A indústria de celulose avança com novos projetos no Brasil e com velocidade no Estado de Mato Grosso do Sul, que se consolida como a maior fronteira de produção da commodity no País. Anunciado há quase dois anos, Sucuriú, empreendimento da chilena Arauco, acaba de receber a licença do órgão ambiental do Estado, o Imasul, para instalação de uma linha de produção gigante. Ao se concretizar, será o quarto complexo produtor de celulose de eucalipto de fibra curta do Estado, com cerca de 90% a 95% do volume produzido voltado para exportação.
Ao entrar em operação - a previsão é o primeiro trimestre de 2028 -, o empreendimento será a concretização de um objetivo perseguido pela Arauco há cerca de 15 anos. Será montado com capacidade para produzir 2,5 milhões de toneladas de celulose por ano, mas já desenhado para uma potencial segunda linha de produção do mesmo tamanho. O local escolhido é o município de Inocência, região leste do Estado, a 337 quilômetro da capital, Campo Grande.
”Somando o aporte na fábrica, toda a base florestal e investimentos em logística, entre outros, o montante de recursos será da ordem de US$ 4 bilhões (ao câmbio atual, mais de R$ 20 bilhões)”, disse ao Estadão o presidente da Arauco no Brasil, Carlos Altimiras. O executivo, que tem 22 anos de carreira no grupo chileno, está no Brasil desde janeiro de 2020. Formado em engenharia civil e industrial, com mestrado na indústria de celulose e papel pela Universidade Federal de Viçosa (MG), Altimiras recebeu como uma das suas missões conduzir justamente a concepção e execução do projeto Sucuriú.
Com a licença de instalação e depois de encerrada, em setembro, a execução da engenharia básica do projeto, a companhia poderá dar partida às obras de terraplenagem no local que vai abrigar a fábrica, a 50 km do centro de Inocência, que tem 8,4 mil habitantes. Essa parte do investimento vai durar cerca de um ano, até outubro de 2025, informa o executivo. A partir daí, serão 30 meses de obras civis e montagem da planta industrial. O megaempreendimento ainda precisa ser aprovado pelo conselho de administração da Arauco, o que está previsto para o quarto trimestre deste ano. O executivo está otimista com o aval, pois todas as condições do projeto indicam sua viabilidade.
Altimiras informa que a empresa teve a licença prévia para um complexo industrial de celulose de 5 milhões de toneladas e a licença de instalação para a primeira linha de produção, de 2,5 milhões. Para uma segunda linha, quando for decidida no futuro, será necessário um licenciamento complementar. O plantio de florestas, segundo o executivo, seguiu as leis brasileiras para uma companhia estrangeira, que permite parcerias com donos de plantios, direito real da superfície da terra e associação com empresas locais donas de mais de 50% do capital da empresa florestal. “Estamos trabalhando em todas as linhas previstas legalmente. Os 300 mil hectares de base florestal que precisamos é uma composição dessas alternativas e já temos 70% da área garantidos”, afirmou.
A logística de escoamento da produção será por via ferroviária, pelos trilhos da Rumo, com carregamento em Inocência e embarques ao exterior pelo Porto de Santos (SP). Para isso, será necessário construir um ramal de 50 km saindo de dentro da fabrica até a ferrovia, que passa em Inocência. A empresa ainda não definiu se pretende investir em um terminal próprio em uma área no porto santista. A empresa vai avaliar várias alternativas.
O projeto no País, destaca o CEO da filial brasileira da Arauco - segunda maior produtora global de celulose de mercado, atrás da Suzano -, é estratégico para a companhia chilena. “É um passo importante para o presente e o futuro da Arauco”, afirma. Ele informa que a escolha do local, em Mato Grosso do Sul, se deveu a vários fatores: facilidade de logística; disponibilidade de água (ficará na margem esquerda do rio Sucuriú); distância superior a 100 km de projeto concorrente; e estrutura organizada do governo sul-mato-grossense. Com uma potencial duplicação, a operação brasileira praticamente alcança o tamanho da Arauco hoje: 5,2 milhões de toneladas ao ano.
Sobre incentivos fiscais do Estado para o empreendimento, Altimiras disse que foram oferecidas as mesmas condições que outras empresas tiveram para seus investimentos no setor. “O Estado de Mato Grosso do Sul tem tudo isso bem planejado”, diz. Para financiar o projeto, além de capital próprio da companhia, o executivo disse que serão buscados instrumentos estrangeiros comuns para projetos como esse, quase todo voltado à exportação e de capital intensivo, bem como de fontes no Brasil (bancos de fomento, por exemplo).
A queda dos preços da celulose no ano passado e a cotação ainda em recuperação e a conclusão de novos projetos de produção não parecem ser um motivo de preocupação para o investimento. “A cada um ano ou 18 meses precisa-se de uma nova fábrica, na faixa de tamanho da nossa, para atender à demanda”, diz o CEO. Segundo ele, a sustentação da demanda é vista principalmente nos segmentos de embalagens, com crescimento puxado na pandemia, e de papéis tissue (higiênicos, toalhas de cozinha e refrescantes, papel hospitalar, guardanapos e fraldas descartáveis, entre outros).
