadcast que, neste começo de ano, reprecificou as operações de adiantamento a fornecedores, e que ajustou os prazos de alguns deles em função do caso Americanas.
“Também é bom lembrar que a queda de carteira de fornecedores no primeiro trimestre conta com sazonalidade, dado que no último trimestre do ano essa carteira cresce”, afirmou o banco, que divulgou resultados ontem, e relatou uma queda na demanda por crédito por parte de grandes empresas.
Estopim da crise
O risco sacado foi o estopim da crise da Americanas. A gestão que assumiu a varejista em janeiro, capitaneada pelo ex-CEO Sérgio Rial, afirmou ter detectado uma classificação errada de operações do tipo fora da linha de dívida financeira, o que reduziu a contabilização dos juros que incidiam sobre os saldos. O rombo chegou a R$ 20 bilhões, e levou a empresa à recuperação judicial.
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No risco sacado, os bancos adiantam a fornecedores o valor devido pelas empresas a quem o produto ou serviço foi fornecido. Assim, tornam-se credores da companhia que está no centro da cadeia de fornecimento. É uma operação comum em setores como o varejo.
Os dados do Banco Central não separam o risco sacado de outras linhas, mas as concessões de crédito por meio do desconto de recebíveis têm caído nos primeiros meses do ano, bem como as de linhas de capital de giro. No primeiro trimestre deste ano, as concessões através do desconto de recebíveis caíram 1,1%, de acordo com o BC.