As compras de Páscoa das empresas de varejo são negociadas ao longo dos 12 meses que antecedem a data comemorativa, mas os pedidos são fechados, de fato, no primeiro trimestre do ano. Quando o rombo contábil de R$ 20 bilhões e a consequente recuperação judicial da Americanas vieram a público, o diretor comercial da companhia, Aleksandro Pereira, se viu em uma situação inédita.
Ele tinha acordos fechados há cerca de um ano com o fabricante da marca própria de ovos de Páscoa da empresa, além de volumes e preços acordados com indústrias fornecedoras desde novembro. Mas os pedidos ainda não haviam sido emitidos. “Ficou um ponto de interrogação”, conta. Foram cerca de 15 dias de negociação em que a varejista lutou para manter os volumes que havia combinado.
Entre concessões e resistências, a empresa conseguiu, com pagamentos à vista e antecipados, garantir a compra de 13 milhões de ovos de Páscoa (ovos e produtos temáticos de chocolate). Em uma situação normal, os pagamentos seriam feitos com prazos de 15 dias a um mês após o feriado cristão. Com o volume adquirido, a expectativa da empresa é ter alta de faturamento sobre a mesma data do ano passado. A companhia não abre, porém, de quanto foi esse faturamento.
“Temos marcas próprias (de ovos), especialmente as licenciadas - voltadas para crianças -, que são desenvolvidas sempre com um ano de antecedência. Nas demais indústrias, viemos conversando ao longo do ano e chegamos a um volume e custo em novembro e dezembro. Já estava tudo fechado, mas não havia começado a emissão e o recebimento de pedidos”, conta Pereira. “Quando o problema surgiu, ficou um ponto de interrogação”, conclui.
Ele diz que o principal entrave era o prazo de pagamento. Grandes fornecedoras estão na lista de credores da recuperação judicial da companhia. São R$ 240 milhões em dívidas com a Nestlé, e R$ 14,8 milhões com a Ferrero Rocher, por exemplo. “Eu não tinha muito tempo. Isso foi uma dificuldade. Foram duas semanas de conversas intensas. Foi como negociar com alguém que estava chateado”, conta Pereira.
Ele diz que os valores devidos às indústrias são importantes, mas, em relação ao faturamento dessas fabricantes com a Americanas ao longo do ano, são menos expressivos. “São volumes que impactariam 1 ou 2 meses do giro de estoque no fornecedor. Isso deixou os fornecedores chateados, mas não foi impeditivo na negociação”, conta Pereira. A solução foi pagar à vista ou de forma antecipada, mesmo em uma situação de caixa apertada.
A varejista indica em peças protocoladas na Justiça que o ataque de bancos a seu caixa, levou a rede a uma situação insustentável de ter apenas R$ 250 milhões para tocar o negócio. Teria sido este o motivo para adiantar a Recuperação Judicial. Ainda assim, Pereira diz ter conseguido recursos para garantir os ovos de chocolate.
“Nunca ficamos com o caixa zerado. Os pedidos de Páscoa tem faseamento, assim, não há desembolso do caixa de uma vez só. Para esse tipo de negócio, tínhamos como fazer. Assim como tínhamos para pagar os funcionários. Nossa operação não parou. Temos vendas e, assim, entra caixa”, afirma.
Rouba monte
Foi dessa forma que a empresa conseguiu garantir o abastecimento para uma das datas mais importantes em sua estratégia comercial. Os produtos começaram a chegar 15 dias antes do carnaval. Mas essa conquista não veio sem perdas. Pereira diz que, como teve pouco tempo para rearranjar tudo que estava acordado, algumas indústrias decidiram enviar parte da produção para outros compradores. Segundo o diretor comercial, tratou-se de “uma pequena parte do volume”.
O Estadão/Broadcast apurou que redes de atacarejos se posicionam rapidamente para receber um volume maior de produtos de chocolate na data comemorativa. Pereira diz não saber para qual tipo de comércio essa parcela de produtos foi destinada. A verdade é que os volumes produzidos para a Páscoa são restritos e disputados. “Queríamos os volumes que havíamos acordado e mais”, diz Pereira.
Ele explica que, nos últimos anos, produtos não sazonais como barras de chocolate e bombons venderam mais na data do que os ovos de Páscoa. Como não perdem valor após o domingo de comemoração, eles são menos arriscados de produzir.
O preço alto também pode ter influenciado a escolha do consumidor e, para esse ano, não há expectativa de melhora. Pereira diz que as fabricantes tiveram aumentos de 10% a 15% em seus preços, dado a inflação de insumos. De todo modo, no ano passado, a Americanas conseguiu vender cerca de 95% do volume adquirido para a data. Neste ano, mesmo com a companhia em crise, a expectativa é positiva.
Procurada, a Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Amendoim e Balas (Abicab) afirmou em nota que “não comenta estratégias comerciais das empresas. Além do mais, a Associação ainda não tem fechado o volume (de produção) deste ano”. (Colaborou Márcia De Chiara)