“A média de consumo per capita nos países em desenvolvimento ainda é muito baixa em relação à dos EUA e Europa. Temos mercados para crescer na China, Índia, Indonésia, Bangladesh, na América Latina. Nesses lugares o uso per capita vai aumentar”, destaca.
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O segredo, acrescenta Altimiras, é entrar com o projeto no momento certo, a chamada “janela de oportunidade”. “No ano passado entraram em operação projetos da Arauco (Mapa, no Chile) e da Bracell (em São Paulo); agora vem o Cerrado (da Suzano, em MS). Antes do nosso, Sucuriú, não parece ter nenhum outro para entrar em operação antes de 2028″.
Fundada em 1979, a Arauco é uma empresa global, de origem chilena, com presença em cinco continentes. Focada na fabricação de celulose e painéis de madeira, a empresa tem operações em mais de 75 países e fábricas no Brasil, Chile, Argentina, Uruguai, México, Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Espanha, Portugal e África do Sul. Está no Brasil desde 2002, com negócios florestais e painéis de madeira, presente nos Estados do Paraná, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul. No ano passado, a companhia teve receita líquida de US$ 6 bilhões, registrando prejuízo de US$ 358 milhões. A receita das operações brasileiras foi de US$ 765 milhões (R$ 3,8 bilhões).
Vale da Celulose no Centro-Oeste
Com muita terra disponível para plantio de eucalipto, água em grande quantidade, programa de incentivos para atração de projetos, estrutura para análise especializada e agilidade na concessão de licenciamento, Mato Grosso do Sul quer criar em seu território o “Vale da Celulose”, uma referência ao “Vale do Silício”, no EUA, e também ao “Vale do Lítio”, que agrupa vários projetos do mineral na região do Vale do Rio Jequitinhonha, em Minas Gerais.
“O Estado adotou uma estratégia nesse caminho ao desenvolver um plano de florestas plantadas para indústria de celulose”, afirmou ao Estadão o Secretário Estadual de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação, Jaime Verruck, que está em Nova York apresentando o Estado a investidores. Ele cita que na base da competitividade está uma área de 8 milhões de hectares de pastagens, com condições climáticas para plantio de eucalipto, topografia propícia ao corte mecanizado da floresta plantada e disponibilidade de água no rio Paraná e outros rios no interior do Estado. “É uma base bem competitiva para essa indústria”, diz.
Verruck destaca o processo de “fast track” (rapidez) no licenciamento ambiental do plantio de eucalipto e um conjunto de incentivos fiscais estruturado para o setor, além de assumir compromissos em infraestrutura para vias de acesso (estradas). “O governo está investindo R$ 4 bilhões para integrar a base de produção de celulose às vias de acesso e escoamento”. Ele informa que, hoje, há no Estado 1,38 milhão de hectares plantados e projeta ir a 2 milhões de hectares até o final de 2025 para sustentar os atuais projetos. “Acreditamos que Mato Grosso do Sul vai atingir 2,5 milhões de hectares de florestas de eucaliptos.”
Atualmente, o Estado tem três fábricas em operação - duas da Suzano em Três Lagoas, formando um complexo de 3,25 milhões de toneladas de celulose ao ano, e uma da Eldorado no mesmo município (1,8 milhão de toneladas). Há uma outra da Suzano, o Projeto Cerrado, em fase final de construção, para fazer 2,55 milhões de toneladas. No total, somam 7,6 milhões de toneladas, colocando Mato Grosso do Sul na liderança do País. Para o futuro estão previstos o Projeto Sucuriú, da Arauco, e a segunda linha da Eldorado, maior que o volume atual, segundo anúncio recente da J&F, holding que controla a empresa.
A projeção do governo sul-mato-grossense é ter no Estado oito fábricas de celulose, com 2,5 milhões de hectares de florestas plantadas, em até mais uma década. “O que buscamos agora é fazer a transformação de parte dessa celulose. Já temos a fábrica de papel da Sylvamo (ex-International Paper, em Três Lagoas) e temos objetivo de atrair fabricantes de papel tissue, de embalagens e papel de escrever, além de uma cadeia de insumos e de serviços”, diz o secretário.
Da produção da celulose, um subproduto é a geração de energia limpa a partir da biomassa do processo. A fábrica da Arauco, por exemplo, projeta 400 megawatts, consumindo metade e vendendo o restante no mercado. Segundo o secretário, Mato Grosso do Sul é o Estado que mais gera energia a partir de biomassa. Por se tratar de uma monocultura que vai duplicar de tamanho, ele diz que o Estado criou um programa de defesa sanitária vegetal para combate pragas que costumam surgir.
Nessa indústria, afirma Verruck, o Estado tem vantagens competitivas naturais. O desafio de curto prazo é mão de obra. Ele diz que há quase pleno emprego - apenas 4% de desocupação. “Tivemos de montar uma estrutura robusta de qualificação para atender à demanda, tanto na parte florestal quanto na industrial.” Na logística, um programa de revitalização e novas vias de acesso à ferrovia principal visam a criar um corredor ferroviário competitivo para exportação da celulose, embarcada pelo Porto de Santos.